Opinion, ideas, initiatives Cas Mudde sobre as eleições europeias

O populismo não ganhou, mas a fragmentação

Os próximos cinco anos da União Europeia vão ser mais fragmentados do que nunca. Esta fragmentação é a grande lição das eleições europeias de 2019. No entanto, ao contrário da narrativa dominante das últimas décadas, os velhos blocos centristas não confrontam apenas uma infinidade de grupos e partidos populistas antissistema.

Publicado em 14 Junho 2019 às 09:50

Há uma sensação de anticlímax. As eleições europeias de 2019 não trouxeram o que a comunicação social tanto prometeu, isto é, a tomada de posse populista da União Europeia ou, pelo menos, do Parlamento Europeu, o que levou a uma rápida perda de interesse. Alguns artigos ainda declaram o “auge do populismo” ou uma “onda verde”, mas, no fundo, a comunicação social seguiu em frente. Até mesmo Fareed Zakaria, o grande líder da opinião da elite, se ficou por um artigo suave titulado “As crises do ocidente acabaram, mas a fúria populista permanece” (The West’s Crises Are Over, But the Populist Fury Remains).

Contudo, as eleições europeias de 2019 foram interessantes no que refere às continuidades e alterações. Em muitos aspetos, confirmam as tendências recentes a nível europeu, no seio da UE e dos Estados-Membros. Se nos focarmos nomeadamente nas principais semelhanças e diferenças para com as eleições europeias de 2014, é possível ver que das eleições europeias de 2019 saiu um Parlamento Europeu ainda mais fragmentado, que provavelmente vai contribuir para a confusão instalada na UE, apesar da necessidade e urgência de reformas fundamentais.

Continuidade das tendências de 2014

O assunto principal das eleições europeias de 2014 foi, ou deveria ter sido, a fragmentação do sistema político, uma consequência lógica da fragmentação contínua que se verifica a vários níveis nacionais. Hoje, apenas seis dos 28 Estados-Membros da UE (21 por cento) têm um partido que obtém mais do que um terço dos votos (em 2014, eram dez), enquanto apenas uma pequena maioria (16) tem um partido que obteve pelo menos um quarto dos votos. Apenas Malta tem ainda dois partidos com mais de 33 por cento dos votos – na Polónia um dos dois é uma coligação de partidos – enquanto em 16 países (57 por cento) os dois principais partidos juntos não conseguem a maioria dos votos.

As eleições europeias de 2019 também confirmaram o declínio do apoio aos “partidos pilar” da UE, ou seja, os partidos de centro-direita do Partido Popular Europeu (PPE) e os partidos de centro-esquerda da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas. Embora os partidos independentes continuem a integrar e abandonar vários grupos políticos, possam surgir novos grupos (por exemplo, a Aliança Europeia dos Povos e das Nações de Matteo Salvini) e grupos antigos possam desaparecer (por exemplo, o Europa da Liberdade e da Democracia Direta de Nigel Farage), o PPE e a Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas perderam ambos 35 lugares, o que equivale a cerca de 18 por cento do seu total de lugares na legislatura anterior. Mais importante, e conforme previsto, os dois grupos perderam a maioria no Parlamento Europeu.

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Por fim, as eleições de 2019 mostraram que as eleições europeias ainda têm uma importância secundária para as elites e massas europeias. As campanhas eleitorais foram, uma vez mais, mínimas e o pouco que houve focou-se sobretudo em questões a nível nacional em vez de questões europeias. Muitas vezes, os líderes de partidos nacionais foram entrevistados ou convidados para debates, em vez dos candidatos que lideravam as listas do partido a nível europeu. O primeiro-ministro neerlandês, Mark Rutte, que desencorajou o voto na corrida às eleições de 2014, revelou que na sua opinião as eleições europeias “não tinham muita relevância”. No Reino Unido, que decidiu contestar as eleições europeias à última da hora, não houve campanha eleitoral, exceto à nova iniciativa política de Nigel Farage, o Partido Brexit.

