Euros falsos produzidos em cadeia

É dos arredores de Giugliano, um reduto da máfia napolitana, que provém quase metade das notas falsas de euros em circulação. Mais de mil milhões de euros foram emitidos por uma rede, cujas ramificações internacionais começam a ameaçar a estabilidade da moeda única.

Publicado em 23 Março 2012 às 13:46

Na Europa, há um pequeno Estado invisível, a norte de Nápoles, que não tem governo, nem fronteiras, nem bancos e que, no entanto, imprime euros. Falsos, claro, mas de reprodução tão fiel que assustam o Banco Central Europeu (BCE) e as forças policiais internacionais.

Num raio de vinte quilómetros da pequena cidade de Giugliano, prospera a maior concentração de falsificadores e tipografias ilegais de todo o continente. De facto, mais de metade do dinheiro falso que circula nos dezassete países da zona euro é fabricado ali, em terras asfixiadas por clãs mafiosos, onde pululam construções clandestinas.

Desde 2002, altura em que o euro foi introduzido, 5,5 milhões de notas falsas foram retiradas de circulação no território europeu, num valor nominal de 400 milhões de euros. Este número pode parecer pouco se comparado com os 14 mil milhões de notas genuínas em circulação.

"Mas as quantidades apanhadas são apenas a ponta do icebergue”, declara uma fonte da Europol, “e a parte que escapa ao controlo é muito maior”. Três a quatro vezes, segundo algumas estimativas. "E as maiores encomendas são destinadas ao Norte de África, Colômbia e Médio Oriente.” Mas, mais do que a quantidade, é a qualidade das notas produzidas pelos falsários de Gugliano que mais seriamente ameaça a moeda única.

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Os falsificadores que valem ouro

Conta-se pelos dedos das duas mãos o número de tipógrafos que sabem imitar os elementos de segurança das notas de vários valores. Para o crime organizado, esses falsificadores valem ouro. Quando consegue atrair um para a sua rede, não o larga. Controla todas as suas ações e passos, até na prisão. A Camorra tolera este tipo de atividade e serve-se dela apenas no comércio de grandes quantidades de cocaína com os traficantes colombianos.

Para montar uma equipa de falsários são necessárias três pessoas e uma lógica empresarial de rigorosa divisão de trabalho. Primeiro, o dono da tipografia, que é também o cabecilha. É ele – geralmente uma figura menor da Camorra – que trata de arranjar uma máquina de offset usada (as mais recentes, em quadricromia, chegam a custar 500 mil euros), a marca de água, as tintas e tudo o mais que é necessário. Segue-se o tipógrafo, responsável pelo fabrico. Finalmente, o distribuidor, um homem de confiança do cabecilha, que se encarrega de gerir o armazém, necessariamente longe da tipografia, e que faz a ligação com os clientes.

A cadeia de distribuição utiliza as mesmas redes da droga. A primeira passagem, do distribuidor para o "grossista", é negociada a 10% do valor nominal. O grossista abastece os intermediários, pequenos criminosos locais ou correios estrangeiros (muitas vezes da Estónia ou da Lituânia), que carregam malas cheias de notas falsas para Espanha, Bélgica e Lituânia; mas podem ser também imigrantes clandestinos, que tentam obter um pequeno lucro com a revenda de algumas notas na estação de Roma ou de Nápoles.

A concorrência búlgara

Metade da produção europeia é fornecida pelos meliantes de Guigliano, que enfrentam a concorrência búlgara. No sul rural e nos arredores de Sófia, a capital da Bulgária, onde a contrafação de dólares é uma tradição antiga, aprenderam agora a fazer notas amarelas de 200 euros de excelente qualidade.

Na zona industrial de Varna, no Mar Negro, a Europol e os serviços secretos norte-americanos descobriram, em janeiro de 2004, uma das primeiras tipografias no mundo capaz de reproduzir essas notas, postas a circular havia apenas dois anos. Oito anos mais tarde, os centros de produção deslocaram-se para os arredores das cidades de Plovdiv e Haskovo, no sul do país.

França e Espanha vêm imediatamente atrás da Itália na produção de dinheiro falso, mas, nesses países, os falsificadores usam impressoras a laser de última geração, tecnologia que abriu o mercado da falsificação de notas a peritos de informática e artistas gráficos de dominam os softwares mais sofisticados.

É preciso não esquecer também as nações "emergentes": a Polónia – onde foram apreendidos, no início desta semana, num apartamento em Varsóvia, um milhão de euros destinados a burlar os espetadores do próximo Campeonato Europeu – e a Bósnia. Turquia, Roménia e Albânia não produzem falsificações, mas fornecem correios que circulam entre Nápoles e Sófia para se abastecerem. Os revendedores mais eficazes pertencem ao meio lituano, que se lembrou de espalhar as notas falsas por todo o país, utilizando as suas redes bem oleadas do tráfico de droga.

Notas falsas inundam o mercado

De acordo com Tzvetan Tzvetanov, ministro búlgaro do Interior, "a falsificação está a tornar-se preocupante para a segurança financeira do euro, devido à inundação do mercado com notas falsas. As condenações não são suficientemente gravosas para os falsificadores”. No entanto, em Frankfurt, os dirigentes do BCE mostram-se serenos.

O volume de moeda falsa apreendido em 2011 é 19,3% mais pequeno do que o de 2010, e as 606 mil notas retiradas de circulação (das quais 215 mil apanhadas em Itália) representam um valor nominal de quase dez milhões de euros, num total de 14,4 mil milhões de notas genuínas. Uma percentagem relativamente baixa de dinheiro falso, na ordem dos 0,0004%.

O dinheiro falso da Europa destina-se agora ao resto do mundo, passando por Espanha e apontando para regiões que têm moedas fracas e um conhecimento muito vago do euro: Médio Oriente, Norte de África e Europa de Leste, sobretudo.

Em África, alguns bancos não sabem distinguir o dinheiro verdadeiro do falso e cambiam os euros por igual, em relação à moeda local. E os chineses? Esses virtuosos da contrafação têm-se mantido, para já, fora do jogo; mas recentemente, declara uma fonte da Europol, descobriu-se que alguns dos hologramas usados pelos búlgaros nas notas de 200 euros tinham sido feitos por falsificadores chineses. Se começam também a imprimi-los, o problema pode passar para uma escala bem diferente.

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