Um imigrante somali lava-se num acampamento improvisado numa praia em Patras, na Grécia, a 11 de maio de 2009.

A outra crise grega

Para além de estar a ser atingida pela crise e por medidas de austeridade draconianas, a Grécia tem de enfrentar, com muito poucos meios, a chegada de milhares de imigrantes provenientes do Médio Oriente e do subcontinente indiano. E, também aqui, a solidariedade dos seus parceiros tarda a chegar.

Publicado em 19 Setembro 2012 às 12:44
Um imigrante somali lava-se num acampamento improvisado numa praia em Patras, na Grécia, a 11 de maio de 2009.

É início de tarde neste importante porto a 200 quilómetros de Atenas e dois oficiais da marinha grega patrulham as docas, cada um deles empunhando varas com espelhos na ponta para procurarem debaixo dos camiões. Até agora não encontraram nada.

De repente, três jovens irrompem por detrás de um enorme contentor e começam a descer uma doca. Os polícias começam uma perseguição, mas o drama acaba antes de começar. Num minuto, os três homens, mais rápidos e mais desesperados, escaparam para um complexo industrial em ruínas.

Os homens, diz um dos oficiais, são imigrantes ilegais, que aparentemente passaram a noite no cais à espera de se poderem esgueirar para um dos ferries com destino a Itália. Fazem parte de um dilúvio de trabalhadores ilegais que tentam chegar à Europa através da Grécia e escapulirem-se às autoridades é apenas parte do processo. “Dia sim, dia não, é a mesma história”, lamenta o oficial, tentando recuperar o fôlego.

O país tornou-se paulatinamente um trampolim para uma onda de trabalhadores do Médio Oriente e do Sul da Ásia que fogem de mercados de trabalho devastados por anos de crise governamental. Em 2011, um ano extraordinário por causa das revoltas no Norte de África, foram detetadas 140 980 pessoas a entrar ilegalmente na UE, um aumento de 35% em relação ao ano anterior, de acordo com a Frontex, a agência europeia de controlo das fronteiras. Destes, 40% entraram através da Grécia. Até julho deste ano, 23 mil pessoas foram apanhadas a atravessar a fronteira ilegalmente, cerca de 30% mais do que no último ano.

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O controlo de fronteira na Grécia não é um problema novo. Mas os problemas económicos do país e as restrições orçamentais estão a prejudicar muitos dos esforços para reduzir o fluxo de imigração ilegal. Nos últimos dois anos, esperando poder dar alguma ajuda, a Comissão Europeia – o órgão executivo da UE – começou a dotar a Grécia com 255 milhões de euros (331 milhões de dólares) para proteção das fronteiras. Mas isso é muito menos do que dá a alguns outros países com problemas de fronteiras menos graves. E seja como for, anos de enorme burocracia e agora as novas restrições à contratação pública na Grécia pararam alguns dos melhores planos. Segundo um relatório confidencial da União Europeia, o país contratou apenas onze funcionários para ajudar nos casos de processos de asilo, apesar de, no ano passado, ter tido financiamento para 700 contratações.

A isto se juntam as deploráveis condições de detenção em centros de imigração, segundo a opinião de funcionários da UE e de grupos de direitos humanos, e a crescente preocupação interna sobre o fluxo de chegadas de estrangeiros, e a Grécia vê-se a braços com mais uma crise de proporções olímpicas.

“A Grécia não é a Europa”

Em resposta, os funcionários do Governo dizem que estão a fazer o melhor que podem, nas difíceis circunstâncias em que estão. O novo ministro do Interior do país, Nikos Dendias, diz que a Grécia leva muito a sério a proteção das fronteiras, mas que a entrada de estrangeiros está a atingir proporções de crise. Chama à Grécia uma “zona tampão da Europa” que carrega “um fardo desproporcionado”.

