Expulsar a Grécia, uma cura pior que a doença

Obrigar a Grécia a sair da zona euro, erguer uma parede que nos proteja dela e construir a Europa federal? Esta ideia parece seduzir alguns dirigentes europeus. Mas não seria suficiente para regular a crise, e o preço a pagar seria o fim da nossa cultura comum, prevê a editorialista Barbara Spinelli.

Publicado em 22 Fevereiro 2012 às 16:24

Estamos habituados a dizer que, afinal de contas, a falência da Grécia não é o desastre que receávamos ao fim de tantos anos. Que, para esta doença incurável, basta o afastamento e, com isso, retirar Atenas da zona euro, como se fizéssemos uma apendicectomia.

O importante é evitar o contágio e não é por acaso que se fala de guarda-fogos quando se referem os novos fundos europeus de resgate, um guarda-fogo capaz de proteger os sistemas informáticos contra intrusos: os que ficarem lá dentro ficam a salvo dos que, atingidos pela desgraça, estão quase a cair ao mar.

À semelhança da linha Maginot, traçada pelos franceses para proteger o país dos ataques alemães nos anos de 1920 e 1930, o guarda-fogo evoca a ideia do universo fechado de uma clínica e da guerra: a ideia de uma parede inviolável é tranquilizadora, mesmo quando sabemos o que aconteceu à linha de defesa francesa. Caiu com um só golpe. O historiador Marc Bloch falou de uma "estranha derrota" porque o colapso deu-se primeiro nos espíritos, antes da queda da linha Maginot, "na retaguarda da sociedade civil e política", na frente de batalha.

Ninguém acredita neste guarda-fogo irreal

De facto, ninguém acredita neste guarda-fogo irreal que alimenta a imaginação enfraquecendo a razão. Se assim não fosse, a União Europeia não teria tomado a decisão, a 21 de fevereiro, de autorizar o enésimo empréstimo colossal à Grécia. Se assim não fosse, nunca se pensaria em atribuir à UE uma nova arquitetura: mais federal, sob os auspícios de um governo europeu, no qual os Estados-membros delegam mais soberania.

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As coisas avançam lentamente e ninguém se detém no fulcro do problema (os recursos que a UE vai ter para conseguir um programa eficaz de investimentos).

Às vezes temos a impressão de que os "grandes" governos estão à espera da falência da Grécia para construírem uma UE à medida dos seus desejos. É esta a tese avançada por Kenneth Rogoff, o economista entrevistado pelo Spiegel: assim que Atenas for expulsa da UE, os Estados Unidos da Europa vão poder concretizar mais depressa o que tinham previsto, graças à crise. Mas será possível a verdadeira emergência de uma nova União Europeia sobre as cinzas da Grécia? E que UE será esta sem a pressão da crise grega?

Por enquanto, Atenas vive uma tempestade e, com a multiplicação dos planos a curto prazo, fragiliza a zona euro e a própria ideia de uma Europa solidária na adversidade. Esta última faz mal em querer formar uma federação se a primeira atitude for mandar sair os países que não saírem. A operação "guarda-fogo" é dolorosa para a Grécia, mas também para a Europa.

Foi o que Mario Blejer e Guillermo Ortiz, dois antigos banqueiros importantes da Argentina e do México, referiram nas colunas de The Economist, ao lembrarem aos europeus o custo da falência de Buenos Aires, em 2002, e as diferenças entre o desmoronamento da Argentina e aquele que se receia na Grécia. De facto, a Argentina viveu seis anos de crescimento depois da desvalorização da moeda nacional e da desindexação do dólar mas, na altura, não havia uma recessão mundial como a de hoje.

A recuperação financeira prolongou-se durante uma década e o peso continua a ser a moeda do país. Em contrapartida, o dracma já não existe e o seu regresso seria um terrível golpe para o país (com as dívidas gregas contraídas em euros, seria possível pagá-las com um dracma desvalorizado?). Segundo os banqueiros entrevistados, esquecemo-nos das vistas curtas do Fundo Monetário Internacional e da duração do craque argentino.

Um rancor cheio de agressividade

Como é possível a Europa ter chegado a este ponto? Será a economia que vacila, a classe política que está enferma, ou esta não é a sua cultura? De facto, com estas três fragilidades, a Europa vai chegar ao fim de uma provação mais reforçada, ou vai degenerar, de acordo com os remédios aplicados simultaneamente aos três males – economia, cultura, política.

No plano cultural, fizemos um recuo de 90 anos nas relações europeias. Quando ouvimos os cidadãos, temos a impressão de recuar aos planos nacionais dos anos de 1920 e 1930. Sente-se um rancor cheio de agressividade. Há meses que as primeiras páginas dos jornais gregos chamam nazis aos dirigentes alemães.

Ao mesmo tempo, Atenas desenterra a questão das reparações de guerra que Berlim nunca pagou à Europa ocupada por Hitler. Isto é esquecer o que aconteceu em 1945, quando reiterámos a nossa confiança à nação alemã e nos lançámos na unificação da Europa. Esta confiança tinha um significado preciso, inclusivamente um significado financeiro.

As reparações de guerra, sendo uma maldição para a Alemanha do pós Primeira Guerra Mundial e tendo-a mergulhado numa ditadura, já não deviam existir (Israel é um caso à parte).

O que combinámos em relação à Alemanha, em 1945, por razões estratégicas, e visto que a cultura política se alterou, não conseguimos manter hoje em relação à Grécia. Os erros de Atenas não são crimes e, no entanto, a Grécia vai ter de os expiar e de os pagar. Até as eleições neste país são vistas com maus olhos.

As reparações exigidas são brutais e provocam cólera e ressentimento. É manifesto que não se percebe quais as razões estratégicas que justifiquem a manutenção da Grécia na Europa: para isso, teríamos de ter uma visão do mundo, e a cultura de hoje já não é a dos anos de 1945-1950.

Esta regressão tem um impacto desastroso na política. Como será possível a emergência de uma Europa federal quando se impõe uma cultura desligada dos ensinamentos que os europeus retiraram de duas guerras mundiais? A escolha de um presidente como Joachim Gauck, na Alemanha, é uma boa notícia, visto que a população alemã contribuiu para este clima de suspeita, mesmo que algumas vezes se justifique. A Europa precisa de cidadãos esclarecidos e dispensa bodes expiatórios.

Precisa de um crescimento diferente, comum e dispensa anos de recessão, de hostilidades intestinas, de hesitações da democracia. Se assim não for, estará votada a conhecer, por seu turno, uma "estranha derrota", com origem na retaguarda da sociedade civil antes de avançar para a linha de defesa erguida ao longo das paredes anticontágio.

Visto da Irlanda

Resgate da Grécia é uma "ilusão"

O resgate da Grécia de 21 de fevereiro, no montante de 130 mil milhões de euros não deixou convencido o conceituado economista irlandês David McWilliams, que escreve no Irish Independent:

Em tempos, Sigmund Freud salientou que ‘acolhemos as ilusões porque nos poupam sentimentos desagradáveis, permitindo-nos em troca gozar de satisfações. Por isso, não nos podemos queixar se, um dia, elas colidirem com alguma parte da realidade e nela se despedaçarem’.

A Europa e a UE irão passar em breve por uma dessas ‘colisões com a realidade’. A realidade do último contrato com a Grécia é que este irá afundar mais os gregos e, à medida que a economia local se contrair ainda mais, as engrenagens desse acordo vão estilhaçar-se.

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