Emissões impossíveis?

O programa da ONU está debaixo de fogo por falta de eficácia, enquanto a Comissão procura proteger o seu projeto sobre emissões.

Publicado em 9 Setembro 2010 às 14:59

O sistema de troca de emissões (ETS) é a política mais emblemática da UE para reduzir a emissão de gases industriais com efeito estufa, o núcleo – nos sonhos da Comissão Europeia – de um sistema global de limite máximo e troca. O enorme investimento de capital político europeu neste programa obrigou Connie Hedegaard, a comissária europeia para o clima, a falar, antes da «rentrée» política, quando o ETS se arriscava a sofrer os danos colaterais das críticas dirigidas ao programa de comércio de carbono liderado pelas Nações Unidas.

A suspeita recaiu no mecanismo de desenvolvimento limpo (CDM) das Nações Unidas, um programa que permite aos poluidores dos países ricos cumprirem as metas de redução de emissões impostas pelo Protocolo de Quioto pagando projetos de energia limpa nos países em desenvolvimento. A eficácia deste programa foi posta em causa por ativistas que defendem que alguns dos projetos do CDM encorajam os industriais a produzirem gases poluidores, em vez de os reduzirem.

HFC-23 – 11 700 vezes mais prejudicial que o CO2

A Comissão está cada vez mais impaciente com a agência para o clima das Nações Unidas por causa do falhanço da reforma do CDM, que em 2009 custou 1,9 mil milhões de euros. O programa é tido como um círculo vicioso, permitindo aos países ricos cumprirem as metas gastando o mínimo possível, enquanto as economias em desenvolvimento, desejosas de energia, recebem uma injeção de capital para se tornarem ‘verdes’. Mas os críticos têm apontado várias falhas.

Têm recebido especial atenção os projetos CDM cujo objetivo é destruir o ‘gás de efeito super estufa’ HFC-23 – um indesejado subproduto da produção de gases refrigeradores que é 11 700 vezes mais prejudicial do que o CO2. Os projetos CDM para a eliminação desses gases tornaram-se muito populares. Mas o CDM Watch, um grupo de pressão sediado na Alemanha, acusa os industriais de “fazerem batota com o sistema” ao produzirem mais gases HFC-23 só para ganharem os chorudos subsídios que o CDM paga para a sua destruição. O Conselho Executivo do CDM das Nações Unidas rejeita estas críticas e cita as medidas de fiscalização preventivas da produção perversa. Mas admitiu que a adequação dessa fiscalização precisa de ser verificada.

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A Comissão exige que a atuação da ONU seja mais clara. A ansiedade da UE é compreensível. A Europa é, de longe, a maior compradora de créditos CDM, e a mínima dúvida sobre o seu valor manchará o ETS. A reputação e credibilidade do programa europeu sofreram um rude golpe logo no início, quando os Governos distribuíram demasiados créditos, fazendo cair a pique o preço do carbono. O programa conseguiu recuperar deste primeiro revés, mas os investidores estão agora inquietos por outras razões. O mercado de CDM perdeu 59% do seu valor em 2008-2009, em consequência do abrandamento da economia e do impasse nas negociações internacionais sobre o clima, o que gerou incerteza sobre o futuro do CDM. “A confiança do mercado está num ponto muito baixo”, escreveu a Associação Internacional de Comércio de Emissões, em agosto, a Hedegaard, pedindo mais clareza nas intenções da Comissão sobre o CDM.

O CDM não cria incentivos para os países em desenvolvimento

Hedegaard está apostada em sedimentar a integridade ambiental do CDM. Pediu aos seus funcionários que criem medidas que garantam que os poluidores ETS tenham apenas acesso a projetos ambientais credíveis e de grande qualidade. Isto pode significar que os ETS sejam excluídos de alguns projetos (tais como os projetos HFC-23), ou que os preços sejam fixados de maneira a que os projetos de gases industriais valham menos e sejam menos atraentes para os investidores. Espera-se que no próximo outono já haja uma proposta legislativa.

Mas a Comissão tem outros problemas sérios com o CDM. A maior parte destes fundos vai para a China e para a Índia e só uma pequena parte se destina aos países mais pobres de África, por exemplo. Além disso, como disse um alto funcionário, “o CDM não está a criar nenhum incentivo para que os países em desenvolvimento iniciem sistemas de troca por limites máximos de emissões”. A Comissão preferia fazer ‘acordos setoriais’ com as grandes economias emergentes, o que significa que o dinheiro europeu ficaria ligado à redução de emissões das indústrias de energia intensiva, como é o caso do aço e dos químicos, nos países em desenvolvimento. Assim, haveria mais dinheiro do CDM disponível para os países menos desenvolvidos, que são os que mais precisam de fundos vindos do exterior.

O papel da Europa enquanto maior comprador de créditos CDM dá à Comissão alguma influência no que diz respeito à reforma do sistema. Stig Schjølset, um analista sénior do Point Carbon, sublinha que o pedido europeu de créditos CDM dá à UE “uma moeda de troca” nas negociações internacionais de que não quererá abrir mão, exigindo alguma coisa em contrapartida, como sejam metas mais ambiciosas. Mas a Comissão terá de usar essa moeda de troca enquanto mantém a confiança dos investidores no futuro do mercado de carbono da Europa. Um movimento errado e pode apagar-se o brilho dos tão queridos ETS da UE.

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