Mas como é que a taxa de participação foi tão elevada? Na verdade, a taxa de participação aumentou pela primeira vez desde que o Parlamento Europeu foi eleito diretamente em 1979. Como resposta, o poderoso secretário-geral de Jean-Claude Juncker, Martin Selmayr, declarou em tom triunfante: “A verdadeira vencedora nestas eleições é a democracia”. Os comentadores aplaudiram o “grande aumento na taxa de participação” (um aumento de 8 por cento), celebrando uma taxa de participação média da UE de apenas 51 por cento, que teria ficado abaixo de 50 por cento caso três países não tivessem tornado o voto obrigatório (nomeadamente, a Bélgica e o Luxemburgo).

Também parece um pouco exagerado afirmar que o aumento na taxa de participação revela que a “Europa é um tema debatido e que as pessoas estão mais envolvidas.” A taxa de participação aumentou sobretudo na Áustria (+12,1%), na Alemanha (+13,5%), na Hungria (+14,5%), na Polónia (+23%), na Roménia (+18,9%) e em Espanha (+18,4%). Cinco destes seis países contam com políticas nacionais altamente polarizadas, o que provavelmente justifica o aumento na mobilização. Mas isto não significa que o aumento não seja positivo ou real, apenas que muda muito pouco a imagem geral de desinteresse na política europeia a nível das elites e das massas.

Quebrar a tendência

As eleições europeias de 2019 também quebraram a tendência anterior em dois aspetos importantes. Em primeiro lugar, os ganhos foram muito abrangentes e uniformes entre os partidos antissistema e pró-sistema desta vez. Enquanto os partidos populistas tenham sido os claros vencedores em 2014 e, ainda que em menor medida, em 2009, estes obtiveram ganhos modestos em 2019. Além disso, o Grupo dos Verdes/Aliança Livre Europeia (Greens/EFA) e, nomeadamente, a Aliança dos Liberais e Democratas pela Europa (ALDE) também estiveram entre os grandes vencedores, com 23 e 41 (incluindo o En Marche de Emmanuel Macron), respetivamente.

Curiosamente, enquanto a comunicação social enaltece a “onda verde”, não houve muita simpatia para com os liberais. Muitos meios de comunicação louvam a “onda” verde e a “revolução silenciosa” que irá “transformar a política energética.” Alguns chegam mesmo a apresentar os verdes como “uma resposta à alteração climática e à extrema-direita.” Talvez sejam, mas para já essa resposta é apenas (moderadamente) popular nos Estados-Membros do noroeste da Europa. Os verdes não “obtiveram um aumento surpreendente na Europa”, uma vez que estão praticamente ausentes no Leste e Sul da Europa. À exceção da Lituânia, os poucos membros dos partidos Verdes/EFA destas regiões não são ambientalistas, mas regionalistas e piratas (Partido Pirata Checo). No Noroeste, os verdes são, na melhor das hipóteses, uma força política de média dimensão. Estes não constituem o principal partido em nenhum Estado-Membro e apenas na Alemanha são o segundo maior partido.

Por outro lado, os liberais são uma força política mais pan-europeia. Primeiro, o ALDE tem partidos bem-sucedidos por toda a Europa, desde o Venstre na Dinamarca ao Ciudadanos em Espanha e dos Liberais Democratas no Reino Unido à coligação Aliança 2020 na Roménia. Segundo, têm primeiros-ministros em vários Estados-Membros da UE (incluindo na República Checa, França e Países Baixos), que lhes dão voz no (mais poderoso) Conselho Europeu e também na Comissão Europeia. Na verdade, os liberais estão a tentar utilizar o seu novo poder político para ter mais influência nos cargos de topo em Bruxelas.

Não só os populistas tiveram de partilhar a luz da ribalta com os verdes e os liberais, os seus ganhos foram muito mais modestos do que o previsto, ainda que tais expetativas tivessem sido exageradas pelo mediatismo da imprensa. Além disso, os verdadeiros ganhos não foram para os populistas, mas para um subconjunto específico de populistas. Os partidos populistas de esquerda como o Podemos em Espanha e o Syriza na Grécia, que estiveram entre os principais arrivistas em 2014, tiveram um fraco desempenho nas eleições europeias de 2019. O mesmo aconteceu com outros partidos populistas de esquerda de menor dimensão, como o Unbowed em França e o Partido Socialista nos Países Baixos.

