UE e democracia

“É preciso abrir as instituições da União ao debate público”

Para o sociólogo Antoine Vauchez, a crise grega destacou o papel da Comissão, do Banco Central e do Tribunal de Justiça europeus na aplicação estrita de regras económicas que governam a União e que se impõem aos cidadãos, aos eleitos e às nações sem poder ser discutidas.

Publicado em 29 Julho 2015 às 20:15

Numa entrevista publicada no Libération e realizada por Philippe Douroux, o autor de Démocratiser l’Europe (Editora Seuil, 2014) denuncia a impossibilidade de existir um debate democrático sobre as orientações económicas no seio da União.
Desta forma, observa, “o projeto europeu inicial, o do projeto de Roma em 1957, era também um projeto político e não simplesmente um conjunto de regras comuns para unificar um espaço económico e monetário”.
Hoje em dia, por outro lado, o único verdadeiro Governo europeu é o do mercado único e da zona euro, que é regido pelas três instituições ditas “independentes”, o Tribunal da Justiça (TJUE), a Comissão e o Banco Central (BCE) europeus. Estas três instituições são compostas por personalidades não eleitas – ainda que os comissários europeus sejam aprovados pelo Parlamento – e, paradoxalmente, estão “na origem da capacidade política da Europa, mas sempre reivindicando a independência da ideologia e da diplomacia, consideradas como portadoras de “egoísmos nacionais”. Isto é um aspeto fundamental da União, afirma Antoine Vauchez,

cada vez que se quer promover um “interesse geral” europeu, colocamo-lo nas mãos de uma instituição independente, longe do campo da política. E a crise do euro apenas aprofundou este sulco. Nesta política económica europeia, os membros dos Parlamentos, europeus ou nacionais, têm uma segunda função: por não poderem tomar iniciativas em matéria de leis europeias, estes são forçados a acompanhar o movimento, sem desempenhar um papel de equilíbrio na união cada vez mais estreita das economias.
E mesmo quando, como na recente crise da dívida grega, os ministros das Finanças e chefes de Estado e de Governo da área do euro intervêm, “a própria estrutura dessas negociações entre Estados favorece a posição daqueles que, como ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, defendem o reforço das regras desta constituição económica supranacional criada pelos ‘independentes’ ao longo dos anos”, afirma Vauchez.
Quanto ao Parlamento Europeu, este devia, após as eleições europeias de 2014, desempenhar a sua função no debate democrático europeu. No entanto Vauchez acredita que este “perdeu muito durante a crise”, uma vez que “não tem qualquer representante na Troika [BCE, FMI e Comissão Europeia] e, ainda hoje, nenhum parlamentar participou na elaboração dos planos de austeridade, em particular no da Grécia”.
O recurso do primeiro-ministro grego Alexis Tsipras ao referendo sobre os planos de ajuda propostos pelo Eurogrupo é “uma forma de resposta à impossibilidade de fazer surgir uma divisão política transnacional em torno das políticas da União. “Desta forma”, estima o investigador francês, “ficámo-nos por uma lei económica bastante brutal, uma relação entre credores e devedores, entre os países do norte e do sul”. O facto de algumas pessoas terem acusado a consulta popular de ser uma “negação da democracia” “mostra até que ponto a votação não faz parte dos instrumentos dos compromissos políticos em Bruxelas”.
Se nenhum político europeu consegue sobressair neste contexto, é porque “as regras definidas pela Comissão ou pelo BCE paralisam qualquer vontade política. [...] Quando entram na cena europeia, os atores políticos são arrastados por linha vertiginosa do projeto europeu, que os leva a abandonar as suas prerrogativas em favor de instituições externas à cena política”. Existem formas de resistência a esta tendência, diz Vauchez, como o Tribunal Constitucional de Karlsruhe na Alemanha, o Podemos na Espanha ou o Syriza na Grécia. Mas o problema, sublinha, “é que essas expressões políticas são acusadas de não serem legítimas por não serem “europeias”, como se a legitimidade democrática nacional fossem anulada a nível europeu”.
De modo a corrigir esta lacuna, Vauchez propõe que o BCE e a Comissão tornem públicos os debates em que intervêm, organizando o que chama de “a expressão pública de desacordos e das discussões envolvidas”. A intervenção de atores externos, tais como partidos, representantes de sociedades civis, sindicatos com membros do conselho do BCE assegurariam a ligação com a sociedade.
Os instrumentos para garantir a proeminência da política sobre a economia existem, garante Vauchez, que afirma que “o Tratado de Lisboa prevê que os Parlamentos europeus possam unir-se para se opor a uma iniciativa da Comissão”, uma iniciativa que
foi utilizada em 2012 contra o projeto Monti-2 sobre a limitação do direito de greve. Uma coligação de Parlamentos nacionais ajudou a bloqueá-lo, mostrando que poderiam fazer frente à Comissão. Mas, para que possa existir uma política transnacional, é necessário que os partidos nacionais reconheçam esta responsabilidade europeia.

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