Estou toda suja de terra, num sub-bosque húmido, na ponta da floresta do condado de Devon, um dos mais bonitos – mas também dos mais chuvosos – de Inglaterra, e o pior é que sou voluntária. As minhas galochas são pelo menos três números acima do meu pé e continuam desesperantemente húmidas no interior, com lesmas de tamanhos impressionantes a subirem por elas acima. Não há nenhum texugo à vista. Começo a fazer em mil pedaços as folhinhas e as ervas sob os meus pés. Está enevoado, congelo e começo a questionar-me. O que faço aqui, sentada ao lado de um velho agricultor, de pé sobre uma toalha, no meio da floresta, à espera que um texugo saia da toca?
A resposta é simples: tornei-me uma Wwoofer. Este acrónimo, ao contrário do que parece, não remete para o universo canino. Wwoofsignifica : "World wide opportunities on organic farms". É uma organização dedicada ao apoio e divulgação da cultura biológica no mundo inteiro e foi fundada em Inglaterra, em 1971. Na altura, era necessário pagar algumas libras esterlinas para aderir ao grupo e esperar que a chegada por correio de um caderninho onde constavam todos os agricultores biológicos de Inglaterra filiados na Wwoof. Após alguns telefonemas e um par de emails, agendavam-se as férias numa quinta sem organismos geneticamente transformados.
Uma rede mundial
Quase quarenta anos depois, a rede Wwoof estendeu-se ao mundo inteiro. Mali, Reunião, América do Norte ou Chipre – quase todos os países estão representados na lista das explorações agrícolas biológicas, e todos os dias há novas adesões. No entanto, as despesas de inscrição (20 euros) mantiveram-se. Uma vez chegados ao local escolhido, é necessário trabalhar quatro a oito horas por dia, todos os dias, em conjunto com os agricultores, para pagar alojamento e comida. No resto do tempo, fica-se livre para explorar os arredores. Quatro horas na monda ou na limpeza de estábulos são assim recompensadas por uma vista espantosa sobre os Pirinéus franceses ou as quedas do Niagara.
Na minha segunda experiência de Wwoofing, encontrei Roy, velho caçador de texugos, que vive numa caravana verde, romântica, com vista sobre as vastas florestas do Devon. Uma horta bem tratada, duas salamandras a lenha, um chuveiro ao livre ar engendrado pelo proprietário, e as melhores framboesas de toda a Inglaterra completam o quadro bucólico (sem esquecer o incontornável “fried breakfast”). Quando o sol não aparece, não há electricidade nem água quente. Para nos lavarmos, Roy explica-me que tenho de ir aos banhos públicos da cidade mais próxima. A fonte ao lado do vasto terreiro há muito tempo que secou (para que servem as bombas de água?), mas acredite-se ou não, este pedaço de paraíso chama-se “Waterland”.
"When are you coming back ?"
A primeira vez que ouvi falar do projecto Wwoof, tinha acabado de passar na admissão à faculdade e só pensava numa coisa: ir para o estrangeiro. Com um par de calças e algumas T-shirts na bagagem, parti para a Provença durante o Verão mais quente da década, para ir fazer a manutenção de uma horta numa quinta de montanha. Alguns dias e muitas picadelas de mosquitos depois, estava já perfeitamente mergulhada no microcosmo da exploração agrícola biológica. A partida, três meses depois, foi por isso difícil e, assim que regressei à Alemanha, já estava a projectar a próxima viagem. Deveria ser pela Inglaterra, mais precisamente pelo Devon, Cornualha e Somerset. Uma coisa que metesse chuva.
Ao contrário das ideias feitas, os agricultores biológicos são, na sua maioria, homens extremamente inteligentes e dinâmicos, que um dia descobriram por acaso o seu amor pela horticultura. Para além de alguns economistas e antigos directores de empresas, travei conhecimento com professores universitários e microbiólogo, que, a certa altura das suas vidas, renunciaram à carreira para se consagrarem à cultura da batata. Uma vida mais saudável pressupõe de facto uma deslocação para o campo, um conceito que me agradava bastante.
Já deixei de ser jovenzinha há bastante tempo e sinto-me congelar. Arrisco uma pergunta tímida: os texugos irão pôr o nariz de fora num dia como o de hoje? Roy manda-me calar. O som da minha voz pode assustar os animais. Quando, por fim, uns minutos depois, me sento na caravana para devorar um prato de lentilhas à colher, reconheço que, apesar das minhas piadas parvas, o meu anfitrião acaba de me ensinar os rudimentos sobre as constelações, a noite e as estrelas.
Alguns dias depois, estou na Cornualha e recebo um SMS: “Seen a badger yesterday. When are you coming back?” Voltei a ver o Roy algumas vezes. E nunca vi um texugo. Mas foram sempre pretextos para voltar a calçar as minhas galochas de borracha!