Crise belga, fraturas europeias

As divisões que ameaçam a integridade da Bélgica, o centro da Europa, têm repercussões na estabilidade da União Europeia e na imagem da Bélgica no exterior. Porém, considera o politólogo Dominique Moisi, as duas precisam uma da outra para sobreviver.

Publicado em 14 Setembro 2010 às 15:16

Hoje, no momento em que flamengos e valões falam em edificar fronteiras e muros entre si e determinados grupos são mandados de avião para fora do território francês, qual será a imagem que a Europa dá de si própria ao mundo?

A crise política, identitária e, acima de tudo, moral, que atravessa a Bélgica é uma nova "história belga", uma exceção tragicómica secundária, ou será que reflete uma crise europeia mais geral e mais grave, sendo o reino da Bélgica a sua expressão mais extrema?

O estatuto próprio de Washington DC, nos Estados Unidos da América, reveste-se de um sentido no quadro do sistema federal americano. Mas será que Bruxelas poderá continuar a ser a capital da União Europeia quando deixar de ser a capital de um Estado-membro?

Em Itália, costuma dizer-se que a nação italiana, em 150 anos de história, ainda não conseguiu dotar-se de um Estado digno desse nome. Na Bélgica, foi esse Estado, criado em 1830 por vontade de uma elite da Valónia, com o apoio da França de Luís Filipe, que fracassou na tentativa de criar uma nação, apesar da estabilidade da monarquia, do império ultramarino… e do futebol?

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Os belgas como os iraquianos

"Entre flamengos e valões há tantas semelhanças como entre esquimós e muçulmanos…" Quando hoje ouvimos na televisão francesa certos comentários extremistas de flamengos e, agora, de valões sobre a unidade da nação belga, não podemos deixar de pensar no que aconteceu à identidade europeia e no que poderá ainda ser feito para salvar a Bélgica. Belgas e iraquianos estão agora unidos pela mesma incapacidade de formarem um Governo de unidade nacional ao fim de muitos meses. A situação é claramente mais desesperada no Iraque, por causa da violência, mas não será ainda mais grave na Bélgica em termos de identidade nacional? A nação é um referendo diário, afirmou Ernest Renan. Se, dia após dia, o referendo for negativo, o divórcio torna-se inevitável.

Já não se trata de retomar as causas bem conhecidas da situação presente. A arrogância irresponsável de uns, a humilhação de outros, a inversão dos complexos de superioridade e de inferioridade entre as duas comunidades, a complexidade do problema de Bruxelas, a "traição" dos políticos com pouco sentido de Estado são motivos que não conseguem "devolver vida" à nação… Ficou tudo dito. E se os seus habitantes deixarem de se considerar belgas, a Bélgica morre.

Crise belga e crise europeia reforçam-se mutuamente numa dialética negativa que conduz ao bloqueio. Na realidade, a Europa continua a precisar da Bélgica tanto como a Bélgica precisa da Europa. Será a depressão europeia que se impõe à Bélgica, ou a implosão da Bélgica que ameaça a União Europeia? Serão as ondas negativas de Bruxelas que se propagam pela Europa? A eventual criação de uma República da Flandres e de uma República da Valónia será um motivo muito encorajador para a Catalunha e para a Escócia…

Uma Babel arquitetónica para Bruxelas?

Um universo mental e político traduz-se no plano arquitetónico. O grande arquiteto francês Christian de Portzamparc foi incumbido de recrear, à volta da Rue de la Loi, em Bruxelas, um novo bairro que exprimisse a confiança e a esperança da Europa no futuro e nas suas instituições. Neste momento, a missão afigura-se impossível.

Cada país exerce pressão para conseguir o seu bairro e a sua arquitetura. Não é a Europa que se projeta no futuro com um projeto ambicioso e unitário, mas as nações europeias que celebram o seu próprio passado no seio de uma metrópole que não sabe ainda se tem futuro. Será que se corre o risco de criar, também no plano arquitetónico, o equivalente contemporâneo a uma Torre de Babel?

Em termos de imagem e de realidade, o desejo ou a resignação perante o divórcio da Bélgica é um desastre para a Europa. A Europa diminuída de hoje não chega para devolver aos belgas a vontade e o gosto de viverem juntos. Mas flamengos e valões, seja qual for o seu destino, continuarão a ser europeus, isto é, cidadãos abertos e respeitadores do outro. Se ainda houver belgas, têm de se entender e depressa em nome da Bélgica e da Europa.

Reações em Praga

O fracasso

"Uma presidência fracassada e euro ignorância", é como a revista Respekt resume a presidência belga da UE, aliada à demissão de "pré formador" governamental do líder socialista francófono, Elio di Rupo. "É evidente o fim do papel político e diplomático e do prestígio da presidência", nota a revista semanal checa, que recorda igualmente o fracasso da presidência checa (janeiro-junho de 2009), durante a qual o Governo de Praga se demitiu, vítima de uma viragem das coligações. "A presidência [da UE] tem um mero papel representativo", nota a revista, segundo a qual as novas funções do "presidente do Conselho da União Europeia" e do "ministro dos Negócios Estrangeiros", criadas pelo Tratado de Lisboa, não interessam aos títulos da imprensa mais séria, como o Financial Times ou o Frankfurter Allgemeine Zeitung. Deste modo, resume a Respekt, "não é à vitória dos eurocéticos, mas à da euro ignorância que assistimos".

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