A ministra do Interior austríaca Johanna Mikl-Leitner descreveu a fronteira greco-turca como “tão aberta como a porta de um celeiro”, e o seu Governo defende que a saída da Grécia do espaço Schengen deve continuar a ser uma opção. Alemanha, Finlândia e Holanda – os três Governos que tomaram a posição mais dura em relação a Atenas na crise do euro – têm também expressado repetidamente as suas preocupações sobre a fronteira grega. Os diplomatas dizem que é desejável fazer planos para reintroduzir os controlos de passaportes para os viajantes que chegam da Grécia, efetivamente isolando-a do resto da zona Schengen.

Grande parte do problema ocorre na fronteira nordeste da Grécia com a Turquia, uma linha de falha de 130 quilómetros dominada pelo rio Evros, que se tornou a mais porosa e politicamente poderosa fronteira da Europa. Mas portos como o de Patras tornaram-se uma porta de saída preferencial da Grécia para o resto da União Europeia para muitos imigrantes ilegais. A partir daqui, viajam através dos mares Jónico e Adriático para Itália, onde ficam ou de onde seguem para os outros países. No espaço Schengen, os viajantes não têm de mostrar a documentação, mas alguns países estão a levar a cabo cada vez mais verificações locais para apanharem os imigrantes ilegais quando estes cruzam fronteiras.

Aqui em Patras, o terceiro maior porto do país, a algumas centenas de metros dos ferries ancorados, o cheiro a urina seca sob o sol escaldante anuncia ilegais. Para lá das velhas linhas férreas, um caminho de terra leva a um complexo industrial abandonado. A fábrica Piraiki Patraiki, outrora um famoso fabricante de têxteis nacional, foi durante meses habitada por dezenas de imigrantes ilegais, segundo as autoridades fronteiriças. Eram cidadãos provenientes do Afeganistão e do Paquistão, mas também do Sudão, de Marrocos e da Somália, e alguns da Costa do Marfim. Recentemente expulsos pela polícia, cerca de 80 homens dormiam e comiam em salas em ruínas onde noutros tempos o algodão era tecido para exportação.

“A Grécia não é Europa. É Ásia, é África, não é a Europa”, disse Mohammed Ashar, de 23 anos, na fábrica abandonada. Originário de Marrocos, pagou 1500 euros (1950 dólares) a um contrabandista curdo na Turquia para atravessar o rio Evros, mas foi detido do lado grego da fronteira e levado para Fylakio, um centro de detenção próximo. Ali, foram-lhe tiradas as impressões digitais e ficou registado no banco de dados de fronteiras da UE. No papel, a sua data de nascimento: Dia de Ano Novo de 1989. Como a maioria das pessoas que entram na Grécia, não sabe o seu aniversário, e como tantos outros fica registado com a data de 1 de janeiro.

Um único escritório central de processamento

O documento também exige que o senhor Ashar volte para casa dentro de um mês – realçando outro desafio da imigração para a Grécia e para os seus parceiros da UE. Em toda a Europa, os imigrantes ilegais podem ser mantidos em centros de detenção, em qualquer lugar, por algumas horas ou por algumas semanas, e depois é-lhes entregue um documento obrigando-os a sair dentro de um mês. Isso economiza o custo de repatriamento de imigrantes ilegais aos países de origem, mas limita a maior parte das deportações àqueles que são apanhados outra vez para além dos 30 dias.

Tal como muitos outros antes dele, o senhor Ashar não voltou para casa. Em vez disso, foi para Alexandroupolis e depois para Atenas antes de vir para Patras, escapando à prisão durante a evacuação, pela polícia, da fábrica abandonada. No final de julho, depois de nove meses passados na Grécia, Ashar entrou furtivamente num ferry com destino a Itália, onde espera ficar. “Não há empregos para os gregos, como pode haver emprego para nós?”, pergunta ele num francês com sotaque inglês.

Embora a Grécia sofra o peso da pressão política, não é certo que o país tenha o maior problema de imigração ilegal da Europa. No ano passado, estavam ilegalmente na Europa cerca de 351 mil pessoas por terem ultrapassado o limite dos seus vistos, mais do dobro do número de pessoas que atravessaram a fronteira para a Europa sem documentos, de acordo com a Frontex.

