Ideias Crise da zona euro

Berlusconi toca harpa enquanto Itália arde

A pressão dos mercados e dos parceiros europeus poderá estar prestes a quebrar a desesperada e dispendiosa resistência de Silvio Berlusconi. Mas o seu afastamento não será suficiente para resolver a falta de credibilidade de Itália e a profunda crise política e social do país.

Publicado em 8 Novembro 2011 às 14:40

É pouco provável que o mundo tenha prestado tanta atenção à Itália como ontem, dia 8 de novembro. Mas não aquele tipo de atenção reservado a uma nação interessante, raramente conhecida pelo respeito pela lei mas, ainda assim, admirada pela sua imaginação criativa, pela sua flexibilidade, já para não referir a sua linda paisagem e os seus museus.

Não! Esta foi uma atenção impiedosa e hostil de quem considera a Itália um risco para tudo o que está à sua volta, de quem sabe que aquilo que acontece hoje ao país pode perfeitamente ter repercussões imediatas no futuro da governação mundial e da sua própria governação.

A atenção veio dos que conheceram o abismo grego e sabem que um destino idêntico para Itália seria algo infinitamente pior, uma coisa que faria perigar equilíbrios mundiais já precários.

Se a Itália se descontrolar, França poderá ir a seguir – uma França que ontem, como seria de esperar, alterou os planos de austeridade, aumentando o IVA. Depois de França, pode ser até a vez dos EUA.

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Primeiro-ministro italiano está na sua villa de Arcore

Os comerciantes acreditam que a Itália poderá ser o país que irá marcar a diferença entre o colapso económico mundial e a recuperação. Nestas circunstâncias, o primeiro-ministro Silvio Berlusconi deixou de ser visto nos círculos estrangeiros como um excêntrico, conhecido pelos seus comentários ocasionalmente comprometedores.

Deixou de ser apenas um vizinho que os chefes de Estado e de governo têm relutância em ter na fotografia de grupo dos últimos anos. Em vez disso, passou a ser uma fonte, ou melhor, “a” fonte de todos os riscos, um canhão perdido no tempestuoso campo de batalha de uma crise mundial cada vez maior.

Vejamos a Reuters e [The New York Times](http://www.nytimes.com/2011/11/08/world/europe/berlusconi-dismisses-resignation-reports.html?scp=2&sq=Berlusconi&st=cse), quando ambos se mostraram preocupados com uma eventual “fase final” italiana; ou The WallStreet Journal e o [Financial Times](http://www.ft.com/intl/cms/s/62b7533c-095b-11e1-a2bb-00144feabdc0,Authorised=false.html?_i_location=http%3A%2F%2Fwww.ft.com%2Fcms%2Fs%2F0%2F62b7533c-095b-11e1-a2bb-00144feabdc0.html&_i_referer=http%3A%2F%2Fsearch.ft.com%2Fsearch%3FqueryText%3DBerlusconi%26ftsearchType%3Dtype_news#axzz1d6S1IxVd [08/11/11 15:33:50] Gerry Feehily: there's no point linking it), quando ambos descobriram as dimensões estereotipadas da imagem italiana e do pouco que o mundo realmente conhece sobre este elo repentinamente fraco da cadeia mundial.

Enquanto o resto do mundo coloca questões profundamente preocupantes, o primeiro-ministro italiano, em vez de tratar de questões de Estado, está na sua villa de Arcore com os filhos e Fedele Confalonieri, o presidente da Mediaset, o homem que preside à principal holding da família Berlusconi.

Oposição incapaz de articular posições lúcidas

Esta reunião decorre enquanto as Bolsas celebram prematuramente a futura demissão numa questão de horas, segundo alguns. Depois da reunião em família, segue-se uma com a Liga do Norte (Lega Nord), talvez para tratar de “reformas” (Umberto Bossi, aliado de Berlusconi, é o ministro das reformas do país), reformas que toda a gente encara de uma forma diferente da nossa, e a maioria, incluindo a oposição, espera poderem ser aplicadas apenas verbalmente. Só mais tarde é que Berlusconi irá a Roma para voltar a ser primeiro-ministro (cargo que ainda ocupa).

