É normal deixar-nos ditar pelas nossas emoções quando o tempo urge. Mas permitir que o medo nos controle pode ser ainda mais perigoso do que as pessoas que ameaçam o nosso estilo de vida e as nossas liberdades.
Após os ataques em Paris contra a equipa de redação do Charlie Hebdo e a comunidade judaica, houve muitas pessoas que cederam à tentação de levar a luta para o terrorismo, o controlo das fronteiras, a imigração clandestina e a integração das minorias étnicas e religiosas. O presidente francês François Hollande declarou guerra contra o Estado Islâmico (EI) desde o convés de um porta-aviões, apesar de o papel da organização no ataque contra o Charlie Hebdo ainda não ter sido provado; o chefe da oposição, Nicolas Sarkozy, solicitou a suspensão dos acordos de Schengen, apesar de todos os terroristas serem cidadãos franceses.
Agora que a situação já acalmou, chegou a hora de separar os problemas e de procurar soluções, a começar pela luta contra o terrorismo. Para travar os jihadistas, precisamos de mais fundos e de uma melhor coordenação entre os países europeus, bem como uma política estrangeira viável.
A nossa vizinhança, um espaço essencial para a nossa segurança e a nossa prosperidade, está a desagregar-se perante os nossos olhos. As nossas fronteiras, nomeadamente as do Mediterrâneo, estão a transformar-se em válvulas para o desespero de milhões de pessoas que fogem dos conflitos e da pobreza. Este fluxo não parece querer parar, e para o gerir, será necessário bem mais do que as atuais missões de resgate dos imigrantes.
No início do século, a política europeia estrangeira realizou importantes progressos, mas nestes últimos anos, estes não só pararam como regrediram. Chegou a altura de retomar a iniciativa e dotar, uma vez por todas, a União Europeia com uma força militar que possa impedir os conflitos e contribuir para os resolver. A política estrangeira europeia deve basear-se em três pilares: à diplomacia e à defesa deve acrescentar-se uma política de colaboração e de desenvolvimento dirigida aos países vizinhos e que disponha de recursos suficientes.
Também necessitamos urgentemente de uma política de asilo digna deste nome e de meios para reagir com eficácia à situação urgente das nossas fronteiras. Segundo a agência europeia Frontex, em 2014, 270 mil pessoas tentaram entrar ilegalmente na União Europeia. Tendo em conta o que se passou com três milhões de refugiados sírios, é fácil imaginar o que aconteceria se a Ucrânia se enterrasse ainda mais na crise e se grande parte dos seus 43 milhões de habitantes decidisse procurar refúgio na Europa.
Se não estabilizarmos a nossa área circundante, seremos obrigados a levantar muros ainda mais altos, com centenas de milhares de imigrantes irregulares e de refugiados políticos a vaguear pelo território europeu sem qualquer perspetiva de regressar aos seus países. Ainda que pareça contraditório, no dia em que tivermos uma força da paz europeia, juízes, polícias, diplomatas e cooperantes nos países vizinhos – desde a Ucrânia à Tunísia, passando pela Líbia e a Cisjordânia – poderemos dizer que as coisas estão a melhorar.
Esta tarefa difícil requere mais Europa, não menos, mas sobretudo um compromisso forte por parte dos dirigentes europeus. A União não desfruta de uma grande popularidade nos dias de hoje e pode ser por isso que os responsáveis políticos não estão dispostos a admitir perante a opinião pública que os problemas que enfrentamos não se podem resolver a nível nacional.
Já ninguém defende o tema da integração europeia como instrumento de paz, de segurança e de prosperidade, enquanto o regresso à soberania nacional e a oposição à liberdade de movimento se tornaram a plataforma comum dos xenófobos.
Por motivos económicos e demográficos, mas também para defender os seus princípios e os seus valores, a Europa precisa de uma revisão completa das suas políticas migratórias. As fronteiras europeias devem ser porosas e flexíveis e, ao mesmo tempo, seguras, para encorajar os fluxos migratórios que podem trazer benefícios e desencorajar os que nos ameaçam. Além disso, devemos criar condições para que os refugiados que tenham meios possam regressar ao seu país de origem e contribuir para o seu desenvolvimento. Pelo contrário, quando as fronteiras se fecham hermeticamente, as pessoas ficam presas dos dois lados e os fluxos migratórios caem nas mãos das redes de tráfico.
O último setor onde a Europa se deve mostrar inflexível é no da liberdade de circulação. Para sobreviver como projeto político e civil, deve defender esta liberdade, pois sem ela, será apenas uma zona de comércio livre. Se cedermos neste ponto, a Europa deixará de ter sentido. Mas trata-se de um debate interno, que não tem qualquer ligação ao terrorismo. Se não conseguirmos separar estes debates, não progrediremos em nenhum deles.