José Manuel Barroso quer suceder a si próprio como Presidente da Comissão Europeia.
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Barroso quer ficar na Europa

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Amanhã e depois reunem-se em Bruxelas os dirigentes europeus. Sem suscitar grande entusiasmo entre os seus tradicionais apoiantes conservadores e sem ter de enfrentar um candidato social-democrata, Durão Barroso parece preparado para conquistar, em 18 de Junho, um segundo mandato como presidente da Comissão Europeia. Uma vergonha, escreve David Cronin no Guardian.

Publicado em 17 Junho 2009
José Manuel Barroso quer suceder a si próprio como Presidente da Comissão Europeia.

No decorrer das próximas semanas, o verdadeiro tema de conversa nos círculos políticos de Bruxelas deverá ser apenas um: empregos. Esta tagarelice pouco terá a ver com a triste litania dos despedimentos que se encontra facilmente nos boletins noticiosos do mundo exterior. Girará, antes, em torno de quais os cargos que os membros de um grupo arrogante de homens (e uma ou duas mulheres), amorfos e que auferem salários excessivos, conseguirão conquistar.

As especulações sobre o destino de José Manuel Barroso, que anunciou oficialmente a sua intenção de concorrer a um segundo mandato como presidente da Comissão Europeia, irão sem dúvida deixar sem fôlego algumas gargantas. Barroso sublinhou que a sua recondução depende da aprovação dos Governos da UE e dos deputados europeus mas eu ficaria surpreendido se ele viesse a deparar com uma resistência suficiente para frustrar as suas ambições. E isso é uma vergonha.

Os apoiantes de Barroso sugerem que ele conta com luzes verdes diversificadas, porque é filiado num partido de centro-direita e, nas eleições do passado fim-de-semana, o centro-direita conquistou a maioria dos assentos do Parlamento Europeu. No entanto, nenhum dos votantes dos 27 países viu o nome de Barroso no boletim de voto. E também não tenho ideia que algum dos candidatos tenha dito que devíamos votar nele ou nela para ajudar a manter Barroso no cargo.

Longe de gozar da aprovação dos eleitores, Barroso foi derrotado no reduzido número de casos em que os cidadãos da UE tiveram uma palavra a dizer sobre as suas políticas. Depois de a Constituição europeia que ele apadrinhava ter sido recusada em França e nos Países Baixos, em 2005, Barroso conspirou com alguns chefes de Governo para a apresentar com novas roupagens como Tratado de Lisboa. Há quase exactamente um ano, este foi rejeitado na Irlanda, o único país que submeteu o Tratado a um referendo, mas Barroso recusou-se a aceitar o «não» irlandês e insistiu em que a consulta fosse repetida.

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O desrespeito pela democracia que ele incarna é uma razão de peso pela qual Barroso deveria levar um chuto sem mais cerimónias, apesar de haver muitas outras. Numa altura em que é necessária uma mistura de abnegação e criatividade para fazer face à crise económica mundial e aos graves problemas ecológicos, Barroso recorreu a homens que representam uma ortodoxia desacreditada e uma ganância insaciável. Para o ajudar a enfrentar a crise financeira, procurou os conselhos de Callum McCarthy, o antigo presidente da Financial Services Authority [autoridade dos serviços financeiros] da Grã-Bretanha, que, ainda em 2007, considerava os apelos a uma maior vigilância sobre o sector bancário como uma «reacção exagerada e desatinada». Para o aconselhamento em matéria de alterações climáticas, Barroso recrutou Peter Sutherland, da BP, uma empresa que, em 2005, foi acusada de ter um dos 10 piores desempenhos ambientais a nível mundial.

Em vários casos, Barroso atribuiu às receitas das empresas uma prioridade mais elevada do que ao interesse público. Tentou abrir à concorrência a prestação de serviços essenciais, agiu em conluio com Peter Mandelson para levar países pobres a aceitar, pela via da intimidação, acordos de comércio livre desastrosos, promoveu alimentos geneticamente modificados e esforçou-se por permitir a entrada no mercado de milhares de substâncias químicas não submetidas a ensaios de saúde e segurança.

Há cinco anos, Barroso teve de abdicar da ideia de fazer de Rocco Buttiglione – amigo do defunto Papa João Paulo II – comissário europeu da Justiça, porque os deputados europeus se sentiam indignados pela aversão de Buttiglione pelos homossexuais. Em resposta, Barroso prometeu dar especial atenção aos direitos fundamentais mas a sua Comissão hesitou em propor novas leis contra a discriminação. No que se refere ao asilo e a à imigração, esta cumpriu uma agenda estabelecida pela extrema-direita, defendendo que aqueles a quem fosse recusado o asilo pudessem ser detidos por períodos até 18 meses.

Indo um pouco mais atrás, Barroso ainda não apresentou uma explicação convincente sobre o envolvimento de Portugal no programa de torturas da CIA (eufemisticamente conhecido como «extraordinary rendition» [capturas extraordinárias]), quando ele era primeiro-ministro. E os activistas anti-guerra nunca lhe perdoarão o facto de ter sido o anfitrião da cimeira dos Açores de 2003, na qual George Bush e Tony Blair deram os retoques finais no plano de uma invasão ilegal que inundou o Iraque de sangue de inocentes.

Nos comícios, os deputados europeus que acabaram de ser eleitos fizeram inúmeras promessas de defender nobremente os cidadãos da Europa. Caso estivessem a falar a sério, deverão passar a Barroso a guia de marcha.

CONTRAPONTO

Acima de tudo, um pragmático!

"Conversei várias vezes com José Manuel Barroso", escreve o bloguista o Konrad Niklewicz. "Com base nessas conversas, considero que a característica fundamental deste político é o pragmatismo. Não é um visionário, mas uma pessoa que altera os seus planos dependendo dos apoios que consegue arranjar. Quando vê que a maioria dos governos não o apoia – não insiste. Reconsidera. Neste sentido, o Durão Barroso nunca será um novo Delors, nem sequer um novo Jacques Santer – nunca irá expor a Comissão a confrontos políticos. No fundo, é um Presidente suficientemente bom numa altura em que, para todos os efeitos, os governos dos Estados-membros retiraram a Bruxelas o poder da UE".

"Sou reformista, não sou um revolucionário; sou centrista, não sou um fundamentalista liberal", disse Barroso de si próprio, segundo a Reuters. "Tem um fraquinho pelas luzes da ribalta. Sempre que um dos seus comissários se dispõe a revelar uma reforma favorável aos consumidores, e apoiada pelos governos nacionais, aparece imediatamente na conferência de imprensa. Mas quando a Comissão tem de anunciar decisões impopulares – os comissários raramente podem contar com a presença de Durão Barroso".

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