O comboio que liga Šeštokai, na Lituânia, a Varsóvia, na Polónia.

Berlim – Talin, quatro dias e bolhas no traseiro!

Viajar entre a capital alemã e a capital estónia por via-férrea é possível. Mas, mais do que as paisagens, o que se retira da experiência é a lentidão da viagem e a consciência da necessidade de harmonização europeia dos caminhos de ferro. É a opinião do jornalista estónio que fez essa experiência.

Publicado em 5 Julho 2013 às 15:07
Timon91  | O comboio que liga Šeštokai, na Lituânia, a Varsóvia, na Polónia.

A prática mostrou que a Rail Baltic é mesmo necessária. Os carris existentes não são adequados nem para o transporte de passageiros nem para o de mercadorias. O comissário europeu dos Transportes, Siim Kallas [de nacionalidade estónia], contou-me que, uma vez, só por curiosidade, pedira que lhe arranjassem um bilhete de comboio para uma viagem entre Berlim e Talin. Arranjaram-lho, mas o trajeto incluía uma passagem por Moscovo.

As pessoas que conhecem bem o estado dos caminhos de ferro [na região] confirmam que, presentemente, não é possível apanhar o comboio da Europa para Talin, porque, algures entre a Lituânia e a Polónia, nem sequer há via-férrea.

Portanto, foi com surpresa que ouvi as palavras de um funcionário do governo da região de Harju, quando este me telefonou a propor um trajeto de Berlim a Kaunas. “O caminho todo de comboio?”, perguntei, pelo sim pelo não. “De comboio”, confirmou o homem. A minha decisão de tentar essa experiência foi tomada em dois segundos. Decidi que iria mesmo até Talin, se fosse possível.

Dia 1

Sexta-feira, 14 de junho. O Expresso Berlim-Varsóvia. Em toda a Europa, não há estação mais pomposa do que a estação principal da capital alemã – imensa, toda de vidro iridescente, com vista para a chancelaria alemã e para o Reichstag.

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Não há tempo para ficar a olhar; o comboio chega pontualmente às 17h37. Conduzem-me a uma carruagem especial, onde me servem o jantar. Sinto-me como se fosse Hercule Poirot, cuja missão era resolver um crime cometido no comboio. Aprecio este movimento elegante do comboio de longo curso, nada que se pareça com o famoso comboio de alta velocidade, que se desloca a 300 km/h. Esses não vão para Leste. O comboio para Varsóvia circula a uma velocidade máxima de 160km/h e abranda para os 60-80 km/h nas passagens estreitas. “Desde a inauguração da nova autoestrada, é mais rápido viajar de carro do que de comboio”, admite, com tristeza, o diretor de marketing da empresa ferroviária.

Depois de passarmos a fronteira entre a Alemanha e a Polónia, sentimo-nos no Leste. O trajeto é interrompido por travagens e acelerações periódicas. “Dir-se-ia que aqui termina a Rail e começa o Baltic!”, graceja um passageiro experiente.

23h14: o comboio Express entra na estação de Warszawa Centralna. Já anoiteceu mas o percurso foi suportável.

Dia 2

Sábado, 15 de junho. Comboio especial Varsóvia–Šeštokai–Kaunas [Polónia-Letónia-Lituânia]. A composição parte às 9h40, em direção à Lituânia. Ao fim de meia hora de viagem, apercebemo-nos de que os carris de Varsóvia em direção ao Norte do país datam de outra época. Nada que se aproxime dos 120km/h anunciados. É óbvio que, na Polónia, o carro é muito mais prático do que o comboio.

Paramos em todas as passagens de nível – e são às centenas! Depois, voltamos a arrancar, apitando, ao ritmo de um peão. “O Governo polaco só se interessa pela construção de autoestradas e está-se nas tintas para os caminhos de ferro”, explica o assessor de um deputado europeu polaco, que viaja comigo. “Ainda não utilizaram os dois mil milhões de euros de subsídios europeus destinados à rede ferroviária.”

Ao meio-dia, o comboio para em Białystok. Acabou a linha eletrificada. A nossa locomotiva azul é substituída por uma locomotiva verde, a diesel. Meia hora de paragem. Voltamos a deter-nos por 45 minutos, no Norte da Polónia, em Suwałki, para deixar passar um comboio que liga Vílnius a Varsóvia. Ao contrário do que me tinham dito, há mesmo um comboio direto, uma vez por dia, ainda que sem qualquer conforto, entre Vílnius e Varsóvia.

Ao longo da última hora antes da chegada à fronteira com a Lituânia, o comboio avança a 20-25 km/h. Mas é também ali que se desfruta das mais belas vistas para os campos polacos e para as muitas igrejas… Ao contemplar a paisagem, reparo que a via está em obras. Quando chegamos a Šeštokai, acaba a via-férrea com uma largura de 1435 mm e começa a de 1520 mm. Portanto, temos que mudar de comboio.

Os representantes dos caminhos de ferro lituanos contam que concluíram um acordo para, em 2015, a viagem até Kaunas poder ser feita no mesmo comboio, graças à construção de uma rede conforme com as normas europeias. Para os lituanos, tratar-se-ia da primeira via da Rail Baltic. Contudo, os estónios e os letões duvidam da intenção dos lituanos de prolongar até mais longe a construção de vias.

Ao fim de oito horas e meia de viagem, é um prazer chegar à estação de Kaunas! Acabei de completar metade da viagem!

Dia 3

Domingo, 16 de junho. Kaunas–Vílnius, Vílnius–Daugavpils. Sigo caminho sozinho, no comboio de Kaunas para Vílnius. Fico surpreendido com as novas linhas vermelhas, com dois níveis. O trajeto é rápido e agradável. No entanto, a realidade está à espera, à chegada a Vílnius. O comboio entre a Lituânia e a Letónia passa por São Petersburgo. Verdadeira nostalgia soviética: o comboio, a abarrotar, arranca aos estalidos. Na carruagem, os assentos são incrivelmente estreitos, a música disco russa crepita, as pessoas instalam-se para dormir… Às 22 horas, ao chegar a Daugavpils, pergunto-me se a viagem poderá tornar-se ainda mais chata.

Dia 4

Segunda-feira, 17 de junho. Daugavpils–Riga, Riga–Valga, Valga–Tartu–Talin. As ruas de Daugavpils estão desertas, seja de dia ou de noite. Na Letónia, circulam os mesmos velhos comboios a diesel que na Estónia. Tento interessar-me por aquilo que se vê através dos vidros, mas os efeitos de quatro dias de comboio começam a fazer-se sentir. As paragens são frequentes: 19 até Riga. As estações letãs foram muito bem recuperadas, mas não se pode dizer o mesmo das vias-férreas em si. O comboio Riga-Valga circula com uma lentidão extrema e está sempre a parar.

Ao subir para o comboio Talin-Valga, na Estónia, sinto-me de rastos. Os minutos entre as últimas paragens (33 no total!) demoram tanto a passar. Algumas estações antes de Talin, uma empregada da operadora ferroviária “Edelaraudtee” pergunta-me como consegui resistir àquele trajeto, quase sem me mexer. “Ah, isso não é nada. Comecei há quatro dias, em Berlim.” “Deve ter bolhas no traseiro”, respondeu ela, com simpatia. E é verdade! Desisto! Não vou aguentar até à estação de Talin. Desço na paragem mais próxima da minha casa.

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