As fronteiras da Alemanha-Polónia e Polónia-Eslováquia: duas fotos da série "Borderline".

As fronteiras desaparecidas merecem o Nobel

A atribuição do Nobel da Paz à UE deixou muitas pessoas perplexas. No entanto, realça o politólogo José Ignacio Torreblanca, uma viagem pelos vestígios da longa “guerra civil europeia” iniciada no século XX deverá ser suficiente para a justificar.

Publicado em 10 Dezembro 2012 às 08:29
Valerio Vincenzo  | As fronteiras da Alemanha-Polónia e Polónia-Eslováquia: duas fotos da série "Borderline".

Fronteiras que definham, fronteiras enferrujadas, fronteiras esquecidas, fronteiras abandonadas, fronteiras de que já ninguém se lembra. Uma impressionante série de fotografias que explica, por si só, por que razão a União Europeia foi galardoada com o prémio Nobel da Paz. E também por que é que nós, europeus, apesar da crise existencial em que a Europa está mergulhada, temos motivos de sobra para o celebrarmos.

Para nos convencermos basta pensarmos por um momento no muro levantado pelos Estados Unidos na sua fronteira Sul. Ou nas voltas que desenha o muro de separação construído por Israel. Para já não falar da fronteira entre as duas Coreias. Essas três fronteiras são, pura e simplesmente, um monumento ao fracasso, uma representação da incapacidade de muitos seres humanos para conviverem pacificamente apesar de terem origens, valores e crenças políticas ou religiosas diferentes.

Nós, os europeus, já fomos assim. Esses marcos, cartazes e divisórias, aparentemente tão inocentes, são testemunhas de milhões de mortos, estão regados com o sangue de centenas de milhares de jovens que deram as suas vidas para defender essas fronteiras e foram atravessados por milhões de refugiados e de deslocados.

Melhor que a "Pax Romana"

A geração dos nossos pais sabe do que fala, porque brincou nos escombros deixados por aquilo a que os historiadores chamaram “a longa guerra civil europeia”, um conflito que, com a França e a Alemanha no centro, começou em 1870 e acabou em 1945, deixando atrás de si duas guerras mundiais. Mas nós, os da geração seguinte, também nos lembramos perfeitamente de como era uma Europa dividida em duas por uma “cortina de ferro”, parra usar a expressão cunhada por Churchill.

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Hoje, olhando para trás, é até muitíssimo surpreendente que todas aquelas democracias que pertenciam (então) à Comunidade Europeia, que não só partilhavam valores políticos e sistemas económicos, como também se haviam unido para lutar, ombro a ombro, de mãos dadas, no quadro da Aliança Atlântica, tenham demorado tanto tempo a derrubar as suas fronteiras, a unificar as suas moedas e a suprimirem os controlos fronteiriços. Os jovens de hoje incorporaram nas suas vidas, com toda a naturalidade, a liberdade de movimentos e o euro. Mas o mundo não se rege pelos mesmos critérios.

Alsácia e Lorena, Danzing, os Sudetos ou o Danúbio, felizmente, já não têm significado algum, tendo-se convertido em meros mitos históricos. Os europeus, apesar dos seus problemas, vivem algo parecido, até mesmo melhor, com a “Pax Romana” de que gozou a Europa. Mas com uma diferença, porque enquanto a “romanização” se impôs a ferro e fogo e contra a vontade dos povos que então habitavam a Europa, a “Pax Europea” conseguiu-se pacificamente por via do direito, da democracia e do respeito pela identidade dos povos.

Projeto iluminista continua vivo

É importante recordar que as fronteiras […] não se extinguiram, nem desapareceram por morte natural. O muro de Berlim caiu por vontade dos cidadãos da Alemanha Oriental, que optou por manifestar-se e ir pelos seus próprios pés pedir asilo às embaixadas alemãs ou de outros países ocidentais em Budapeste e Praga. E também pela visão de alguns líderes, como o então ministro dos Negócios Estrangeiros húngaro Gyula Horn, que pessoalmente, com uma cisalha, cortou o arame que separava a Hungria da Áustria. É legítimo que exista um orgulho europeu. Porque, com todas as dificuldades, o projeto iluminista continua vivo na Europa. Quando Emanuel Kant falou da “paz perpétua” entre os povos estava a apontar para algo que é muito parecido com aquilo que a União Europeia conseguiu.

Os britânicos com a sua Armada, os franceses com os seus exércitos napoleónicos, os alemães com os seus Panzerdivisionen. Os europeus gastaram séculos a tentarem dominar-se uns aos outros. Agora encontraram um método muito mais subtil de invadirem países: chama-se “acervo comunitário”, denominação para o catálogo de legislação comunitária. Assim, pois, em vez de invadir um país, a União Europeia, que se tornou maior e pós-moderna, envia cerca de duzentas mil páginas de legislação que o país em questão terá de incluir no seu ordenamento interno.

E, apesar de tudo, há fila para entrar: a Croácia, que entrará no próximo ano; a Turquia, que apesar das humilhações e desdéns de que é alvo continua a querer concluir as negociações para a adesão; a que se seguem a Macedónia, a Albânia, a Sérvia, o Montenegro, a Bósnia-Herzegovina e o Kosovo.

Essas são as próximas fronteiras da Europa que, se o projeto europeu continuar de pé, veremos desaparecer. Mais além ficará o espaço pós-soviético, desde a Bielorrússia, no Norte, a última ditadura da Europa, até ao Cáucaso, pejado de conflitos congelados, mas também a margem Sul do Mediterrâneo. [...] É crítica comum dizer que a Europa se converteu num ator irrelevante à escala mundial. Apesar de a crítica estar, em grande parte, certa, estas fotografias mostram que a irrelevância, se significa ver desaparecer as fronteiras entre os Estados e as divisões entre as pessoas, é uma nobre tarefa a que os outros também se poderiam dedicar.

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