Durante uma manifestação contra o Governo, em Sófia (Bulgária), a 11 de julho de 2013.

A palavra aos cidadãos

Os Balcãs foram invadidos por uma vaga de protestos. Da Eslovénia à Bulgária, a população sai às ruas para denunciar abusos. Os cidadãos tomam a palavra para exigir uma nova política.

Publicado em 26 Agosto 2013 às 15:33
Durante uma manifestação contra o Governo, em Sófia (Bulgária), a 11 de julho de 2013.

No início, eram sete. “Um amigo pediu-me para me meter no carro e ir depressa para o Parlamento. Queríamos fazer ouvir a nossa voz, por uma vez”, recorda Zlatko Abaspahić. Confrontavam-se todos com o mesmo problema, a impossibilidade de registarem os seus recém-nascidos, por incapacidade do Parlamento em aprovar legislação para tal. Assim começou a revolução dos bebés, este verão, na Bósnia.

Armados de carrinhos de bebé, tambores e apitos, chamaram os políticos à ordem. Para o registo de recém-nascidos, mas também para uma série de outros assuntos, tais como a falta de recursos financeiros para as universidades ou os salários exorbitantes dos deputados. “É a primeira vez em 20 anos que as pessoas expressam as suas angústias e manifestam o seu descontentamento”, declara Aldin Arnautović, outro manifestante da primeira hora.

Os movimentos de protesto deste tipo estão na moda. Ocorreram manifestações espontâneas na Croácia, Roménia e Macedónia. Na Eslovénia, um primeiro-ministro, um dirigente da oposição e um presidente de Câmara foram obrigados a demitir-se, neste inverno.

Na Bulgária, o Governo e um autarca entregaram os pontos na primavera; mas, depois disso, novos protestos eclodiram no país, numa escala muito superior à de todos os outros movimentos que ocorreram até agora na região dos Balcãs. Há quase dois meses que milhares de pessoas bloqueiam diariamente as ruas envolventes do Parlamento, em Sófia, exigindo novas eleições.

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[[Como se nada se passasse, os deputados estão de férias; mas as manifestações continuam]]. No calor do pôr-do-sol, o ar em torno do Parlamento deserto está saturado de suor e da saliva que jorra de milhares de assobios. “Boas férias!”, lê-se numa faixa, ou “O mês de agosto não vai salvá-los”.

“Agora percebemos a dificuldade em provocar a demissão dos comunistas”, constata Hristo Vodenov, referindo-se à classe política dominante que, da oposição até ao Governo, está profundamente enraizada no passado comunista e de que os manifestantes se querem livrar de uma vez por todas.

Escândalos minam a confiança

As razões que levam as pessoas a manifestar-se são sempre locais. Num momento, escândalos ou pessoas ficam no centro das atenções, mas, muito rapidamente, a contestação alarga-se. A revolta foi desencadeada e os cidadãos querem mais.

Os movimentos de protesto, apesar de locais, têm muitos pontos em comum. Srdja Popovic, que ganhou notoriedade durante a revolta popular sérvia que levou à demissão de Slobodan Milosevic, faz agora de conselheiro a movimentos idênticos. Fala de “people’s power” (poder do povo): “Esses movimentos, como na Turquia ou no Brasil, mostram que as correntes políticas dominantes perderam a legitimidade, e que as pessoas normais, criativas, podem tornar-se atores importantes”.

A legitimidade da classe política instalada é posta em causa por todos os Balcãs. Escândalos de corrupção e cinismo político minam a confiança. As promessas eleitorais são autênticas anedotas. E cada país tem políticos que, mesmo que estejam muito empenhados no seu papel, se agarram ao poder.

Mas o que pretendem os manifestantes? [[Os militantes esperam mais transparência e um comportamento responsável por parte dos seus políticos]]. Exigem resultados concretos como contrapartida dos seus impostos e, acima de tudo, respeito. São os políticos que estão lá para servir as pessoas, não o contrário.

Raramente há um programa concreto. Os manifestantes unem-se por uma rejeição das práticas políticas dominantes. Por vezes, é apenas um verniz. “Não gosto muito daquela gente”, confessa um manifestante liberal croata, com ar entendido, apontando para um grupo nacionalista que também participava no evento. “Mas o Governo repugna-me mais...”

Enquanto os manifestantes contestam a nomenklatura política no seu conjunto, há unidade. Os partidos políticos que tentam juntar-se aos manifestantes são corridos e vaiados. “Não estamos aqui para substituir o Governo atual pelo seguinte”, é uma palavra de ordem muito difundida.

Nenhum líder surgiu destes protestos. Todos os que tentaram caíram rapidamente do pedestal. Personalidades destacadas da organização procuram livrar-se o mais depressa possível das atribuições de porta-voz, para não serem rapidamente criticados pelos outros manifestantes. As estratégias são frequentemente debatidas em plenário. Cada manifestante pode chegar-se à frente e expor a sua própria visão.

Esta ausência de liderança e de programa é simultaneamente a força e a fraqueza destes movimentos. Permite reunir grandes grupos heterogéneos, mas significa que ninguém toma a iniciativa de pôr em prática reformas reais. A oposição oficial é alvo das mesmas suspeitas do Governo. Gera-se uma miríade de pequenos partidos, que não conseguem gerar confiança. As eleições ameaçam, pois, perder a sua função de motor de mudança.

Estratégias de negação e populismo

Na Bulgária, de acordo com algumas sondagens, quase metade da população apoia os manifestantes. Arriscamos concluir tratar-se da metade que não vai habitualmente às urnas. A antipatia e desconfiança estão tão profundamente enraizadas que a “política” é vista como um problema e não como uma solução.

Os governos tentam, portanto, aguentar-se no meio da tempestade. Na Eslovénia, o primeiro-ministro, Janez Janša, manteve-se no poder por mais de um mês, quando todos vaticinavam que a sua carreira tinha acabado. Na Bósnia, o Parlamento decidiu decretar um período de férias, na esperança de que os protestos cessem. Na Bulgária, o primeiro-ministro, Plamen Orecharski, não quer ouvir falar em novas eleições. Utilizando ora estratégias de negação, ora a aplicação de medidas populistas, como o aumento das pensões e subsídios familiares, procura aliviar as tensões.

Sem objetivos concretos, é difícil perceber se a onda de contestação popular foi um êxito. Mas talvez já tenha produzido resultados. “Pelo menos, afastámos a apatia e mostrámos que podemos conseguir mudar qualquer coisa juntos”, comenta Arnautović, em Sarajevo. “Mesmo que o movimento agora se desmorone, há a possibilidade de surgirem novas formações.”

O CANVAS, centro para a aplicação de ações e estratégias não violentas de Belgrado, especializou-se na teorização do poder popular. Publica livros, organiza conferências e faz consultorias a pedido dos movimentos de contestação. O seu fundador, Srdja Popovic, considera que a atual onda de protestos que varre os Balcãs está intimamente ligada ao que vimos acontecer no Brasil e na Turquia: “As pessoas aprendem a chamar a atenção dos políticos para as suas responsabilidades”.

É essencial uma interação com esses políticos. Os manifestantes têm uma visão clara e capaz de impor disciplina? Por seu lado, os políticos podem criar consensos sobre valores comuns com os manifestantes, ou consideram-nos apenas como traidores e terroristas, à semelhança do primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdoğan?

Deste ponto de vista, a revolta eslovena parece, para já, a mais bem-sucedida: políticos comprometidos desapareceram de cena e o novo Governo está consciente de estar sob a vigilância cerrada da população. Os próximos meses vão revelar se os protestos de outros países também vão conseguir este resultado.

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