A Europa é a melhor oportunidade para o Egito

Numa altura em que a turbulência abala o Egito, a União Europeia acaba novamente de exibir a sua impotência. No entanto – por mais utópico que possa parecer hoje –, só a Europa tem capacidade para orientar o Egito na senda de uma política moderna.

Publicado em 21 Agosto 2013 às 15:48

Não há nenhum vídeo nem fotografia conhecida da visita de Lady Ashton a Mohamed Mursi [30 de julho], prisioneiro dos generais egípcios. No entanto, a Alta Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros, com a sua tentativa desesperada de mediação, causou forte impressão. Para conseguir ver Mursi e influenciar a sua posição, a representante de 570 milhões de europeus meteu-se num helicóptero, há três semanas, para destino desconhecido, e aceitou as condições do novo regime.

Agora, depois de a tragédia do Cairo não ter sido evitada, esta imagem ganha pleno efeito. Mostra uma mediadora bem-intencionada, mas fraca. Os ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia, reunidos a 21 de agosto, em Bruxelas, para uma reunião extraordinária, têm, portanto, não apenas de encontrar uma solução para a violência no Egito, mas também para essa imagem da sua própria impotência.

Os europeus repetem hoje no Egito a descoberta que fizeram há anos na Síria: não têm qualquer peso decisivo sobre o curso dos acontecimentos. Isto aplica-se à União como um todo e aos Estados-membros individualmente. Isoladamente ou em coletivo, os europeus têm-se mostrado incapazes de exercer pressão suficiente para persuadir, ainda que temporariamente, os chefes militares a recuarem no seu plano de erradicar a Irmandade Muçulmana do espectro político.

[[Mesmo que os ministros dos Negócios Estrangeiros não possam fazer nada por isso, para já, a reunião continua a ser importante]]. Primeiro, porque nada seria mais lamentável do que resignar-se à impotência, perante a carnificina em curso. Depois, porque a Europa – por mais utópico que pareça hoje – é a melhor oportunidade para o Egito, senão mesmo a única. Se pode ser substituída no papel de credora (pela Arábia Saudita, por exemplo), não tem substituto em termos de acompanhamento para um regime político moderno.

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Força não resulta nas crises do mundo árabe

Abalados pela crise do euro e chocados com a visão de um Médio Oriente a ferro e fogo, os europeus habituaram-se a perspetivar os acontecimentos de uma distância que só enfatiza as suas fraquezas. Por exemplo: uma representante dos Negócios Estrangeiros que se faz convidada furtivamente e sem ideias claras. Um novo Serviço Europeu para a Ação Externa dececionante para as expectativas. Governos nacionais que defendem os seus próprios interesses – umas vezes sem rebuço, como os britânicos e franceses, outras com excesso de zelo e precipitação, como a Alemanha, na pessoa do seu ministro dos Negócios Estrangeiros. Ao que deve acrescentar-se um peso militar inexistente.

Tudo isto é facto, mas pode ser colocado numa perspetiva mais abrangente. O exemplo norte-americano prova que, hoje, a força não resulta nada bem nas grandes crises do mundo árabe. Nem sendo colegial a política externa fica imunizada contra a desorientação – como evidenciou o secretário dos Negócios Estrangeiros dos Estados Unidos, John Kerry, quando caiu na tolice de justificar o golpe militar egípcio como emanando da vontade do povo. Atualmente, os únicos que mostram determinação são aqueles que não têm nenhum problema em relação à violência, desde que vá no sentido das relações de poder que lhes convêm na região (mais uma vez, os sauditas).

É a credibilidade que pode tornar a União Europeia eficaz – se se dotar realmente de meios para tal. E ela advém do facto de a Europa não perseguir interesses “nacionais”. O interesse europeu é muito mais negociável. No caso do Egito, a indignação legítima contra a tomada do poder pelo exército e a repressão sangrenta dos movimentos de protesto deve ser equilibrada com o desejo – também legítimo – de não deixar a situação tornar-se ainda mais caótica. Um desejo expresso sobretudo pelos países europeus banhados pelo Mediterrâneo. [[No pior dos casos, as divergências de pontos de vista conduzem a um bloqueio; na melhor das hipóteses, forçam a adotar uma posição justa e credível]].

Não tomar partido

Por enquanto, o mais razoável parece ser não tomar partido. Dados os erros cometidos por quase todos os protagonistas do Cairo, seria difícil escolher um dos lados. No entanto, isso não significa que devamos aceitar o regime despótico que se instalou no Egito, com o consentimento de pelo menos uma parte da população. A chanceler Angela Merkel e o ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Guido Westerwelle, assumiram a liderança nesta matéria, e com razão. Seria absurdo dar ao novo regime fundos que eram destinados, à partida, para instaurar uma democracia. Quando se constata que não servem senão para a importação de armas.

Perante a chocante visão de um desastre que não conseguimos evitar, a União Europeia não pode refugiar-se agora no puro pragmatismo. A credibilidade, em política externa, é uma qualidade rara, porque extremamente lenta a renovar-se. Sem ela, a União Europeia não vai conseguir nada no Egito.

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