Gémeos siameses ou irmãos inimigos?

Não há nada de mais parecido com um dinamarquês do que um sueco, pode pensar-se. Mas apesar de os dois países estarem economicamente cada vez mais integrados, os seus povos preferem estar de costas voltadas um para o outro, lamenta um jornalista dinamarquês residente em Estocolmo, num artigo publicado em ambos os países.

Publicado em 18 Outubro 2013 às 16:26

“Sabe que, na Suécia, tudo o que não é proibido é obrigatório?” Há anos que esta piada circula nos bastidores políticos dinamarqueses. Claro que todos sabem que não é verdade, mas continua a fazer rir muita gente. Faz parte das nossas brincadeiras habituais com os vizinhos.

Visto do resto do mundo, Suécia e Dinamarca parecem-se como duas gotas de água, tanto em legislação como na vida associativa e na cultura. O espicaçar de trivialidades e o sarcasmo sobre peculiaridades do vizinho contribuem, aqui como noutras partes do mundo, para o reforço de uma identidade nacional, com consequências simultaneamente positivas e negativas.

Mas, nos últimos dez anos, parece que essa atitude amigável entre a Suécia e a Dinamarca deu lugar a verdadeiros antagonismos e até, por vezes, a um clima francamente acintoso no debate público. “Na Dinamarca, pode-se magoar as pessoas em nome da liberdade de expressão”, ouve-se na Suécia; já na Dinamarca, o sueco é descrito como rígido, prisioneiro do politicamente correto, “não se atrevendo a chamar os bois pelos nomes” no debate sobre a imigração.

Repare-se nas generalizações, regra número um de qualquer bom preconceito. Coloca-se o povo sueco contra o povo dinamarquês. As diferenças no interior de cada conjunto não existem, no mundo dos estereótipos.

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Querelas políticas

Na minha qualidade de cidadão dinamarquês instalado em Estocolmo desde o final da década de 1990, acompanhei esta evolução com crescente preocupação. Numa altura em que os elos entre as empresas nórdicas se reforçam rapidamente e que o apoio da opinião pública a estas aproximações se revela muito forte, os dirigentes políticos e os meios de comunicação de ambos os lados do Oresund enveredam por uma infeliz campanha, que utiliza o outro país como bode expiatório.

A minha teoria é que as advertências para “a situação na Suécia” ou “a situação na Dinamarca” servem, antes de mais, querelas políticas internas. [[Hoje, pode-se argumentar qualquer coisa sobre o país vizinho, porque é um debate sobre o outro e não com o outro]]. Em ambos os países, o debate político desenvolve-se, em primeiro lugar, dentro do quadro nacional e o conhecimento da vida e debates políticos do vizinho é espantosamente limitado.

Vejamos uma das áreas onde os debates sueco e dinamarquês são, indubitavelmente, mais divergentes e onde as falsas verdades, os mitos e os preconceitos são mais comuns, ou seja, a imigração.

Até recentemente, o debate sobre a imigração e a integração (os seus fracassos) ocupava um lugar bastante mais significativo na política dinamarquesa que na sueca, e a Dinamarca endureceu posições sobre o assunto. Um paradoxo, se considerarmos que é a Suécia que recebe maior número de imigrantes. E enquanto 10% dos dinamarqueses nasceram, eles próprios ou ambos os pais, no estrangeiro, na mesma situação se encontram 15% dos suecos.

“Bater na Suécia”

“Bater na Suécia” tem sido, desde há muito, a obsessão do Partido Popular dinamarquês [populista]. No entanto, durante as eleições suecas de 2010, ouvimos o dinamarquês Michael Aastrup Jensen, porta-voz dos Assuntos Externos do Partido Liberal Venstre, evocar na comunicação social a “censura” sueca – e propor o envio de observadores internacionais para fazerem o acompanhamento das eleições na Suécia. Foi a primeira vez que um representante de um partido no poder teceu este tipo de comentários sobre o vizinho.

Na raiz da questão estava a decisão [do canal privado sueco] TV4 de não emitir um controverso tempo de antena dos Democratas da Suécia [de extrema-direita], onde aparecem mulheres de burca a passarem à frente de dois aposentados de andarilho para receberem apoio social antes deles. O filme foi para o ar no serviço público dinamarquês (DR2) e o primeiro-secretário dos Democratas da Suécia, Jimmie Åkesson, teve direito a cinco minutos de tempo de antena, ininterruptos (e de uma banalidade eloquente). As críticas dinamarquesas dirigiam-se também contra o sistema eleitoral sueco. Algumas seriam fundamentadas, mas a maioria dessas críticas reflete falta de conhecimento sobre o assunto.

Não esqueçamos, porém, que os dois países estão a sentir os mesmos problemas de integração dos estrangeiros. Parece haver pouca dúvida de que é muito mais difícil ser imigrante em sociedades nórdicas – até agora, bastante homogéneas – do que no Reino Unido ou nos Estados Unidos, por exemplo.

À beira de uma renovação

[[A principal diferença entre os debates sobre imigração nos dois países é, sem dúvida, política]]. Se, a nível europeu, os partidos xenófobos e hostis à imigração vão de vento em popa, isso deve-se principalmente ao facto de os partidos conservadores e liberais terem aceite o apoio desses partidos, como na Dinamarca, acolhendo-os por vezes nos seus governos, a fim de garantir uma maioria parlamentar, como na Áustria, na Holanda, e agora na Noruega.

Na Suécia, após a eleição de 2010, o Governo de Fredrik Reinfeldt (de direita) preferiu virar as costas à extrema-direita, ficando a dirigir um Governo minoritário, com todos os problemas que isso acarreta. A eleição de setembro de 2014 dirá se esta estratégia se aguenta.

A Europa do Norte está, sem dúvida, à beira de uma renovação. Tudo indica que estão reunidas as condições para uma maior cooperação entre os países escandinavos, nórdicos e bálticos. Seria lastimável deixar que mitos e estereótipos se intrometam no caminho.

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