Aumentem-me os impostos, sou rico

Numa altura em que os governos preparam os seus orçamentos para 2012 e que é pedida mais austeridade à classe média para equilibrar as contas públicas, os “super ricos” de vários países dizem-se dispostos a participar neste esforço e pedem para que lhes sejam cobrados mais impostos.

Publicado em 30 Agosto 2011 às 13:57

Primeiro, foi Warren Buffett a anunciar que tanto ele como os seus colegas eram “mimados há demasiado tempo por um Congresso muito amigo dos bilionários”. Depois, Liliane Bettencourt, a mulher mais rica de França, que ainda o ano passado esteve no centro de um escândalo de impostos, assinou uma carta, com 15 outros bilionários, pedindo para fazer uma contribuição especialpara o Tesouro para ajudar a debelar a crise económica do seu país. E até um italiano se pôs em ação. O dono da Ferrari disse que, como é rico, está absolutamente “certo” que lhe cobrem mais dinheiro.

Agora, numa altura em que a França e a Espanha consideram introduzir um imposto especial para os mais ricos, um grupo de 50 alemães ricos juntou-se ao movimento do “cobrem-me impostos pesados” renovando o seu pedido a Angela Merkel para que “impeça que o fosso entre ricos e pobres se torne ainda maior”.

O grupo alemão, Vermögende für eine Vermögensabgabe (Riqueza por um Imposto sobre Capitais) é a última manifestação de um sentimento existente entre algumas pessoas abastadas de que o dinheiro que sobra nas suas contas bancárias pode servir para aliviar, se não mesmo resolver, a crise financeira que ameaça paralisar os seus países.

“Nenhum de nós faz parte do grupo do Buffett ou da Bettencourt”, disse o fundador, Dieter Lehmkuhl, um médico reformado cujos ativos ascendem a um milhão e meio de euros. “Somos um grupo amplo – professores, médicos, empresários. A maior parte da nossa riqueza foi herdade. Mas temos mais dinheiro do que aquele de que precisamos.” O manifesto do grupo afirma que a Alemanha pode receber 100 mil milhões de euros se os ricos pagarem uma taxa de 5% sobre as suas fortunas, durante dois anos.

Newsletter em português

Na segunda-feira, Lehmkuhl disse que estava a renovar o seu apelo ao governo de Merkel, feito pela primeira vez há dois anos, para que repense a sua política fiscal. Atualmente, os alemães ricos pagam, no máximo, uma taxa de 42%. O anterior chanceler, Gerhard Schröder, baixou a taxa máxima do teto de 53% imposto pelo seu antecessor, Helmut Kohl.

“Gostaria de dizer a Merkel que a resposta para resolver os problemas financeiros da Alemanha, a nossa dívida pública, não é fazendo cortes, que atingem desproporcionadamente as pessoas mais pobres, mas sim cobrando mais impostos aos mais ricos”, disse Lehmkuhl.

“Estamos sempre a ouvir falar de pacotes de austeridade, mas nunca de subida de impostos. No entanto, a subida de impostos é uma maneira de sairmos desta situação em que nos encontramos. É onde está o dinheiro: nas pessoas ricas.

Tem de ser feito qualquer coisa que impeça que o fosso entre ricos e pobres se torne ainda maior

Segundo a proposta deste grupo, o novo imposto recairia apenas sobre as pessoas que têm mais de meio milhão de euros de riqueza em capital. Todo o dinheiro acima deste limite seria taxado em 5% nos primeiros dois anos e em 1% ou mais nos anos seguintes.

Na semana passada, em França, Nicolas Sarkozy propôs uma ideia semelhante: um imposto temporário para os muito ricos. Tal imposto apareceria sob a forma de “contribuição excecional” de 3% sobre os lucros coletáveis para quem ganhar mais de meio milhão de euros. Provavelmente, este imposto só se manterá até 2013.

A iniciativa tem sido atacada como sendo uma proposta vazia, mesmo antes de ter sido formalizada – até por membros do seu próprio partido. A esquerda afirma que isto é apenas uma cortina de fumo para esconder o facto de Sarkozy ter concedido milhares de milhões de euros de benefícios fiscais aos ricos enquanto que, com esta medida, consegue arrecadar apenas 200 milhões de euros. Chantal Brunel, uma deputada do partido de direita de Sarkozy, o UMP, defende que deve haver permanentemente taxas mais altas para “as grande fortunas” porque “os ricos devem participar mais”.

