“Tal como as palavras célebres de Bill Clinton – ‘It’s the economy, stupid’ – a campanha eleitoral na Holanda girou, sobretudo, em torno da crise económica, das restrições orçamentais e do emprego”, resume o Trouw. Mesmo que o país tenha a taxa de desemprego mais baixa da Europa (4,1%), a crise preocupa os holandeses.
Primeira consequência: os liberais do VVD, liderados por Mark Rutte, serão provavelmente os vencedores das eleições de 9 de Junho, com 36 (dos 150) lugares na Assembleia Nacional. “Nos períodos de incerteza, o eleitorado mostra-se, tradicionalmente, menos progressista”,recorda De Volkskrant , e isto “apesar de a crise ser imputada aos excessos do liberalismo”.
Segunda consequência: a crise fez passar para segundo plano o debate sobre a integração dos imigrantes, cavalo de batalha do populista e islamofóbico Geert Wilders e do seu PVV. “Nas últimas semanas, Wilders continuou a insistir nas consequências da imigração, mas não parece ter dado frutos. Pensou que o seu relatório sobre os custos da imigração extra-europeia (7200 milhões de euros por ano) lhe permitiriam chamar a atenção, mas a apresentação do documento foi eclipsada pela polémica sobre a falta de democracia dentro do seu próprio partido. Além do mais, os outros partidos souberam reagir às conclusões simplistas do seu relatório afirmando que ‘uma estimativa dos custos com os deficientes e com os idosos seria igualmente mal aceite’”.
O Trouwobserva, por outro lado, que se a imigração não foi a vedeta da campanha eleitoral, teve, no entanto, um papel importante. Nos seus programas, “o VVD [liberais], o CDA [democratas-cristãos] e o PvdA [trabalhistas], em particular, aproximaram-se do PVV”, mesmo que, acrescenta o jornal, “existam, evidentemente, grandes diferenças entre os partidos”. Assim, só o PVV quer suprimir completamente o apoio social aos imigrantes, estabelecer uma quota máxima de 1000 pedidos de asilo admitidos por ano e uma taxa sobre os véus islâmicos. Apesar “do tom intransigente de Wilders, que o impede de conquistar mais poder”, o seu partido pode conseguir entre 17 e 18 lugares, o dobro do que tem agora. E, não tendo o VVD excluído a possibilidade de aliar-se ao PVV, Geert Wilders tem hipóteses de fazer parte do próximo Governo.
O PvdA, que pensou que podia melhorar o seu resultado com a chegada do muito popular Job Cohen como cabeça de lista, após a demissão de Wouter Bos, está em baixa nas sondagens mas deverá conseguir o segundo lugar, com 29 lugares. O antigo Presidente da Câmara de Amesterdão, considerado por ser um grande aglutinador da sociedade multicultural, é criticado pela sua falta de combatividade e de firmeza. Assim, num dos numerosas debates televisivos, “não foi verdadeiramente convincente” perante Wilders, sobretudo sobre as questões de segurança, escreve De Volkskrant.
E onde fica o CDA do primeiro-ministro cessante, Jan Peter Belkenende, em tudo isto? O partido ainda tem as cicatrizes da queda do Governo em Fevereiro passado, de que Belkenende foi largamente responsável: as sondagens dão-lhe, apenas, 21 lugares no parlamento. Mas o seu declínio parece, sobretudo, ligado ao facto de se ter distanciado, desde há algum tempo, da sua própria ideologia democrata-cristã, em prol de um programa liberal para combater a crise: “O CDA tem um programa próprio do VVD”, considera o NRC Handelsblad. “Dizendo-o de uma forma polémica: [Balkenende] dá maior importância a uma simplificação das leis de desemprego e à redução da duração do subsídio de desemprego que à afinidade com o ChristenUnie [pequeno partido democrata-cristão, tradicionalmente próximo do CDA]", conclui De Volkskrant: Consequentemente, “Balkenende mantém a imagem de um CDA em que a ideologia social cristã é apenas um molho perfumado que esconde um prato liberal com mau sabor”. Se as sondagens estiverem certas, “Balkenende deixará” a liderança do CDA, conclui o NRC: “Alguém que foi Primeiro-Ministro durante oito anos, não se contentará com um lugar de vice-Primeiro de Mark Rutte. Além do mais, Balkenende está habituado a ganhar e não a perder”.
Retrato
Um país, dois rostos
"Na imprensa internacional, circulam duas imagens profundamente contraditórias da Holanda. Uma é a de um sítio selvagem, sem regras, onde os polícias fumam marijuana, os gays dançam na rua e a eutanásia é uma questão que se resolve em dois tempos; de uma sociedade multicultural tão tolerante que até os extremistas islâmicos são subvencionados pelo Estado." É o que escreve Ian Buruma na edição inglesa da revista Der Spiegel. "Mas", prossegue este orientalista e ensaísta holandês, "após a súbita emergência de demagogos populistas, como Pim Fortuyn e Geert Wilders, que gritam e barafustam acerca da 'islamização' da Europa, o que tem predominado na imprensa é uma imagem muito diferente: um país de reaccionários e racistas, que conduz a Europa numa marcha em direcção a um novo despertar do fascismo". É evidente que as duas imagens são exageradas mas "há, de facto, no novo populismo, qualquer coisa de histeria, exemplificada por Geert Wilders, tal como havia qualquer coisa de excitação excessiva nas mudanças sociais dos anos 1960: sexo, droga e rock’n’roll, como reacção a séculos de calvinismo enfadonho". Na verdade, salienta Buruma, "a realidade na Holanda não é tão má como sugerem a retórica violenta dos populistas. Geert Wilders é popular mas nem de perto tão popular como o antigo presidente da Câmara de Amesterdão, Job Cohen". Partidário do diálogo com os muçulmanos, "o líder trabalhista personifica, aos olhos dos seus inimigos, o elitismo liberal e a tolerância mole que as pessoas culpam por todos os males". Apesar da sua popularidade, o partido de Cohen "dificilmente poderá conseguir formar um Governo de maioria". E, mesmo que o conseguisse, "os problemas do terrorismo, da criminalidade nas ruas e da insegurança económica não iriam desaparecer. Mas a Holanda teria uma melhor possibilidade de restabelecer um certo grau de bom senso e de ser um país, nem selvagem nem intolerante, mas o local burguês e tranquilo que deveria ser".