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Funcionários da União Europeia num campo da Al Jazeera em Mogadíscio, construído pela missão União Africana na Somália com apoio financeiro da UE.

O Velho Continente serve perfeitamente, obrigado (1/2)

Os pessimistas de todo o mundo dizem que a União Europeia está condenada devido a falhas estruturais e à crise económica. Mas são vários os setores onde a União consegue fazer frente a potências mundiais como os Estados Unidos ou a China, afirmam Mark Leonard e Hans Kundnami.

Publicado em 10 Maio 2013 às 14:30
Funcionários da União Europeia num campo da Al Jazeera em Mogadíscio, construído pela missão União Africana na Somália com apoio financeiro da UE.

“A Europa passou à história”

Não. Hoje em dia, muitos falam da Europa como se já não tivesse qualquer relevância. Com o seu fraco crescimento, a omnipresença da sua crise e a complexidade envolvida nas suas tomadas de decisões, a Europa tornou-se claramente um alvo fácil para os detratores. E o desenvolvimento económico de países como o Brasil e a China nos últimos anos levou muitas pessoas a acreditar que o Velho Mundo estava destinado a cair no esquecimento. Mas os declinólogos deveriam relembrar-se de alguns factos persistentes. Além de a Europa ser uma das maiores economias a nível mundial, tem também o segundo maior orçamento da defesa a seguir aos Estados Unidos, tendo mais de 66 mil militares destacados por todo o mundo e cerca de 57 mil diplomatas (a Índia conta aproximadamente com 600). O PIB per capita da UE em termos de poder de compra é cerca de quatro vezes superior ao da China, três vezes mais elevado do que do Brasil e quase 9 vezes mais do que o da Índia. Se isto é sinónimo de declínio, nem quero imaginar o que seria feito destas potências em ascensão noutras circunstâncias.
O poder não se baseia apenas nos recursos que um país possui, mas na forma como estes são convertidos para produzirem resultados. Aqui a Europa também se destaca claramente: de facto, à exceção dos Estados Unidos mais nenhum outro país teve o mesmo impacto no mundo do que a Europa nos últimos 20 anos. Desde o fim da Guerra Fria, a UE cresceu de forma pacífica, acolhendo mais 15 novos Estados-membros e transformando drasticamente as regiões vizinhas ao reduzir os conflitos étnicos, ao exportar o Estado de direito e ao desenvolver economias desde os Estados Bálticos até aos Balcãs. O crescimento da China, por outro lado, tem vindo a suscitar medo e movimentos de resistência em toda a Ásia.
É verdade que a UE se encontra atualmente perante uma crise existencial. Mas apesar de estar em apuros, consegue contribuir mais do que outras potências na resolução de conflitos regionais e problemas globais. Quando a Primavera Árabe rebentou em 2011, a UE, que estava alegadamente em crise, angariou mais fundos para ajudar a democracia no Egito e na Tunísia do que os Estados Unidos. Quando o antigo chefe de Estado líbio Muammar Khadafi esteve prestes a realizar um massacre em Bengasi, foi a França e o Reino Unido que lidaram com a situação. Este ano, a França interveio para impedir a invasão do sul do Mali pelos jihadistas e os traficantes de droga. Os europeus não fizeram muito para travar o conflito na Síria, mas o mesmo se pode dizer dos outros países.
Por um lado, é verdade que a Europa está a sofrer um declínio inexorável. Durante quatro séculos, a Europa foi a potência dominante nas relações internacionais. Era portanto inevitável – e desejável – que outros atores viessem progressivamente reduzir o fosso que os separava, tanto a nível económico como em termos de poder. Desde a Segunda Guerra Mundial, esse processo acelerou-se. Mas os europeus beneficiaram disso: ao longo da sua interdependência económica das potências em ascensão, incluindo as da Ásia, o PIB dos países europeus nunca parou de crescer e a sua qualidade de vida melhorou. Por outras palavras, tal como os Estados Unidos – e ao contrário, por exemplo, da Rússia na fronteira oriental do Continente – a Europa está em declínio, mas não está condenada.

“A zona euro está numa situação financeira desastrosa”

Não está totalmente certo. Muitos descrevem a zona euro, os 17 países que aderiram ao euro, como uma catástrofe económica. No entanto, de um ponto de vista geral, tem menos dívidas e é mais competitiva do que muitos outros países. Por exemplo, o Fundo Monetário Internacional prevê que o défice dos Governos de 2013 da zona euro, expresso como percentagem do PIB, atingirá os 2,6% - aproximadamente um terço do dos Estados Unidos. A dívida pública bruta (em percentagem do PIB) equivale quase à dos Estados Unidos e é bem inferior à do Japão.
A principal diferença entre a zona euro e os Estados Unidos ou o Japão é o facto de esta sofrer de desequilíbrios internos (mas não é um país), e de ter uma moeda única, sem no entanto, ter um Tesouro Comum Europeu. Portanto, os mercados financeiros consultam os países com os piores dados – como a Grécia e a Itália – em vez de valores agregados. Sobretudo, a crise do euro é mais um problema político do que económico.

“Os europeus vêm de Vénus”

É pouco provável. Em 2002, o autor norte-americano Robert Kagan escreveu: “os americanos vêm de Marte e os europeus de Vénus”. Em 2010, Robert Gates, antigo secretário da Defesa norte-americano, alertou para a “desmilitarização” da Europa. Mas, além das forças militares europeias serem uma das mais poderosas do mundo – esta avaliação também subestima uma das maiores proezas da civilização humana: um continente, que outrora gerou um dos maiores conflitos na história, decidiu tornar-se pacífico. Além disso, na Europa existem diversas posições em relação ao uso e abuso da força militar. Os países mais favoráveis, como a Polónia e o Reino Unido, são mais próximos dos Estados Unidos do que da Alemanha. E ao contrário das potências em ascensão, como a China, que defende o princípio
de não-ingerência, os europeus não deixam de estar preparados para intervir no estrangeiro. Basta perguntar aos habitantes da cidade de Gao, ocupada durante cerca de um ano por islamitas extremistas até as tropas francesas os expulsarem, se consideram os europeus pacifistas tímidos.
Pela mesma altura, os Estados Unidos retiraram-se das guerras no Afeganistão e no Iraque para se focarem “na construção da sua nação”, uma atitude particularmente digna de um vesuviano.
Segundo o Transatlantic Trends, um inquérito preliminar publicado pelo German Marshall Fund, apenas 49 por cento dos americanos considera que a intervenção na Líbia era o mais acertado, comparado com 48 por cento dos europeus. Há quase tantos americanos (68%) como europeus (75%) a querer a retirada das tropas do Afeganistão.
Muitas das críticas americanas à Europa apontam para os baixos níveis de despesas militares do continente. Na verdade, segundo o Instituto Internacional de Pesquisas da Paz de Estocolmo, os europeus reuniram juntos 20% dos gastos militares mundiais em 2011, em comparação aos oito por cento da China, quatro por cento da Rússia e menos de três por cento da Índia.

Leia a segunda parte

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