Artigo de opinião da juíza francesa, Eva Joly, publicado no Monde sobre a crise islandesa. Foi afixada em Reiquiavique, a 2 de Agosto de 2009. (Adman_as)

Islândia parece um limão espremido

Será que a Islândia e a Letónia vão conseguir pagar a dívida externa acumulada por uma ínfima parte da sua população? A União Europeia e o FMI aconselharam a substituição das dívidas privadas por obrigações públicas e o pagamento através do aumento dos impostos, redução da despesa pública e obrigando os cidadãos a utilizar as suas poupanças.

Publicado em 17 Agosto 2009 às 14:54
Artigo de opinião da juíza francesa, Eva Joly, publicado no Monde sobre a crise islandesa. Foi afixada em Reiquiavique, a 2 de Agosto de 2009. (Adman_as)

O ressentimento é crescente não apenas em relação a quem acumulou dívidas – o Kaupthing e o Landsbanki, os bancos islandeses que abriram falência, com as suas contas no Icesave e os grandes proprietários nos Estados bálticos e na Europa Central – mas também em relação aos credores e consultores estrangeiros, que pressionaram estes dois governos a vender os bancos e as sociedades anónimas a quem tinha acesso a informação privilegiada. O apoio à adesão da Islândia à UE caiu para pouco mais de um terço da população. Entretanto, na Letónia, a coligação Centro Harmonia, a primeira desde a independência a incluir uma larga percentagem de falantes do russo, alcançou a maioria em Riga e passou a ser o partido mais popular do país. Os protestos nos dois países provocaram um aumento da pressão política no sentido de se limitar o endividamento para níveis razoáveis.

Esta pressão política atingiu o limite durante o fim-de-semana no parlamento, em Reykjavik. O parlamento chegou a um acordo, que será formalizado dentro de uma semana, e que restringe brutalmente os pagamentos ao Reino Unido e à Holanda em compensação pelo caucionamento da dívida dos seus depositantes no Icesave. Este acordo é o primeiro desde a década de 1920 a fazer depender a dívida externa da capacidade de pagamento do país. Os pagamentos da Islândia ficam assim limitados a seis por cento do produto interno bruto de 2008. Se os credores empurrarem a economia islandesa para a austeridade, não haverá crescimento nem condições para se pagar a dívida.

Há um limite à economia em termos de saída de divisas. Impostos mais elevados não significam que o Governo possa traduzir esta receita em moeda estrangeira. Esta realidade reflecte-se na posição da Islândia relativamente à sua dívida para com o Icesave – que se estima ascender a metade do PIB. Será que o Reino Unido e a Holanda vão aceitar as condições da Islândia? Segundo Keynes, tentar retirar mais serviço de dívida do que aquele que um país está em condições de pagar requer um regime financeiro e fiscal extractivo que, em contrapartida, daria azo a uma acção política nacionalista que libertasse o país do jugo dos credores.

Está em curso um princípio económico pragmático: uma dívida que não pode ser paga, não será paga. Resta saber como é que estas dívidas não vão ser pagas. Serão perdoadas? Ou será que a Islândia, a Letónia e os outros devedores vão entrar num período de austeridade para conseguirem obter um excedente económico que evite a falta de pagamento? Esta última opção é capaz de levar os países endividados por novos caminhos. Eva Joly, a procuradora francesa responsável pela resolução da crise bancária islandesa, afirmou este mês que ao país pouco mais resta do que os seus recursos naturais e a sua localização estratégica: “A Rússia, por exemplo, é capaz de achar isso muito interessante.” Os países do antigo bloco de leste já começaram a testemunhar a fuga de votos da Europa como reacção às políticas destruidoras apoiadas pela UE.

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DEMOGRAFIA

Crise desencadeia "baby boom"

Pouco mais de nove meses depois de o sector bancário islandês se ter desmoronado, arrastando a economia da ilha nesta queda, a Islândia está em pleno “baby-boom”,relatao Financial Times. Os partos cresceram 3,5%, em 2009, em relação à mesma época do ano passado; e se as islandesas mantiverem este ritmo, o país poderá registar a sua mais elevada taxa de natalidade dos últimos 50 anos. Os analistas evocam diferentes razões para explicar o fenómeno, prossegue o FT. Alguns sugerem que a família funciona como um refúgio em período de crise, outros afirmam que o tempo disponibilizado pelo desemprego se presta à procriação. Mas todos saúdam o nascimento destes "kreppa babies", os filhos da crise, como um testemunho da confiança dos islandeses no futuro.

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