"Continua a mentir, sem vergonha nem arrependimento", diz o Daily Mail. "Grande manipulador", adianta Simon Hoggart, no Guardian. Um "propagandista psicótico", afirma Matthew Norman, no Independent. Estes são apenas alguns dos epítetos utilizados pela imprensa britânica para qualificar Alastair Campbell, o antigo director de comunicações de Tony Blair, que, em 12 de Janeiro, depôs perante a comissão de inquérito presidida por John Chilcot, que investiga a participação do Reino Unido na invasão do Iraque, liderada pelos EUA, em 2003. "É, mais uma vez, o centro das atenções e está encantado com isso", escreve o Daily Telegraph. "Alastair Campbell apresentou uma defesa já bem conhecida da decisão de Tony Blair de levar o país a entrar na guerra." A saber: "Tony Blair agiu sempre de boa fé e com base em informação convincente dos serviços secretos".
Mas o que há de verdade na informação convincente dos serviços secretos a que se refere Campbell? Conforme recorda Ibrahim al-Marashi, no Times, boa parte da "tentativa de manipular a opinião pública britânica" teve origem num artigo por si publicado na Middle East Review of International Affairs. O Governo britânico "agarrou no meu material, acrescentou páginas a defender uma acção militar contra o Iraque e alterou palavras-chave, para insinuar que o Iraque tinha apoiado a Al-Qaeda". No relatório, agora conhecido como "Sexed-up Dossier" [dossier apimentado], que afirmava que "Saddam Hussein representava uma ameaça [em termos de] WDM (armas de destruição maciça)", Campbell acrescentou por quatro vezes que as WDM não existentes de Saddam poderiam atingir território britânico em Chipre, em 45 minutos. Conforme recorda Simon Hoggart, esta afirmação deu origem a títulos de jornais como "Britânicos a 45 minutos da morte".
Via diplomática abandonada à pressa
"Defendo todas as palavras do dossiê", afirmou ontem Campbell. "Defendo todas as etapas do processo." À luz de tais tácticas de obstrução, o Independent pergunta, perplexo, o que poderá o testemunho de Campbell revelar-nos, além do que já sabíamos. A resposta é: "Quase nada. Ficamos a saber um pouco mais sobre o que pensou e como reagiu Blair no período que antecedeu a invasão. Segundo Campbell, o primeiro-ministro enviou ao Presidente Bush cartas sobre a estratégia para o desarmamento do Iraque, que, no essencial, diziam o seguinte: ‘Se isso não puder ser feito pela via diplomática e tiver de ser feito pela via militar, a Grã-Bretanha vai participar’". "Campbell preparou o terreno para Tony Blair", comenta o diário de Londres, referindo-se à ansiosamente esperada comparecência do antigo primeiro-ministro perante a comissão de inquérito, no fim do mês.
Mas o primeiro dirigente europeu na linha de fogo é o primeiro-ministro holandês, Jan Peter Balkenende. Em 12 de Janeiro, um inquérito não-governamental (inquérito Davids) concluiu que o apoio político da Holanda à invasão – que incluiu a cedência de instalações logísticas e a permissão de escalas dos soldados americanos em aeroportos holandeses – era ilegal, porque as resoluções da ONU não o justificavam. Criticando severamente a "atitude mandona e, para sermos mais exactos, obstinada do ministro dos Negócios Estrangeiros", o NRC Handelsblad refere que o relatório critica também duramente Balkenende, que o acusa de falta de liderança, de ter confiado na informação dos serviços secretos britânicos sobre as armas de destruição maciça e de, na época, ter informado deficientemente a Assembleia Nacional, em especial no que se referia a essas armas. Escreve aquele diáriode Roterdão que Balkenende mergulhou numa "tempestade política" e "deveria ter perguntado a si mesmo se a sua posição seria sustentável". Contudo, para o NRC Handelsblad uma "conclusão positiva para Balkenende" é "a confirmação de que a Holanda não teve um papel militar e de que Jaap De Hoop Scheffer [na altura ministro dos Negócios Estrangeiros] não ficou a dever a sua nomeação para o cargo de Secretário-Geral da NATO a (esse) apoio".
**Balkenende, culpado de "falta de reflexão"**
Tal como outros intervenientes internacionais no caso, grandes e pequenos, o primeiro-ministro holandês segue as pisadas de Campbell, apesar da discrepância entre as razões por trás da invasão e a terrível realidade desta. Para o Trouw, tradicionalmente próximo do Partido Cristão Democrata do primeiro-ministro, ao optar por "ignorar" tudo quanto o inquérito lhe possa apontar, Balkenende deve ser louvado pela sua "combatividade" mas é igualmente culpado de "falta de reflexão". "Ontem, Balkenende disse que os argumentos de legalidade não eram os únicos na altura. A política internacional também tinha de ser levada em conta", escreve este diário de Amesterdão. Infelizmente, esta afirmação "seria mais credível, se ele e De Hoop Scheffer não tivessem defendido continuamente esse apoio, evocando aspectos legais".