Julian Assange pode dar bom nome à UE

A perseguição ao cofundador do WikiLeaks, refugiado na embaixada do Equador em Londres, terá pelo menos o mérito de mostrar que o mandado de captura europeu, com base no qual as autoridades britânicas querem detê-lo, funciona, parece lamentar um cronista do muito eurocético Daily Telegraph.

Publicado em 22 Agosto 2012 às 11:24

A coisa mais irritante de Julian Assange (sim, eu sei, a lista é longa) talvez seja o facto de este poder vir a dar bom-nome ao Mandado de Captura Europeu(MCE). Pode ser que a memória me falhe, mas não me lembro de os apoiantes de Assange terem criticado o sistema de extradição acelerado da UE, quando este foi debatido, há 10 anos. O que não é de espantar, uma vez que a maior parte deles pertencem ao tipo de pessoas que aplaudem entusiasticamente qualquer coisa que venha de Bruxelas. Sem dúvida que consideraram aqueles que se opunham à criação de um espaço judiciário comum na Europa como eurofóbos de vistas estreitas. Mas, afinal, talvez tivessem alguma razão.

A hipocrisia em torno de Assange prejudicou em muito a argumentação contra o MCE. Por entre todo o alarido e fúria acerca da "caça às bruxas" norte-americana e da intimidação pós-colonial britânica, devemos recordar a questão central: temos um homem que tenta evitar ser extraditado para enfrentar acusações sérias de crimes de natureza sexual. O mandado foi emitido pela Suécia em 2010 e, em fevereiro do ano passado, o Tribunal da Cidade de Westminster [Londres] ordenou a sua "entrega judicial". Os consultores jurídicos de Assange lançaram uma série de impugnações que chegaram até ao Supremo Tribunal.

Em especial, puseram em causa a validade do mandado, porque este foi emitido pelas autoridades de ação penal de Estocolmo e não por um juiz, como estipulado na Lei da Extradição de 2003. Outra alegação apresentada pelo lado de Assange é que este é acusado de atividades que podem não ser crime no Reino Unido. A legislação britânica costumava conceder ao indivíduo a proteção básica de não ser enviado para outra jurisdição por qualquer coisa que não fosse delito no Reino Unido. Chamava-se o princípio da dupla incriminação.

Quando o MCE foi instituído, este princípio deixou de ser aplicado a uma lista de 32 delitos. Contudo, no caso de Assange, as acusações constituem crime no Reino Unido. O mandado para a sua detenção especifica quatro alegados delitos: um de coação ilícita, dois de abuso sexual e um de violação.

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A falha mais básica do MCE reside no facto de ninguém ter poder para decidir se os suecos apresentaram provas evidentes que fundamentem a extradição. As audiências são consideradas uma formalidade, porque o sistema parte do princípio de que as ordens jurídicas de todos os países signatários contêm as mesmas garantias e refletem prioridades culturais comuns. No entanto, não é esse o caso, porque a maior parte das jurisdições continentais não preveem o habeas corpus; por isso, é possível ser detido durante meses ou anos, enquanto a investigação decorre até ser formulada a acusação.

No Reino Unido, isso não pode acontecer. Ao aplicar o MCE, o Governo anterior pôs de lado um valor fundamental da legislação britânica – uma coisa que o caso de Assange também expôs. Mas Assange não pôde testar se seria extraditado ao abrigo do antigo sistema. Os seus advogados deveriam apresentar um pedido de habeas corpus nesse mesmo sentido, logo que este se entregasse à polícia, como acabará por ter de fazer. Se o tribunal o recusar, veremos até que ponto as antigas garantias desapareceram.

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