E o vencedor é... Beppe Grillo

Ao seduzir todos os cidadãos desiludidos com a política clássica, o antigo comediante venceu a coligação de esquerda de Pier Luigi Bersani, dada como favorita. Encontramo-nos agora perante um novo ator tanto incontornável como imprevisível.

Publicado em 26 Fevereiro 2013 às 12:45

O que é certo, nestas eleições, é que Beppe Grillo venceu por uma diferença considerável. As urnas produziram uma enorme revolta contra as elites. Pelo menos um em cada quatro eleitores votou na lista do comediante barbudo, que foi poucas vezes anunciado nos institutos de sondagem, também eles considerados como fazendo parte da elite. E não se pode reduzir tudo a uma questão de estômagos, apesar destes estarem tanto revoltados como vazios. Esta atitude esconde sentimentos, não apenas ressentimentos. Também há a esperança de que os parlamentares do Movimento 5 Estrelas [o partido de Grillo] sejam diferentes, que em vez de encherem os bolsos passem a ouvi-los: os outros não o faziam.

É como se, a partir de milhares de secretárias, se tivesse ouvido o grito de milhares de almas solitárias conectadas entre elas por uma ligação de Internet. Uma emoção virtual que, com o tempo, se tornou uma manifestação de protesto que reúne indivíduos que se consideram incompreendidos e dominados por uma sombra surda de tantos centros de interesse: a classe dos políticos, jornalistas, banqueiros e favorecidos.

Bolsos cheios de vales de oferta

Cada membro da comunidade de Grillo tem uma história e um fracasso diferente: há o que perdeu ou nunca arranjou emprego, ou não tem confiança no futuro, no Estado e nos organismos intermediários, como os partidos e os sindicatos. Não odeiam a política, mas os que exercem nesta área há demasiado tempo, sem ter o mínimo de competência e autoridade moral.

Estas almas solitárias desoladas nunca receberam qualquer atenção, Grillo fez com que isso mudasse. Primeiro com um “vaffanculo” [“Vai-te lixar” – “fuck you”], depois, com uma série de propostas concretas e uma boa dose de utopia. Desenhou paisagens que cada um coloriu ao seu gosto.

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Do ponto de vista da composição social, o seu movimento adapta-se a todas necessidades: em Turim, encontramos Os Alternativos que querem derrotar o capitalismo, em Bergamo estão os patrões das PME revoltados contra o fisco; em Palermo, estão os desesperados e alérgicos a qualquer forma de opressão pública ou privada. Para qualquer mal-estar, Grillo apresenta um formato e uma cara, a sua.

Os profissionais da política não souberam, ou talvez não puderam, oferecer uma alternativa. Bastava implementar algumas reformas a nível interno, nem que fosse apenas por dignidade: uns cortes nas despesas e no número de parlamentares, uma campanha eleitoral que não falasse apenas de montantes, mas também de questões relacionadas com o ambiente, a vida, o futuro. Pelo contrário, divulgaram montantes subjetivos, falaram de Angela Merkel e utilizaram metáforas incompreensíveis, perdendo-se no seu próprio universo.

Na Terra, só ficou um velho empresário, com os bolsos cheios de vales de oferta para o mundo dos sonhos, e um bobo que estudou tão bem o mecanismo de sedução de Berlusconi que conseguiu superá-lo. Grillo escolheu a linguagem do espetáculo, sendo esta a única que os italianos percebem, depois de 20 anos de vazio.

Um grupo de extraterrestres atentos

Mas decidiu utilizá-la para dizer coisas sérias, apoiando-se para tal na sua popularidade, na sua energia e até mesmo nos seus defeitos. A sua própria seleção de candidatos desconhecidos e pouco representativos revelou ser uma vantagem. Se, entre as diversas novas ofertas políticas, a única que teve sucesso foi a dele, foi porque – ao contrário do chefe do Governo cessante, o técnico Mario Monti e o antigo juiz Antonio Ingroia – não recorreu a pseudo-personalidades, tecnocratas frios nem figuras notórias do passado.

Grillo conta com todo o tipo de apoiantes: do sonhador pragmático à vítima crónica. Mas entre os diversos eleitores de última hora, subsistem, penso eu, dois pensamentos aparentemente opostos. Por um lado, o intenso desejo de derrubar o sistema, na esperança que uma nova classe de dirigentes nasça das ruínas das diferentes elites. Por outro, o pensamento racional que consiste em enviar para o parlamento um grupo de extraterrestres extremamente atentos a todos os detalhes, que poderiam vigiar de perto as conspirações do poder.

E agora? O movimento dos fidedignos controladores de gestão é de tal forma recente que continua a ser um mistério para as próprias pessoas que votaram nele. Grillo é o líder absoluto dessa equipa ou será apenas o árbitro, que garante o cumprimento das regras e decide quem deve ser expulso? Será que os parlamentares receberão ordens dele ou, como já o afirmaram todos em coro, apenas do povo da Internet, para o qual submeterão todas as propostas?

A única questão demasiado estúpida para ser colocada é saber se os eleitores do Movimento 5 Estrelas são de direita ou de esquerda. Grillo não roubou votos a outros partidos. Limitou-se a angariar os votos dos que foram abandonados. E para a próxima, serão provavelmente muito mais numerosos.

Comentário

Um voto eurocético

“Uma votação inesperada, não há maioria”, constata o Corriere della Sera, no dia seguinte à votação que permitiu à coligação de esquerda vencer por maioria absoluta na Câmara dos Deputados, mas não no Senado, e afirmou a posição do Movimento 5 Estrelas do comediante Beppe Grillo. Para o editorialista Massimo Franco “foi a vitória de uma Itália eurocética, pelo menos em relação à política de rigor”:

Um terceiro partido conseguiu destacar-se, mas não foi o de Mario Monti: moderado, europeu, pró governamental. Foi pelo contrário o partido radical, contestatário e populista de Beppe Grillo, que obteve percentagens surpreendentes. Mas além do comediante, que conseguiu obter um quarto dos votos, há outro vencedor: Silvio Berlusconi, que apostou na sua própria sobrevivência. E conseguiu, graças a uma série de listas de personalidades influentes que lhe permitiram obter a maioria relativa dos lugares no Senado e uma vitória quase esmagadora na Câmara dos Deputados. [...]

É como se a Itália tivesse interiorizado a ideia de suprimir a democracia e que recusava analisar as consequências internacionais da votação. Pior ainda: decidiu desafiá-las, mostrando-se hostil a uma austeridade avaliada não com base nos seus efeitos benéficos nas contas públicas, mas nos seus efeitos negativos no crescimento e no desemprego. Monti paga o preço elevado pelas suas escolhas controversas, a sua falta de popularidade e a sua inexperiência. Sem acordo estabelecido entre os partidos para instaurar certas reformas, a perspetiva de uma legislatura curta, ou até mesmo muito curta, tornou-se algo muito provável de acontecer. Sujeitando-se portanto a uma colocação sob tutela bem mais traumática do que a em vigor nos últimos meses.

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