Também em Itália, um dos cidadãos mais ricos do país se ofereceu para pagar mais impostos – mas só se o governo de Silvio Berlusconi se dispuser a concretizar um programa de reformas neoliberais.

Luca di Montezemolo, o multimilionário presidente da Ferrari, fez a sua oferta no início deste mês de agosto, durante uma entrevista ao diário de centro-esquerda La Repubblica.

Montezemolo, de 63 anos, de quem sempre se suspeitou que acalenta ambições políticas, disse que queria ver o governo arrecadar dinheiro através da venda de propriedade e da redução das regalias concedidas aos políticos. “Nessa altura, e só nessa altura, é necessária uma contribuição por parte dos cidadãos”, disse ele. “Tem de se começar por se pedir [essa contribuição] àqueles que mais têm, porque é escandaloso que seja pedida à classe média.”

Disse ainda que, mesmo antes de os mercados reagirem, este mês, com medo da gigantesca dívida pública de Itália, já ele tinha proposto uma sobretaxa anual para os rendimentos entre cinco e 10 milhões de euros. Mas a sua proposta foi recebida com um “silêncio ensurdecedor”.

Em Espanha, o governo socialista está a pensar na reintrodução de uma taxa sobre a riqueza que existia até há três anos.

Os especialistas dizem que um imposto sobre os ativos, não incluindo a primeira residência, geraria receitas superiores a mil milhões de euros a partir, apenas, de 50 mil contribuintes individuais. A ministra das Finanças, Elena Salgado, está de acordo, tendo afirmado que lamenta que tal imposto tenha sido extinto.

Alfredo Pérez Rubalcaba, o novo candidato a primeiro-ministro socialista, nas eleições gerais de Espanha, marcadas para o próximo dia 20 de novembro, já se comprometeu, se for eleito, a aumentar os impostos sobre os ricos.

Nos Estados Unidos, Buffett foi ridicularizado por ter escrito, este mês, no New York Times, que se sentia mal por ter pago apenas seis milhões e 900 mil dólares de impostos, no ano passado, ou seja, 17,4% do seu rendimento coletável, quando os seus funcionários pagam, em média, 36%.

Sugeriu, assim, que os impostos sobre os rendimentos e sobre os investimentos devem ser aumentados para quem tiver mais de um milhão de dólares de rendimento coletável – 0,2% das pessoas que apresentaram declaração de impostos em 2009. O artigo foi recebido com críticas violentas. “Warren Buffett, hipócrita”, era o título do New York Posto. “Preocupa-se mais com angariar apoiantes para o presidente Obama – que fez do tema da sua reeleição uma ladainha contra os ‘milionários e multimilionários’ – do que em pagar mais impostos”, escreveu o jornal.

Harvey Golub, antigo diretor executivo do American Express, disse ao Wall Street Journal: “Antes de me ‘pedirem’ mais dinheiro a mim e a outros como eu, cobrem os 2.2 biliões que já recebem todos os anos de maneira mais justa e gastem-nos com mais sensatez”.

Opinião

Impostos sobre a riqueza não ajudam

Na sua habitual crónica no jornal Público, o professor e especialista em Ciência Política, João Carlos Espada critica a ideia da criação de um imposto extraordinário sobre os “super-ricos”. “Não são os impostos a fonte primordial de melhoria da condição de vida do maior número. A riqueza da Europa e do Ocidente - que ainda hoje merece admiração no resto do mundo - não foi produto da redistribuição da riqueza dos ricos para os pobres através dos impostos. Foi produto da criação de riqueza num ambiente de liberdade económica, em regra associada a impostos baixos, justiça célere, e, sobretudo, à ausência de barreiras à entrada de novos competidores”.

Espada argumenta que “a melhor contribuição dos “ricos” para o bem comum reside em garantir que um bem ou serviço está a ser produzido da forma mais acessível ao maior número de pessoas, consiste na garantia de que esse bem ou serviço não está artificialmente protegido da concorrência e que é voluntariamente escolhido pelos que o consomem". Espada acredita que foi este factor que constituiu na Europa e no Ocidente o grande "elevador social", através do qual gerações sucessivas de pessoas comuns têm acesso a bens e produtos que as gerações anteriores não sonhavam obter.

Tags

É uma organização jornalística, uma empresa, uma associação ou uma fundação? Consulte os nossos serviços editoriais e de tradução por medida.

Apoie o jornalismo europeu independente.

A democracia europeia precisa de meios de comunicação social independentes. O Voxeurop precisa de si. Junte-se à nossa comunidade!

Sobre o mesmo tópico