A chanceler alemã Angela Merkel e o primeiro-ministro espanhol Mariano Rajoy.

O jogo de poker do resgate espanhol

A união bancária sobre a qual os líderes europeus chegaram a acordo, a 18 de outubro, é apenas uma peça de um jogo mais amplo que também inclui o controlo dos orçamentos nacionais e o papel do BCE. E o fim das manobras é saber se, e como, Espanha pedirá um resgate.

Publicado em 19 Outubro 2012 às 14:40
A chanceler alemã Angela Merkel e o primeiro-ministro espanhol Mariano Rajoy.

Será que o primeiro-ministro Mariano Rajoy se vai decidir a solicitar o segundo resgate da economia espanhola durante a cimeira que ontem começou em Bruxelas? Esta é a pergunta que vale um milhão. Correndo o risco de ter de me emendar amanhã, a minha opinião é que não o fará. Porquê?

O motivo não é, a meu ver, como muitas vezes se diz, que Mariano Rajoy seja um indeciso que está permanentemente a desfolhar o malmequer. A razão mais plausível é que tenha sabido compreender que o resgate tem muito de jogo de poker, um jogo em que é preciso saber esconder e jogar bem a nossa carta e obrigar os outros jogadores a mostrarem as suas. E garanto-lhes que ninguém vai mostrar cartas nesta cimeira.

Os negócios de uns, os interesses de outros

Em Espanha há muita gente, especialmente as elites financeiras, que acredita que não há nenhuma carta para jogar e que o mais adequado é que, de uma vez por todas, se peça o resgate. Deixando de lado o facto de muitos deles defenderem o resgate porque isso convém aos seus negócios e sabem que não pagarão as condições, a verdade é que Espanha tem, sim, uma carta para jogar.

Apesar de haver motivos para criticar o governo pela maneira como está a gerir a crise, neste caso deixem-me levantar a lança para o defender. Mariano Rajoy compreendeu que a carta do resgate lhe dá jogo, mas antes de a mostrar vai forçar os outros jogadores a destaparem as suas: a união bancária europeia, o novo fundo de resgate, a intervenção do BCE, ou o controlo dos orçamentos nacionais.

Newsletter em português

A Alemanha não quer jogar a carta da união bancária (possivelmente porque os seus bancos são como um queijo gruyère) e prefere jogar a carta do controlo dos orçamentos nacionais por um super ministro europeu. França opõe-se porque não quer a hegemonia alemã e exige, primeiro, a união bancária. Nesta nova guerra franco-prussiana os pontapés entre eles vêm parar no nosso traseiro.

De facto, os elevados juros da dívida espanhola, ou seja, os custos adicionais que o Tesouro espanhol tem de pagar para se financiar, não se devem apenas à enfermidade espanhola, mas também a essa guerra franco-prussiana que ameaça o euro. Uma parte desses custos adicionais responde ao temor dos investidores de que o euro acabe por colapsar.

Partida de poker

Como já vimos, depois de Mario Draghi ter dito que o BCE fará tudo o que for necessário para salvar o euro, os juros da dívida espanhola foi baixando. Um indício claro do efeito contagioso do euro.

Mas, apesar de o BCE se dizer disposto a intervir, exigem que sejam os interessados a pedir-lhe que o faça. É como se um hospital público cuja função é atuar por sua iniciativa em casos de infeção contagiosa, exigisse que os próprios doentes infetados lhe pedissem para agir. Não faz sentido. Por outro lado, ainda não se sabe como vai atuar o novo fundo europeu de resgate e que capacidade de fogo terá.

Como disse, estamos perante um verdadeiro jogo de poker. Espanha não deve mostrar a sua carta até que os outros tenham mostrado as suas. Mas ainda não é nesta cimeira que isso acontecerá.

Comentário

Plano de ajuda, refém de Paris e Berlim

"O resgate de Espanha agrava o braço de ferro entre a Alemanha e a França", titula o El País, no dia seguinte ao do início do Conselho Europeu:

O resgate está aí, ao virar da esquina, quase efetivado e dependente apenas do calendário eleitoral de alguns países [...] Mas Espanha resiste a dar esse passo porque Berlim continua a ser o grande temor de Rajoy. O executivo alemão quer ter a última palavra no que diz respeito às condições, para apertar mais ou menos o parafuso, e ser um pouco mais flexível tal como reclama Madrid.

A ajuda a Espanha é, na opinião do diário madrileno, um novo motivo de confronto entre a França e a Alemanha, acrescentando que o presidente François Hollande acusou a chanceler Angela Merkel de adiar a concretização da união bancária para 2014 "por interesses eleitorais", por causa das eleições alemãs que terão lugar no outono de 2013.

Há divergências entre Berlim e Paris sobre a maior parte dos grandes temas. A França quer um resgate imediato da Espanha; a Alemanha prefere esperar. A França que que o acordo de junho passado sobre a união bancária seja absoluta e integralmente respeitado; a Alemanha conseguiu fazer prevalecer a sua interpretação. E assim, ad infinitum. Apesar da chegada de Hollande representar um certo reequilibro das relações de forças europeias, o euro é uma espécie de competição económica de que a Alemanha saiu claramente vencedora.

Tags

É uma organização jornalística, uma empresa, uma associação ou uma fundação? Consulte os nossos serviços editoriais e de tradução por medida.

Apoie o jornalismo europeu independente.

A democracia europeia precisa de meios de comunicação social independentes. O Voxeurop precisa de si. Junte-se à nossa comunidade!

Sobre o mesmo tópico