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Europa brilha debaixo de um céu escuro

A vida na União Europeia parece ser melhor que em muitas outras zonas do mundo. Contudo, esse bem-estar está a ser prejudicado pela perda de confiança dos cidadãos nas suas instituições. Essa tendência será um dos principais desafios do próximo escrutínio europeu.

Publicado em 14 Outubro 2013 às 15:52

É interessante olhar para fotografias da Europa, tiradas durante a noite por um satélite. As manchas brancas e luminosas indicam abertamente as zonas mais desenvolvidas – o Benelux, a região de Paris, a bacia do Ruhr e o vale do Reno. A planície do Pó brilha igualmente, tal como Roma e os seus arredores e o Golfo de Nápoles. O Reino Unido, Madrid, Barcelona e a costa portuguesa apresentam-se banhados de luz. Na Europa Central, a mancha mais luminosa corresponde à Silésia e Praga, Budapeste, Varsóvia e Gdansk também são distinguíveis. Atenas e Belgrado cintilam. Ao longo do Bósforo e da Istambul das fábulas, avista-se um cordão de luz. Na Roménia, Bucareste – a zona mais iluminada – está ligada a Ploieşti e, mais adiante, um traço pálido rasga as trevas dos Cárpatos, até Braşov. Mais a Leste, há alguns pontos brancos (Kiev, Minsk), até Moscovo que surge como uma ilha branca na imensidade russa.

O Parlamento Europeu decidiu utilizar essa fotografia no cartaz das eleições do próximo ano, com o slogan “Agir. Reagir. Realizar”. Uma imagem vale mais que mil palavras. Na foto, as centenas de milhares de pontos luminosos quase desenham os contornos da União – mais iluminada, no conjunto, do que o Leste da Europa e a África do Norte. Apesar dos seus problemas, a UE continua a ser um lugar melhor que muitos outros nesta Terra: é o que parecem sugerir os criadores do cartaz. No entanto, visto de perto, o brilho europeu começa a esbater-se. A crise do euro, a austeridade – e os problemas sociais que dela resultam – e as dúvidas sobre a viabilidade do modelo social europeu prejudicaram a credibilidade de todas as instituições europeias. Na verdade, minaram a credibilidade do próprio projeto europeu.

União Europeia mais coesa?

Segundo o último Eurobarómetro, de julho de 2013, [[o número de europeus que perderam a confiança na União ultrapassa os 60%]]. É o dobro em relação a 2007, antes da eclosão da crise. Nas eleições europeias de junho de 2009, a taxa de participação foi de pouco mais de 43%, muito inferior às taxas de participação de 60% – 70% nas eleições nacionais nas democracias avançadas. Uma percentagem inferior à de 2009 poria seriamente em causa a legitimidade do Parlamento Europeu, que viu os seus poderes reforçados, como previsto no Tratado de Lisboa.

Pela primeira vez, os cidadãos da UE têm a possibilidade de escolher indirectamente, [ao votar um Parlamento que elegerá, por sua vez] a pessoa que ocupará o cargo de presidente da Comissão Europeia nos cinco anos seguintes. O Conselho Europeu proporá um candidato para essa função, tendo em conta os resultados das eleições para o Parlamento Europeu. Essa proposta será depois submetida à aprovação do Parlamento. Deste modo, os candidatos à presidência da Comissão terão de procurar apoios no interior dos Estados-membros, à semelhança do que acontece com os dirigentes políticos locais, nas eleições nacionais. Esse facto deverá estimular o debate e colocar as questões europeias mais perto dos cidadãos.

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Mas o Parlamento Europeu já esteve envolvido em decisões cruciais para os cidadãos da UE: a contenção das derrapagens orçamentais, a resposta à crise da dívida soberana, a rutura da relação entre esta última e a dívida pública. Para já não falar do papel fundamental que o Parlamento Europeu conquistou na aprovação do orçamento. O Parlamento deu igualmente a sua luz verde à nova Política Agrícola Comum e à futura governação do espaço Schengen.

Ao longo das últimas décadas, as instituições europeias reagiram a alguns desafios de natureza política, como os deslizes de certos Estados-membros em matéria de normas da democracia e do Estado de direito. À frente dos Estados que cometeram deslizes estão a Hungria e a Roménia, ainda que só a primeira tenha sido alvo de uma resolução do Parlamento Europeu. O grande desafio para o futuro mandato dependerá da direção que o Parlamento imprimir à UE do período pós-crise. Iremos ter uma União Europeia mais coesa, mais próxima do modelo dos Estados Unidos da Europa? Iremos ter uma União de Estados mais ou menos integrados? Ou iremos assistir à dissolução da União? O desafio é imenso e vivemos tempos conturbados.

Propaganda eloquente

Na realidade, o extremismo está a ganhar terreno – e não apenas através da chegada ao poder de formações “marginais”. [[Os próprios partidos tradicionais utilizam a linguagem dos extremistas]], numa tentativa desesperada de travar a fuga de votos. Alguns alcançam esse objetivo, em certa medida, e outros não. Contudo, uma coisa é certa: as eleições nacionais são ganhas mais fazendo campanha contra a UE do que a favor dela.

Na Áustria, a “grande coligação” entre socialistas e democratas-cristãos obteve uma maioria frágil após as eleições. Mas o Partido da Liberdade (FPÖ), fundado por Jörg Haider, foi o único a sair reforçado (21,4% - mais 4% que nas eleições de 2008). E estamos a falar da Áustria, o país que se orgulha de ter a taxa de desemprego mais baixa da UE e de estar a atravessar a crise sem demasiados danos, graças precisamente… ao alargamento da UE!

O que dizer da Grécia? Neste país, o crime político saiu à rua e a detenção dos dirigentes do Alvorada Dourada apenas veio fazer subir a “cotação” dessa formação neofascista. Em França, o lançamento da campanha para as eleições municipais de março próximo provou que tanto o partido de centro-direita UMP como o Partido Socialista irão “pescar” em grande escala ao arsenal propagandístico da Frente Nacional.

As manchas luminosas visíveis no cartaz de propaganda das eleições europeias são eloquentes, mas a verdadeira questão reside em saber se as manchas sombrias das realidades políticas irão ou não obscurecer a mensagem dessas manchas brilhantes.

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