Diferença de estatura? Charles de Gaulle e Konrad Adenauer; François Hollande e Angela Merkel

Cinquenta velas sem grande chama

A França e a Alemanha comemoram o aniversário do Tratado do Eliseu em que viria a assentar o entendimento entre os dois países, num momento em que a relação entre ambos está em crise. Os franceses fazem má cara ao sucesso económico dos alemães, que não se privam de sublinhar as fraquezas dos seus vizinhos. Apesar de tudo, é preciso que a dupla continue a entender-se.

Publicado em 21 Janeiro 2013 às 16:13
Dieter Hanitzsch  | Diferença de estatura? Charles de Gaulle e Konrad Adenauer; François Hollande e Angela Merkel

Recebemos tardiamente os parabéns pelo 31 de dezembro. Não os do Presidente da República, mas os de Angela Merkel. Foi como que uma visão. A chanceler foi majestosa. Angela Merkel conseguiu um exercício perfeito. Os anais registaram as previsões pessimistas da chanceler: "A crise está longe de ter sido superada."

Não foi isso que nós vimos. Vimos a chanceler reinar sobre uma Alemanha tranquilizada, a nove meses das eleições gerais [previstas para 22 de setembro de 2013]. Estava radiosa, vestida de cetim cinzento, olhando do alto da sua chancelaria o edifício do Reichstag, incarnação da democracia parlamentar alemã. Um tom grave e um sorriso muito ligeiro. Alguns acusam esta doutorada em Física, filha de um pastor [luterano] criada na Alemanha de Leste, de preferir as ciências duras às ciências humanas, de não ter consciência histórica, quando se coloca a questão europeia.

Angela Merkel esforça-se arduamente por se inscrever na tradição dos pais da República Federal. Assim, ao congratular-se pelo aniversário, recuou 50 anos: citou Walter Bruch, inventor do sistema de televisão a cores PAL, que rivalizou com o nosso sistema Secam [cor sequencial com memória] nacional; recordou Kennedy, proclamando "Ich bin ein Berliner" [Eu sou um berlinense] diante do Muro de Berlim; prestou homenagem a Charles de Gaulle e Konrad Adenauer, que selaram a reconciliação franco-alemã.

Suor e lágrimas

Antes de disputar o terceiro mandato, Angela Merkel quer firmar para si mesma uma estatura digna dos seus grandes antecessores. Num encontro em novembro de 2012, antes da entrega do Prémio Nobel da Paz atribuído à União Europeia, o "Presidente normal" François Hollande explicou, de mau humor, que iam receber um prémio que era merecido pelos heróis do passado, Schuman, Monnet, Adenauer. "Mas nós também devemos ser heróis", replicou Angela Merkel, que, no entanto, geriu muito mal a crise do euro, no seu início, recusando-se a afastar a hipótese de falência de países-membros da união monetária.

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Um bom herói deve sofrer e Angela Merkel exige sempre suor e lágrimas. Nas suas palavras de felicitações, não referiu os esforços dos gregos e de outros povos da Europa postos à prova pela crise do euro. Mas, antes de pedir "a bênção de Deus" para os seus compatriotas, citou o filósofo grego Demócrito (470-370 antes de Cristo): "A coragem é o começo da ação e a felicidade é o seu fim."

No entanto, para quem ouvir a sua chanceler, os alemães estão perto da felicidade. Enquanto a França se dilacera, ontem com Nicolas Sarkozy, hoje entre os partidários dos 75% e os que cometem fraudes fiscais, entre defensores do casamento de homossexuais e os opositores católicos, a chanceler incarna uma nação unida. Neste 31 de dezembro, Angela Merkel contou uma história. Contou como os colegas da sua equipa de futebol tinham convencido um miúdo de Heidelberg a não abandonar a escola: na Alemanha, o sucesso individual é coletivo. E que sucesso! O desemprego tem a taxa mais baixa de depois da reunificação: foi reduzido a metade sob o mandato de Angela Merkel e o país ainda criou 416 mil empregos em 2012. Nunca tantos alemães tiveram emprego.

No mesmo dia, François Hollande tentava convencer os seus compatriotas de que o desemprego, que aumentou ao longo de dezanove meses seguidos, iria finalmente recuar no fim do ano. Mas é preciso merecer a felicidade de Angela Merkel. Para a manter, é preciso perseverar no esforço. Sem esperar a epifania, que assinala o reinício da vida política alemã, o ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, anunciou novas medidas de poupança.

Hollande terá de fingir

Dura parceria para François Hollande, que esperava não passar demasiado tempo na companhia de Angela Merkel. Angela Merkel é mais popular do que nunca, amada por sete alemães em cada dez. Portanto, François Hollande vai ter de fingir que aprecia a companhia da chanceler. Os ministérios dos Negócios Estrangeiros francês e alemão estão a preparar um magnífico "baile dos hipócritas" em Berlim, em 21 e 22 de janeiro, para assinalar o cinquentenário do Tratado do Eliseu. As populações terão direito aos refrãos do costume: conselho de ministros franco-alemão, discursos de Angela Merkel e François Hollande, no Reichstag. O culminar das festividades será um concerto na Filarmónica de Berlim. E é tudo.

A repercussão mediática do acontecimento vai revelar um desejo de franco-alemão, mas os dois dirigentes não previram nenhuma iniciativa política importante. Pelo contrário, nas duas margens do Reno, reina a impaciência: os alemães desprezam os franceses que retrocedem economicamente, os franceses clamam energicamente contra o desejo de poder germânico. Os alemães são acusados de querer matar a Peugeot, de não reconhecerem a superioridade da França na indústria espacial e na meteorologia, etc. Angela Merkel é majestosa, a Alemanha um rebento imperialista, e a França está na senda preocupante da germanofobia.

Visto da Alemanha

Disputar para se poder avançar

“As disputas geram amizades” [em alemão, Streiten macht Freunde]: a verdadeira força da relação entre Berlim e Paris resulta precisamente das eternas controvérsias entre os dois países, considera Die Welt am Sonntag.

Obviamente que, constata a edição de domingo de Die Welt, é muito o que opõe franceses e alemães. Os primeiros veem a sua relação de “casal” como a relação de Marianne, beleza de seios nus e sedenta de liberdade, e de Bismarck, de bigode farfalhudo e um virtuoso do poder. Os segundos preferem a metáfora técnica do “motor franco-alemão”. Mas isto acaba por ser uma vantagem:

A unidade, por si só, não garante o avanço da Europa. [...] Foi eterna a disputa entre Adenauer e De Gaulle sobre a relação com a América e sobre a autonomia da Europa; entre Helmut Kohl e Mitterrand, sobre a reunificação e sobre o euro. Sempre houve tensões em todos os sentidos mas, no fim, havia um compromisso que fazia avançar a Europa.

É neste espírito, sublinha Welt am Sonntag, que o tratado do Eliseu quis que os cidadãos pudessem aprender a língua do outro e estabelecer contactos permanentes a todos os níveis.

Assim se criou uma rede única na Europa onde ninguém deve renunciar à sua identidade. E assim se explica também por que motivo a França e a Alemanha conservam hoje o papel de líderes da Europa. Não formam uma associação bilateral exclusiva. Continuam a disputar, de uma forma exemplar, os grandes conflitos da União — integrando também os outros.

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