Cada um por si

Publicado em 30 Novembro 2012 às 16:39

O acontecimento diplomático da semana é o reconhecimento da Palestina pelas Nações Unidas, a 29 de novembro, com o estatuto de Estado observador não membro. O voto da Assembleia Geral da ONU é, antes de mais, simbólico e só por si não resolverá a questão da coexistência entre Israel e o seu novo vizinho oficial. Tal como também é simbólico o facto de a União Europeia não ter conseguido exprimir-se a uma só voz.

A contagem dos votos mostra que os 27 Estados-membros da UE se dividiram em dois blocos equivalentes: 14 países votaram a favor, 12 abstiveram-se. Só a República Checa votou contra, ao lado de outros oito Estados (em 188 votantes) entre os quais Israel e os Estados Unidos.

Como sublinhava Lluís Bassets antes da votação da ONU, o Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE), criado em 2010, continua a ser uma concha vazia. Não apenas os Vinte e Sete parecem empenhados em ignorar esta instituição encarregue de tornar a UE influente no mundo, bem como a sua própria chefe, Catherine Ashton, como parecem satisfeitos com a sua própria incapacidade em chegarem a acordo sobre uma questão tão emblemática como o reconhecimento do Estado palestiniano.

Igualmente simbólico é o facto de esta desunião europeia se ter manifestado uma semana após o fracasso da cimeira sobre o orçamento da UE, durante a qual a defesa dos interesses nacionais impediu qualquer tentativa de definição de prioridades comuns para os próximos sete anos.

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Esta sucessão no calendário não é uma coincidência. É própria da época. Esta sexta-feira, numa entrevista a quatro jornais europeus, entre os quais o Financial Times, o primeiro-ministro holandês Mark Rutte declarou que o seu governo quer “um debate a nível dos 27 para saber se a Europa não está envolvida em demasiados domínios que poderiam ser resolvidos a nível nacional”. A questão da subsidiariedade não é nova e merece ser colocada para melhorar o funcionamento da União. Mas colocá-la assim, e agora, aumenta a confusão semeada pelo debate britânico sobre o repatriamento de poderes para Londres.

A mensagem política que assim se transmite é a de uma Europa “à la carte”, mesmo que à custa do projeto no seu todo.

Há alguns anos, a defunta Constituição europeia deveria ter sido o coroar de uma etapa crucial da construção europeia. O Tratado de Lisboa, que a substituiu, é vítima das condições em que nasceu, cheio de compromissos e renúncias. E o espírito que deveria ter trazido foi engolido pela crise económica.

No seu livro Le Passage à l’Europe (publicado em francês pela Gallimard), Luuk van Middelaar descreve o equilíbrio da incessante mudança entre uma “esfera externa”, a do tradicional conserto das nações saído do século XIX, uma “esfera interna”, a das instituições comunitárias, e uma “esfera intermédia”, onde os Estados reunidos em Conselho avançam a pouco e pouco para as decisões que transcendem os seus interesses nacionais sem os negligenciarem. A história da UE tem sido, até agora, a passagem da preeminência da esfera externa para uma estreita cooperação das outras duas esferas. É esse processo histórico que hoje parece estagnado.

Hoje, só a Comissão Europeia persiste em propor projetos que visam a integração a longo prazo, como aconteceu esta semana com a proposta deUnião económica e monetária. Mas parece muito isolada e, além disso, incapaz de se fazer ouvir.

Esta travagem na história acontece numa altura em que a UE é agraciada com o prémio Nobel da Paz. Não é por acaso porque o Comité do Nobel quis alertar para as consequências dos bloqueios entre os Vinte e Sete. Quando a distinção foi anunciada, escrevemos que a UE deveria mostrar-se digna. Uma primeira resposta acaba de nos ser dada, com o anúncio de que seis líderes europeus poderão não estar presentes na cerimónia de entrega do prémio, a 10 de dezembro.

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