Bruxelas, a Grand-Place. Foto de Mili - DR

Adiós Bruxelas

Quando desci do avião em Bruxelas, a neve e o vento lembraram-me os versos do poeta norte-americano Archibald Macleish: “All night in Brussels the wind had tugged at my door” – “Toda a noite, em Bruxelas, o vento bateu à minha porta”.

Publicado em 13 Maio 2009 às 12:55
Bruxelas, a Grand-Place. Foto de Mili - DR

Eram quatro da tarde e já estava noite escura. Ao chegar ao hotel Amigo, na rua do Amigo n°1-3, voltei a sentir-me à vontade. Vozes em todas as línguas, o movimento do costume. A decoração, discreta e acolhedora, ajudam a aliviar-me a tensão. Chegado ao quarto, abri as cortinas e re-encontrei o habitual edifício de escritórios, do outro lado. Abrindo a janela, podia tagarelar com os locatários sem dificuldade – briosos funcionários que me fazem companhia durante o sono, trabalhando até ao romper do dia. Se tivesse tempo para me debruçar sobre isso, poderia imaginar, através dos seus rostos, as vidas por trás do esforço. A rapidez dos prazos com que apresentam os projetos é a geleia real que alimenta as larvas dos Estados. Os funcionários administram sobretudo o tempo. Um bem raro e de um valor inestimável.

Na sala de reuniões, oval e demasiado grande, os ministros da Cultura europeus cumprimentam-se sempre como se este encontro fosse o último. A roda da fortuna continua a girar e faltam seis meses para se operarem numerosas mudanças. Aos rostos habituais acrescentam-se novos, completamente deslumbrados. Depois, cada um fala do que lhe diz respeito, procurando a cumplicidade dos que lhe estão mais próximos. Raramente se houve a palavra Europa. Será tabu? As identidades são tão fortes que temos ainda um longo caminho a percorrer, antes de as partilharmos e interiorizarmos. Os acordos provocam discussões intermináveis e avança-se muito lentamente. A França é a mais francamente comunitária e a razão impõe-se sempre graças a ela. O Reino Unido e os seus satélites são em geral dissolventes, ingratos e egoístas. A Alemanha hesita. Os restantes tentam tornar o seu passado individual compatível com o futuro.

Horas e horas a ouvir os meus colegas nas línguas respetivas. O representante britânico cede uns minutos a um compatriota galês, que se exprime na sua língua, como eu próprio fiz frequentemente com as nossas comunidades linguísticas. As línguas constituem o maior património cultural do século XXI e o seu conhecimento – quanto mais falarmos nisto, melhor – representa uma vantagem em termos de emprego.

A exemplo do filósofo alemão da Renascença, Nicolas de Cues, dou por mim a pensar que o prazer não vem do conhecimento de uma língua, mas do crescimento infinito do que se ignora, e a recompensa é o alargamento do “segredo impenetrável”. A maior parte do tempo, as pessoas vêm mais para ensinar que para aprender. Falta aqui frequentemente humildade e modéstia. Para Spinoza, essas qualidades eram uma espécie de ambição: o desejo de fazer o que agrada aos homens e de evitar o que lhes desagrada.

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A cultura partilhada durante tantos séculos é uma peça indispensável para soldar o continente; mas ignoramos ainda como utilizar o maçarico. Tenho uma sensação estranha: não sei se entrei demasiado cedo ou demasiado tarde para a política europeia. Para Cícero, as coisas eram mais claras: “Ergui-me tarde e, no caminho, a noite romana surpreendeu-me”. Cícero pensava que a sua vida política tinha começado demasiado tarde, quando a Roma livre estava já em declínio. A Europa estará em declínio? As nações ou os Estados estão em declínio?

Ao abandonar a sala oval, a caminho do elevador para voltar a internar-me na bruma de Bruxelas, as saudades de casa invadiram-me. É assim que os românticos qualificavam a regressão, o regresso ao lugar onde não existe nem o bem nem o mal. “Para onde vamos nós?”, interrogava-se Novalis, em nome de todos os contemporâneos europeus. A pergunta e a resposta continuam pertinentes hoje: “Immer nach Hause”, “Para casa, sempre”. Mas onde fica?

Parte do dia já se escoou. O sol, pálido, envolto no nevoeiro, está prestes a desaparecer. No restaurante “Aux Armes de Bruxelles”, como mexilhões com batatas fritas. São pequenos e não têm o gosto dos de Lorbé, mas o que fazer? De novo na rua, ouço os ventos lacustres que continuam a bater nas portas dos hotéis.

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