Leo esperou 17 longos anos para regressar à cidade destruída pela guerra. Para escapar aos combates, fugiu para Split, onde a vida era mais fácil. “Eu nasci aqui”, diz, encolhendo os ombros. “Reconheço as pessoas na rua, mas elas mudaram. Tornámo-nos estranhos uns para os outros”, comenta Leo, contando que tinha esperado regressar depois da guerra e encontrar as mesmas ruas, onde, de manhã, os vizinhos se cumprimentavam calorosamente e trocavam algumas palavras.
Em vez disso, deparou com um muro de silêncio e de desconfiança. Durante a guerra na ex-Jugoslávia, Vukovar sofreu um terrível cerco de três meses. Uma experiência que ainda se sente hoje, nas ruas. Continua a reinar tensão entre habitantes croatas e sérvios. E, para Leo, as mudanças na cidade são apenas estéticas. Porque, apesar de a amizade ser realmente a melhor coisa do mundo, impô-la a partir do topo não é assim tão simples.
Quando, em 1 de julho, a União Europeia acolheu a Croácia como o seu mais recente membro, essa realidade chegou a Vukovar por entre um enorme silêncio. [[Não houve ninguém nas ruas a agitar bandeiras e, no fim do concerto, a festa estava terminada]]. A Europa e Vukovar já tiveram um encontro marcado. Há 21 anos, durante a guerra, os habitantes desta cidade, situada na fronteira com a Sérvia, esperaram em vão que os europeus os ajudassem. Mas a UE nascente não foi suficientemente forte para enfrentar os demónios dos Balcãs. A cidade foi quase totalmente destruída, quando do cerco pelos sérvios. Com o regresso da bandeira das estrelas amarelas ao local do crime, iniciou-se a contagem decrescente para uma nova tentativa.
À primeira vista, Vukovar é uma pequena cidade absolutamente normal, com apenas 30 mil habitantes. Quem por ela passeie só esbarra com o passado de vez em quando. Através da presença de um edifício totalmente destruído, no meio de uma praça. Ou ao descobrir, entre as novas construções, a torre da mãe de água danificada pelos disparos de granadas, conservada como memorial.
A batalha dos números
Muitos croatas só puderam regressar a Vukovar em 1998, uma vez que, até lá, a cidade esteve sob administração sérvia. Os diferendos sobre a cidade, para saber a quem pertence, continuam ainda hoje. A última batalha diz respeito aos letreiros bilingues. Nos termos da lei croata sobre as minorias, os sérvios têm direito a painéis redigidos em cirílico, porque representam mais de 30% da população da cidade.
Esta regra revolta os veteranos da guerra, que argumentam que os dados do recenseamento são falsos e que a percentagem de sérvios residentes em Vukovar é de apenas 20%. “[[Eles ainda estão ressentidos contra o nosso território. Limitaram-se a suavizar os métodos de combate]]”, declara, indignado, Zdravko Komšić, antigo defensor da cidade.
Mirjana Semenić-Rutko é igualmente da opinião que o número de sérvios residentes em Vukovar é inferior ao referido nas estatísticas oficiais. Durante a guerra, Mirjana, hoje dona de um consultório de ginecologia, trabalhou num hospital local. Presentemente, é membro do partido nacionalista União Democrática da Croácia (HDZ). “Quando perdemos alguém na guerra, a dor não dura apenas alguns dias. Passa a ser parte de nós. Não fomos nós, em Vukovar, quem disparou e matou pessoas.” Recordamos-lhe que os croatas também mataram. Mirjana admite que, “em nenhuma guerra, existe um campo que não cometa crimes”. Em seu entender, a diferença reside no facto de os croatas terem reconhecido os seus. “Os sérvios deviam fazer o mesmo”, declara, com veemência, esta médica.
Mas as reivindicações dos sérvios são outras. “Só pedimos aquilo a que temos direito e que está na lei”, afirma Dušan Latas, a propósito do conflito em torno das placas. Dušan Latas é o representante dos sérvios da aldeia de Borovo, situada nas proximidades de Vukovar. No entanto, as manifestações violentas preocupam-no. “Tenho medo dos ajuntamentos em que as pessoas usam uniformes e agitam bandeiras militares”, explica. “Mas não são as pessoas daqui que os organizam. Temos boas relações”, diz, esforçando-se por nos convencer.
Enfrentar o passado
O estabelecimento local de ensino pré-escolar ilustra as excelentes relações entre os sérvios e os croatas em Vukovar. A escola tem duas entradas por ruas diferentes. As crianças sérvias entram por uma e as crianças croatas pela outra. Dentro do edifício, os descendentes das duas comunidades dispõem de salas de aula próprias. Sérvios e croatas só partilham o recreio. E, embora não haja uma barreira a separá-los, nem por isso é possível atravessar a fronteira. “No pátio de recreio, os materiais estão divididos entre as crianças sérvias e as crianças croatas. As educadoras cuidam de que essa ordem seja respeitada, porque não gostam que as crianças se misturem”, conta Andreja Magoć, psicóloga na escola primária.
Apesar disso, ninguém deseja ter de passar outra vez por uma guerra. “Somos pessoas normais e desejamos viver como se vive nos outros lados”, afirma o médico Semenić-Rutko. “Mas não devemos esquecer o que se passou e os nossos filhos devem poder viver em paz.”
[[Nesse aspeto, a conclusão dos processos por crimes de guerra poderia ser um bom começo]]. E, nessa ocasião, a União Europeia poderá dar uma grande ajuda. Ao exercer pressão sobre a Croácia antes da adesão, a UE obrigou este país a enfrentar o passado e os seus crimes de guerra. Para Vukovar, o julgamento de Vojislav Šešelj continua a ser o mais importante: foi ele quem criou as unidades paramilitares que destruíram a cidade e assassinaram os seus habitantes.
“É preciso iniciar um trabalho de reflexão histórica, dos dois lados. Aquilo que aconteceu realmente está encoberto por uma mitologia considerável”, argumenta Filip Tesař, especialista checo nos Balcãs. Tesař considera que, ao encerrarem pelo menos simbolicamente um capítulo do passado, os julgamentos poderiam abrir caminho para um diálogo indispensável. O psicólogo Charles David Tauber, cuja investigação incide sobre os traumatismos resultantes da guerra em Vukovar, é da mesma opinião. Segundo ele, os habitantes organizam a sua narrativa do que se passou, a partir daquilo que viram. “Em seguida, transmitem os seus próprios traumatismos e a sua visão pessoal daquilo que aconteceu à família, à comunidade e às gerações seguintes.”
A UE terá, por conseguinte, de fazer face a estas experiência de guerra, em Vukovar, como noutros locais, que entram hoje na Europa ao mesmo tempo que os habitantes dos Balcãs, considera Tauber. “Ao promover a reconciliação entre a Sérvia e a Croácia, o projeto de unificação europeia poderá constituir, para os Balcãs, um feito com um alcance simbólico tão importante como representou, para a Europa Ocidental, a reconciliação entre franceses e alemães”, conclui Tesař. “Se for conseguido, isso será um sinal sólido para os outros países da região.”