Barbara Matera ocupou o seu lugar no Parlamento Europeu a 14 de Julho de 2009 (EP)

Lindas bonecas a fazer política

Há meses que a Itália vive abalada pelos escândalos sexuais do seu primeiro-ministro. A atracção pelas meninas em trajes menores ultrapassa, porém, e largamente, o folclore berlusconiano. Dir-se-ia mesmo que invade a sociedade. Face a tal fenómeno, o "segundo sexo" tem dificuldade em revoltar-se, constata o cafebabel.com.

Publicado em 25 Setembro 2009 às 13:28
Barbara Matera ocupou o seu lugar no Parlamento Europeu a 14 de Julho de 2009 (EP)

Mesmo quando está à beira do precipício – no qual nunca cai, segundo dizem as sondagens –, Silvio Berlusconi não consegue evitar olhar para as mulheres como presas, sejam elas damas da noite ou ministras. "Nunca paguei a uma mulher. Não percebo qual é o interesse, se não houver o prazer da conquista", argumenta perante a imprensa, em resposta às afirmações de Patrizia D’Addario. Esta corista declarou, recentemente, que tinha passado a noite com o primeiro-ministro italiano, no preciso momento em que Barack Obama era eleito Presidente dos Estados Unidos. Há algumas semanas, em pleno torpor do Verão, Berlusconi espetou a farpa: "Os jornais estão sempre a dizer que eu detesto as mulheres. Ora se há uma coisa de que gosto, são as mulheres, mesmo as ministras".

O "Papigate" [de "papi", paizinho, nome dado a Berlusconi por uma menor] ultrapassa de longe o folclore berlusconiano: é uma verdadeira revolução antropológica e cultural, conforme explicam os documentários de Erik Gandini, autor de Videocracy, e da dupla Lorella Zanardo e Marco Malfi Chindemi, realizadores de "Il Corpo delle donne" (O corpo das mulheres). Os tais corpos de mulheres com que se deleitam os media italianos. Sempre as mesmas formas: provocadoras, reluzentes, exibicionistas e extremamente cuidadas. São aduladas e são ridicularizadas. Quem não se rir, faz figura de frustrado perante a sociedade.

"Veline", "meteorine", "letterine": ícones televisivos

A Itália de Nilde Lotti e Tina Merlin [Lotti foi militante do Partido Comunista e a primeira mulher a presidir à Câmara dos Deputados; Merlin foi jornalista, escritora e membro da Resistência durante a guerra] já lá vai. A Itália de hoje venera categorias socioprofissionais desconhecidas noutros países. "Veline", "meteorine", "letterine" e "letteronze" são termos que designam estas "ninfetas" do pequeno ecrã, às quais se atribui hoje o estatuto de ícones populares e que são convidadas até para a política, após uma revisão do "look", com o êxito que se sabe.

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O caso mais conhecido é o da ministra da Igualdade de Oportunidades, Mara Carfagna. Antiga modelo dos calendários de nus de Max, gosta de recordar a importância da trilogia "Deus, pátria, família" e faz o elogio de "Roma, berço da cristandade". O percurso da jovem deputada europeia Barbara Matera também é pouco ortodoxo aos olhos de Bruxelas. Nascida em 1981, foi actriz de série B, apresentadora da RAI e finalista regional de Miss Itália. O seu currículo, publicado no site do Parlamento, está tristemente vazio, tal como as páginas sobre a sua actividade política. A única certeza é que a bela deputada está prestes a obter a licenciatura, aos 28 anos: "Em 2009, com os últimos exames universitários feitos, aceita candidatar-se ao Parlamento Europeu nas listas do Povo da Liberdade (PdL) região Sul. O tema da sua tese será a Reforma do Parlamento em Itália".

Francesca Pascale, antiga apresentadora do programa Telecafone ("tele-incorrecto", num canal local) pela frase agora de culto "Se abbassi la mutanda si alza l'auditel" (Se baixares as calcinhas fazes subir as audiências). Foi também fundadora do comité "Silvio, temos saudades tuas", de apoio a Berlusconi, quando este estava na oposição. Hoje, é conselheira municipal em Nápoles, pelo PdL, e colaboradora do Gabinete de Imprensa do Ministério do Património Cultural..

As feministas não conseguem fazer-se ouvir

Resumindo, motivos de revolta não faltam. E, no entanto, que é feito das mulheres, no meio desta confusão? E das feministas?Há muito quem faça estas perguntas, a começar pelas primeiras interessadas. Depois do debate lançado no diário L’Unità, a 12 de Agosto, pela directora daquele jornal, Concita De Gregorio, e pela politóloga Nadia Urbinati ("Temos de começar tudo de novo, partindo do essencial. Lançar um apelo, por exemplo. Algumas mulheres estão a preparar-se para o fazer: lançar um apelo não está fora de moda. Comecemos por não ser dóceis. Temos de recomeçar a partir daqui."), e das intervenções de escritoras, actrizes e professoras universitárias (a últimas das quais de Chiara Volpato, professora de Psicoligia na Universidade de Milão, na edição de 26 de Agosto do diário The New York Times, o debate parece ter sido relançado. Mas não renovado: é feito de apelos e contra apelos, de comentários e de algumas conferências. Mais nada.

Apesar de, em Itália, haver muitos e muito activos grupos feministas, estes não conseguem fazer-se ouvir. Ou, quando o conseguem, não são capazes de congregar o apoio das novas gerações. Faltam-lhes não apenas locais de reunião – à excepção da Casa Internacional das Mulheres, de Roma – mas também uma nova abordagem à política. Uma abordagem mais estruturada, menos assente em testemunhos e mais na mobilização e no recrutamento de novos membros, utilizando meios tradicionais e outros mais modernos, como as redes sociais. Pode perguntar-se, parafraseando Henry Kissinger, "a quem é que tenho de telefonar para falar com o movimento das mulheres?".

Giulia Lasagni

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