Comunidade Voxeurop A crise grega explicada

O que correu mal?

Publicado em 13 Abril 2015 às 09:11

A Grécia foi resgatada durante cinco anos, com muito esforço e dinheiro e com muito pouco êxito. O que correu mal entre Atenas, Bruxelas e Berlim? O diário alemão Die Welt fez uma reconstrução em sete passos.
Os países industrializados e, ainda mais, o FMI, fundado em 1945 com essa finalidade, têm anos de experiência na reabilitação de estados sobreendividados e no estabelecimento de fundações para a sua recuperação sustentável. É verdade que se cometeram muitos erros no passado, mas também se tiraram muitas lições, tantas que antes da crise do euro pensámos que sabíamos o que fazer quando um país estivesse prestes a entrar em falência.
No entanto, em 2010, a crise grega tornou-se a questão da ordem do dia. Pouco depois a crise grega tornou-se a crise da zona euro, uma vez que a Irlanda, Portugal e Espanha também precisaram de ajuda. Mas enquanto no geral os outros países em crise estão no caminho certo, os parceiros da zona euro e as organizações internacionais parecem ter chegado aos seus limites relativamente à Grécia.
A Grécia ficou destruída com o excesso de austeridade – é assim que os gregos e alguns dos principais economistas americanos o veem. A Grécia simplesmente não teve vontade de implementar reformas e pode de qualquer forma obter um novo começo através de uma desvalorização e uma “Grexit” – esta é a opinião de muitos alemães, quer a de partidários do Alternative für Deutschland ou de professores de economia.
A verdade reside algures no meio disso. Uma análise mais atenta revela que muitas decisões tomadas durante o resgate da Grécia foram bem fundamentadas e bem-intencionadas, mas depois produziram efeitos secundários contra produtivos e, muitas vezes, difíceis de antecipar.

1. Concentração excessiva nos números

O Governo grego foi autorizado a ignorar a maioria das reformas estruturais e a focar-se apenas nos objetivos orçamentais, sobretudo porque os governos dos países doadores precisavam de resultados tangíveis para justificar o resgate perante os seus eleitores. O alívio do orçamento da Grécia era a maior prioridade. A austeridade por si só não está errada, mas os seus efeitos para o crescimento foram subestimados, especialmente na ausência das tão necessárias reformas estruturais, que são difíceis de executar porque entram em colisão com os interesses instituídos.

2. Microgestão provocadora

A ajuda para o desenvolvimento e as dezenas de programas do FMI tornaram claro que não adianta forçar um plano de reforma predefinido no país beneficiário. O Governo tem de apresentar ao eleitorado o seu próprio plano de reforma e consolidação, ser “proprietário” das reformas. Este princípio não foi de todo respeitado na Grécia. A ajuda foi condicionada a uma agenda muito detalhada. No entanto, isto foi um ato de autodefesa do ponto de vista da Troika, pois os seus homólogos gregos fizeram poucas propostas e exploraram a ambiguidade do plano de reformas para proteger os grupos de interesse.

3. Cortes orçamentais inapropriados

Os Governos que reestruturaram as suas finanças escolheram, no geral, a forma mais fácil. A Grécia teve várias oportunidades para acabar com várias brechas fiscais que favoreciam sobretudo a riqueza, tornando a cobrança de impostos mais justa e obtendo apoio durante o período de adaptação. Não o fez, provavelmente por medo de uma elite bem relacionada. Além disso, o setor público foi fortemente reduzido através do corte de salários, em vez de postos de trabalho, já que foi utilizado como rede de segurança para os despedimentos do setor privado. Outras reformas desnecessárias e impopulares, como o encerramento da televisão pública, pareceram uma tentativa de descredibilizar a Troika perante os cidadãos.

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4. A passo lento em vez de um “Big Bang”

Uma reclamação comum é que se esperava que a Grécia fizesse demasiado em muito pouco tempo, mas aconteceu precisamente o inverso. Os cidadãos mais depressa aceitam dois anos de privação do que uma agonia interminável. Inicialmente, a Grécia evitou o pior, mas pouco fez para reavivar a economia e atrair investidores para o país. Os problemas continuaram a aumentar.

5. Ignorar os problemas

Não houve um “Big Bang” na Grécia porque, ao longo dos anos que seguiram a introdução do euro, a Comissão Europeia deu muita importância aos critérios de Maastricht em relação à dívida. Fez orelhas moucas aos problemas estruturais dos países da zona euro. Só apenas depois de a crise explodir é que Bruxelas percebeu que mal conhecia a Grécia, nomeadamente, a sua ineficácia na gestão pública. Além disso, a Grécia foi a primeira vítima da crise e foi considerada um caso isolado. Quando outros países foram afetados, o abrandamento económico ainda piorou mais a situação.

6. Um perdão da dívida demasiado hesitante

Os políticos queriam que a Grécia fosse um caso isolado. Os especialistas que observavam que a Grécia não tinha apenas falta de liquidez, mas que também era insolvente, foram ignorados, bem como a ideia de que apenas uma redução substancial da dívida poderia evitar medidas draconianas de austeridade. Os responsáveis políticos tinham medo que os credores dos países em dificuldade se assustassem se fosse concedido à Grécia um alívio da dívida.

7. Falta de previsões

O facto de a UE pensar durante muito tempo que o perdão da dívida seria demasiado perigoso deveu-se também à falta de proteção para o resto da zona euro. As regras orçamentais e relativas à dívida do Tratado de Maastricht não comtemplaram previsões para uma grave crise económica e da dívida. Isto reflete uma certa arrogância europeia. Os dirigentes pensavam que as crises que afetavam os mercados emergentes não podiam ocorrer na Europa. Perdeu-se demasiado tempo até que instrumentos como o FEEF, o MEE e a União bancária fossem criados.
A Grécia está uma vez mais no topo da agenda europeia. Infelizmente, a Troika não tem credibilidade e os gregos estão cansados e menos entusiasmados do que nunca para implementar reformas. Será possível manter o país no euro?

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