A gestão dos interesses particulares de Silvio Berlusconi contrasta vivamente com a gestão dos problemas da Europa e da economia mundial. Talvez tenha sido sempre assim e o mundo simplesmente não notou, tal como muitos italianos. A Itália está entre estes dois planos de gestão, o pessoal e o mundial.

É um país forçado a ceder a políticas e a uma vigilância financeira ditadas por mercados mundiais, por não conseguir pagar as suas dívidas. O resto do mundo está extremamente interessado em programas, independentemente dos governos. O mundo político italiano está extremamente interessado no Governo, independentemente dos programas.

Consequentemente, a Itália está numa espécie de vazio; num vazio político, agora representado pelo demissionário não demissionário primeiro-ministro e por uma oposição incapaz de articular posições lúcidas. Infelizmente, e esta é a parte mais preocupante, a Itália também se mostra vazia quando se trata de capital humano.

Itália perde prestígio e credibilidade

De acordo com dados recentes do Banco de Itália, cerca de um em cada quatro jovens – um total superior a dois milhões – com idades compreendidas entre os 15 e os 29 anos de idade, não trabalha nem estuda. Mas o país precisa desesperadamente desse trabalho e desse estudo.

É este o vazio em que a Itália se arrisca a cair. E é um vazio dispendioso. Apesar de ser difícil, é possível calcular o preço de cada dia adicional de regime Berlusconi, nestas circunstâncias, para o Tesouro italiano. Os custos assentam nas taxas de juro da gigantesca dívida italiana que está a ser refinanciada com taxas ainda mais elevadas, a tal ponto que os benefícios amortizados pela decisão de Itália de aumentar o IVA são consumidos por taxas ainda mais altas.

Para financiar as ações italianas num valor superior às alemãs, os valores de hoje são 500 pontos base, cinco pontos percentuais acima da atual cotação de mercado, uma espécie de um “prémio ao contrário” para compensar o risco envolvido. Há ainda uma série de custos menos óbvios que incluem a perda de prestígio e de credibilidade nacional no mundo financeiro. É um preço que os homens de negócios conhecem muito bem e com uma dimensão que o país só agora começa a compreender.

É este o vazio com que Itália terá de contar. Todos os êxitos de outrora, nos mercados internacionais e em termos de importância política no seio da União Europeia, e o direito “adquirido” de trabalhadores e pensionistas – tudo isso parece ter ido por água abaixo e a Itália só poderá recuperar com uma mudança no Executivo.

Mas o erro mais grave seria a ilusão de que uma mudança destas fosse suficiente ou representasse uma solução milagrosa. Se tudo correr bem, todos teremos pequenos pontos luminosos ao longo de uma estrada longa e tortuosa.

Reação de Espanha

A crise custou cargos a dirigentes dos PIIGS

Silvio Berlusconi não é o único chefe de Estado a quem a crise acabou por custar o cargo. Segundo La Vanguardia, o seu homólogo espanhol José Luís Rodriguez Zapatero deverá sofrer pela sua “mais que severa derrota eleitoral de 20 de novembro” embora “por procuração”. É o novo líder do Partido Socialista Alfredo Pérez Rubalcaba que carrega as cores da maioria cessante. Naquela altura, nota, “os apelidados de PIIGS (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha) foram afastados do poder por todos aqueles que estavam no comando quando o tsunami financeiro e a crise da dívida começaram. Nenhum dos dirigentes sobreviveu”. Se, tal como preveem os economistas e a chanceler Angela Merkel, teremos “dez anos de sofrimento pela frente”, “um segundo ciclo de mudança completa, de uma ponta à outra, nos PIIGS não deverá ser descartado”, conclui La Vanguardia.

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