Ancara arrasta os pés

Iniciadas em 2005, as negociações para a adesão da Turquia quase não avançam. Para o diário Taraf, de Istambul, a culpa é da UE mas, em grande parte, também das elites turcas, que são incapazes de agir em prol do bem dos cidadãos.

Publicado em 11 Outubro 2010 às 13:07

Afinal, o que está a fazer a oposição? Se quisesse, o Partido Republicano do Povo [CHP, kemalista] poderia dar muito que fazer ao AKP [Partido da Justiça e do Desenvolvimento, do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan], se se dedicasse mais à questão da adesão da Turquia à União Europeia. Há cinco anos, num clima de alguma euforia, foram iniciadas as conversações destinadas a transformar a candidatura da Turquia à UE em adesão plena. Dos 35 capítulos postos em discussão, apenas 13 começaram a ser negociados e só um foi encerrado. A título de comparação, a Croácia, que iniciou as negociações na mesma altura, já encerrou 22 capítulos.

Claro que a responsabilidade por tamanho atraso cabe, em parte, aos europeus. Por causa das divergências sobre a questão de Chipre [metade da ilha está ocupada pelo Exército turco], oito capítulos de negociação continuam bloqueados e os países da UE que se opõem à adesão da Turquia embargaram outros cinco.

Medo de um sistema democrático ao estilo europeu

Ora bem, os europeus nem sempre se comportam de um modo muito leal mas isso não deve impedir-nos de ver o essencial. Com efeito, quer entremos ou não para a UE, as reformas exigidas para satisfazer as condições previstas nesses 35 capítulos terão repercussões positivas sobre o quotidiano de todos os habitantes deste país. Imaginemos que não conseguimos aderir à UE. Vamos, por isso, renunciar a mudanças que são claramente do nosso interesse?

Como têm medo de um sistema democrático ao estilo europeu, os partidos da oposição [o CHP e o Partido da Ação Nacionalista, MHP, de extrema-direita] mostram-se reticentes perante a ideia de a Turquia poder fazer parte da Europa. As principais vozes desses partidos não param, aliás, de clamar a plenos pulmões contra um regime que estás quase a transformar-se em "ditadura".

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No entanto, essas pessoas que tanto receiam a ditadura também têm medo da democracia à europeia. É por isso que não pressionam o AKP a propósito da adesão à UE, quando esse dossiê é o seu ponto fraco e aquele receia perder votos se transpuser as normas europeias para o sistema turco, preferindo deixar que o dossiê se arraste.

A população turca não sabe que está a ser enganada

Essas novas normas são sinónimo de uma melhoria da qualidade de vida. A disciplina que a sua aplicação implica envolve, portanto, o risco de causar o descontentamento de um certo número de setores, que poderiam voltar-se contra um Governo que prefere não os ter como inimigos. Mas porque será que este Governo, que tem tanto medo de indispor setores tão pouco respeitadores das regras, não receia a reação da população, que é sistematicamente explorada por esses mesmos setores? Simplesmente porque essa população não sabe que está a ser enganada e porque não há ninguém que lhe explique isso.

Consideremos apenas o caso da saúde alimentar e vejamos tudo quanto o Governo não fez. Se a Turquia fizesse tudo o que devia nessa área, a população deixaria de comer carne estragada, deixaria de ser envenenada e as mulheres grávidas deixariam de perder os bebés [o Taraf revelou recentemente a negligência do Governo no caso de um enorme escândalo de carne contaminada que era comercializada]. A população ignora evidentemente tudo isto. Nem os «media» nem a oposição lhe explicam esta triste realidade.

A oposição, por ter medo da democracia, e o Governo, porque não quer perder votos, fecham os olhos ao envenenamento da população e não fazem nada para que as normas europeias de qualidade possam ser aplicadas na Turquia. Por isso, fazem falta meios de comunicação que informem e uma população que exija os seus direitos. Enquanto isso não existir, a classe política turca nada fará para impedir tais intoxicações. Eis mais um motivo pelo qual as negociações não avançam.

Adesão da Turquia

Um referendo europeu para decidir a questão?

Egemen Bağış, o negociador principal da Turquia com a UE, propôs recentemente a realização de um referendo sobre a adesão do seu país, na Turquia e em todos os Estados-membros da União, noticia The Guardian. "A palavra ‘referendo’ é utilizada para atemorizar os dirigentes da UE, mas a ideia tem algum mérito", considera este diário londrino. Porque, "uma vez resolvidos os obstáculos à adesão, a proposta de um referendo permitirá resolver a questão espinhosa de saber se o resultado final deve ser uma parceria ou uma união política". Porque, como declarou um dia o Presidente turco, Abdullah Gül, "a coisa mais importante não é entrar na União mas adotar as suas regras". Na altura, Abdullah Gül sublinhou que, uma vez concluído o processo de adesão, a Turquia poderia, como fez a Noruega, em 1972, optar por não entrar na UE.

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