À pergunta recorrente de quanto dinheiro público tenciona ainda dar aos bancos, o ministro alemão das Finanças responde, com uma expressão sombria: «Não faço ideia. Só saberei a posteriori.» E sempre que, já altas horas, depois de uma reunião do seu gabinete, em Berlim, ou de um Conselho de Ministros, em Bruxelas, alguém lhe pergunta como se sente, Peer Steinbrück deixa por vezes escapar: «Na merda.»
Nos tempos que correm, ninguém inveja a sorte dos ministros das Finanças da UE. De um lado, Washington reclama alto e bom som que revitalizem a economia com mais e mais milhões; do outro, Bruxelas ameaça processá-los por causa do défice público demasiado elevado.Para além disso, os 27 responsáveis pela pasta das Finanças nos países da União, têm de se debruçar sobre uma outra missão de que os seus superiores os incumbiram: conceber novos instrumentos de regulação. A Comissão apresentou propostas, o Parlamento votou uma primeira lei: no futuro, os empréstimos entre bancos ficarão limitados a 25% dos capitais próprios. E no momento da venda de títulos de risco, o banco é obrigado a ficar com pelo menos 5%.E é assim: por agora, é tudo. As hipóteses de os efeitos anunciados serem seguidos por outras medidas concretas são diminutas.
Nos círculos próximos dos ministros das Finanças, pensa-se que há uma fissura a atravessar a Europa: uma vez mais, é a velha Europa continental contra os ingleses, os irlandeses e alguns dos novos membros do clube vindos de Leste. São, sobretudo, Londres e Dublin que bloqueiam tudo o que poderia causar problemas à sua indústria financeira. O que é compreensível, dado que, na Grã-Bretanha e na Irlanda, já não existem outros sectores industriais prometedores. Para a Europa, porém, esta via pode revelar-se muito perigosa.
Pelo menos em teoria, quase todos estão de acordo. Até Gordon Brown, o primeiro-ministro britânico, em geral pouco afável, se pronunciou «claramente a favor de um grande passo em direcção à regulação» quando da mesa-redonda de líderes, congratulou-se a Chanceler Angela Merkel. Pena é que, segundo parece, [Gordon Brown] se tenha esquecido de informar os seus ministros, secretários de Estado e funcionários desta mudança de orientação. Ainda assim, a maioria da UE parece decidida a restabelecer o primado da política sobre os mercados financeiros, até aqui largamente desregulados. Para uns, estas propostas vão demasiado longe, para outros são insuficientes. Até a ministra das Finanças francesa, a conservadora Christine Lagarde, detecta lacunas perigosas. Bruxelas tenciona abrir a Europa aos fundos certificados noutras regiões do mundo. Christine Lagarde receia que isto possa vir a revelar-se «um cavalo de Tróia» ao serviço dos fundos offshore oriundos dos paraísos fiscai.
Os ingleses, sempre eles, vêem as coisas de outra maneira. De facto, a guarda pessoal dos fundos britânicos zela por que não sejam impostas demasiadas restrições aos cavalheiros da City, que afirmam: se houver demasiada regulação, iremos instalar-nos noutros mercados, na Ásia ou na América – posição esta fortemente apoiada pelos jornais britânicos. Esta posição é partilhada pelos novos Estados Membros do Leste da Europa, que não têm praças financeiras para defender mas que, do ponto de vista ideológico, se sentem próximos da posição britânico-irlandesa. Muitos economistas do leste, cresceram sob o regime comunista, mas fizeram os seus estudos de Economia (liberal) nos EUA. A resistência por parte da aliança Este-Oeste já registou os seus primeiros êxitos: não haverá certamente um organismo de controlo eficaz ao nível europeu. O controlo vai continuar nas mãos de cada país. A partir de agora, já só se discute para saber em que medida estes controladores nacionais vão trocar informações e quais os critérios que vão utilizar para avaliar os riscos, a fim de intervirem no mercado, se necessário.
«Só os líderes» poderão conseguir que, em Junho, haja acordos sobre algo mais do que «títulos de capítulos sem conteúdo», espera um funcionário de Bruxelas que está a preparar a cimeira. O Presidente francês, Nicolas Sarkozy, gostaria muito de voltar a casa como o «grande regulador.» E a chanceler de Berlim, a senhora Merkel — em plena campanha eleitoral — não pretende decerto ficar de fora. Quanto a Gordon Brown, pelo menos ao nível da retórica, já avançou demasiado para bloquear o processo.
FINANÇAS
As propostas da UE para a regulação dos mercados financeiros
- uma regulamentação mais severa relativamente aos capitais próprios dos bancos, a fim de evitar operações financeiras de grandes dimensões com riscos sobredimensionados;
- obrigatoriedade de registo para os fundos especulativos mais importantes (hedge funds), destinada a, entre outros, divulgar a actividade destes;
- regulamentação de salários e prémios no sector bancário, indexados aos lucros da empresa a longo prazo;
- licença obrigatória para as agências de notação financeira, que deixarão de ter o direito de aconselhar e notar um mesmo cliente;
- um controlo europeu para todos os actores do sector financeiro e uma directiva de regulação comum.