Desta vez, a vitória dos “populistas” esteve do lado direito do espetro político, nomeadamente, na extrema-direita. Os partidos populistas radicais de direita aumentaram a sua presença no Parlamento Europeu de forma significativa, sobretudo se compararmos com as eleições de 2014. Há vários motivos para tal. Pela primeira vez, os partidos populistas radicais de direita obtiveram uma grande vitória em vários dos maiores Estados-Membros da UE, nomeadamente em Itália, Polónia e Reino Unido. Depois, entre 2014 e 2019, vários grandes partidos transformaram-se em partidos populistas radicais de direita, incluindo os seus políticos, nomeadamente Viktor Orbán e o Fidesz – União Cívica Húngara na Hungria e Jarosław Kaczyński e o Lei e Justiça da Polónia, mas também Nigel Farage e o seu Partido Brexit no Reino Unido. Por fim, o apoio ao populismo radical de direita aumentou na maioria dos países, de menor e maior dimensão, mesmo que por vezes isso signifique que um partido antigo tenha sido substituído por um novo, como aconteceu nos Países Baixos, com o Partido pela Liberdade de Geert Wilders que foi substituído pelo Fórum pela Democracia de Thierry Baudet. Até a extrema-direita obteve mais apoio, nomeadamente o Partido Popular Nossa Eslováquia de Marian Kotleba (12,1%) e o ELAM – Frente Popular Nacional no Chipre (8,3%), embora os partidos neonazis tenham perdido dois lugares e um partido (Partido Nacional Democrático da Alemanha) no Parlamento Europeu.

Os próximos cinco anos

Os próximos cinco anos da União Europeia vão ser mais fragmentados do que nunca. Esta fragmentação é a grande lição das eleições europeias de 2019. Pela primeira vez na história, o PPE de centro-direita e a Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas de centro-esquerda não controlam a maioria dos lugares no Parlamento Europeu. No entanto, ao contrário da narrativa dominante das últimas décadas, os velhos blocos centristas não confrontam apenas uma infinidade de grupos e partidos populista antissistema. Na verdade, segundo as previsões atuais, os liberais pró-sistema do ALDE e os Verdes/EFA regionais são os terceiros e quartos maiores blocos no Parlamento. Além disso, até os populistas de direita continuam divididos em pelo menos dois, e possivelmente três novamente, grupos políticos.

No entanto, as divisões entre os vários grupos políticos em Bruxelas mostram apenas parte da fragmentação. Os grupos políticos presentes no Parlamento Europeu sempre foram uma combinação de relações ideológicas e considerações estratégicas, contudo, hoje, são mais heterogéneos do que nunca. Embora a taxa de votação tenha sido notavelmente elevada, pelo menos nos grupos principais, as sucessivas alterações nos grupos podem enfraquecê-la. Por exemplo, no PPE os partidos da Europa Central e Oriental culturalmente mais conservadores constituem agora três das quatro grandes frações, enquanto três das cinco maiores frações na Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas pertencem a partidos antiausteridade do Sul da Europa. Até mesmo os pequenos grupos eurocéticos de direita estão longe de estar unidos, se considerarmos a sua tradicional fraca taxa de votação. Os Reformistas e Conservadores Europeus são agora dominados pelo Lei e Justiça, após a grande derrota eleitoral dos conservadores britânicos, para angústia de muitos partidos da Europa Ocidental. O ENF recém-transformado em AEPN tem muitos soldados mas poucos generais, tendo em conta que tanto Salvini como Le Pen saíram de Bruxelas. Além disso, se o EFDD sobreviver, continuará num casamento por conveniência, largamente ausente do Parlamento, salvo nos poucos discursos eloquentes de Farage.

A fragmentação do Parlamento Europeu é uma consequência lógica das fragmentações políticas contínuas dos Estados-Membros, confirmando uma vez mais que a política europeia continua essencialmente limitada a uma política nacional. No entanto, ao contrário dos seus Estados-Membros, a UE encontra-se numa encruzilhada, com muitos europeus a acreditar que esta não é suficientemente forte ou fraca. A UE terá de implementar reformas fundamentais para se tornar novamente numa força política positiva. Isto é cada vez mais importante, e urgente, no atual clima internacional hostil, onde Europa é confrontada com desafios significativos em termos económicos e de segurança por parte da China, Rússia e até mesmo dos EUA. Tal não requer apenas uma visão política e coragem, mas também colaboração e confiança. Nenhum destes aspetos foi reforçado pelas eleições europeias de 2019.

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