Proteger as fronteiras é uma questão de soberania nacional que a maioria dos governos europeus não está disposta a ceder a Bruxelas. A Comissão Europeia está a tentar agir como um árbitro para preservar a zona sem passaporte, mas Cecilia Malmström, comissária da UE para os Assuntos Internos, disse que as discussões sobre a imigração se têm tornado mais difíceis sob o atual clima político dos Estados-membros.

Em junho, os ministros do Interior dos governos da UE insistiram que as autoridades nacionais devem ter novos poderes para reintroduzirem os controlos de passaporte por um período até dois anos para isolarem um país Schengen que tenha “graves deficiências” no controle das fronteiras. O seu voto levou a uma batalha amarga e ainda não resolvida, em Bruxelas, com a Comissão e o Parlamento – a única instituição da UE eleita pelos cidadãos – a combaterem a decisão.

Na verdade, quando a UE decidiu distribuir o seu material de guerra para a proteção das fronteiras isso tornou-se numa espécie de uma bola de futebol política – e uma declaração sobre a sua avaliação do uso de fundos públicos pelos gregos. Embora admitindo que são prejudicados por um orçamento inflexível e de longo prazo, as autoridades da UE dizem que a Espanha e Itália juntas recebem mais fundos porque são melhores a lidar com os pedidos de asilo. Há um único escritório central de processamento para toda a Grécia, aberto apenas algumas horas, uma vez por semana, em Atenas. “Em termos de asilo, a Grécia não tem um sistema de que possa falar”, disse um funcionário da UE, que não quis ser identificado.

Fraca cooperação entre a UE e a Turquia

Em abril passado, num relatório interno, a Comissão Europeia também criticou a lendária burocracia do Governo por ser “muito pesada” e “impedir o rápido desembolso” do financiamento da UE. Fontes oficiais do Governo grego dizem que estão a tentar reformar essa situação, mas lembram que também foram prejudicados com a proibição imposta pelos credores internacionais que os obriga a limitar os gastos público do país. Dizem que estão a tentar estabelecer um sistema mais integrado para o processamento dos casos de asilo.

Num café na estação de comboios de Alexandroupolis, um homem que se identificou a si próprio como sendo um traficante da Argélia, descreveu o sistema de classes da imigração ilegal. Os sírios são os mais ricos e estão dispostos a pagar dez mil euros para chegarem à Noruega, à Finlândia ou à Suécia para pedirem asilo. Contou que cobra cinco mil euros por um falso passaporte grego e 1500 euros apenas para atravessar o rio.

Os bengaleses são enganados pelos traficantes sobre as suas perspetivas na Grécia, acrescentou. "Dizem-lhes que, em Atenas, vão ser uns reis”, garante. “Mas quando lá chegam, percebem que não há reino.” O homem, que diz chamar-se Nassim, afirma que esteve na Grécia durante cinco anos, a passar imigrantes ilegais.

A comissária Malmström disse que, na Europa, este género de tráfico se tornou um negócio que atinge os 25 mil milhões de euros por ano e que é tão lucrativo que é difícil de combater. Entre outras medidas, segundo a comissária, a Europa está a partilhar mais informação secreta entre os Estados-membros, enquanto a Frontex, a agência de fronteiras da UE, se tornou uma presença constante nas fronteiras greco-turcas, partilhando diretores dos Estados-membros da UE em missões mensais de vigilância.

Mas os problemas continuarão a acumular-se. Entre eles: a fraca cooperação da UE com a Turquia em matéria de migração. As autoridades gregas não podem reenviar os imigrantes ilegais para a Turquia, porque não há acordo de readmissão entre a UE e a Turquia. Em junho, os ministros da UE concordaram em iniciar negociações sobre um tal acordo. Mas com Ancara a exigir que os turcos passem a ter isenção de visto no espaço Schengen, não há data definida para uma resolução final. E mesmo dentro da UE, a solidariedade não é a norma.

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