Entrada para a Europa. O terminal Eurostar na estação St Pancras, Londres

Os britânicos que amam a Europa

Apesar de o continente ainda estar cheio de britânicos bebedores de cerveja, leitores de tablóides e eurofóbicos, sempre atónitos perante os costumes alheios, começa agora a destacar-se uma nova geração, mais em sintonia com outros comportamentos sociais europeus, defende Mary Dejevsky.

Publicado em 30 Abril 2010 às 12:36
Entrada para a Europa. O terminal Eurostar na estação St Pancras, Londres

Nova Europa foi a expressão elegante criada por Donald Rumsfeld em benefício do esforço de guerra da Administração Bush. Os "europeus da velha guarda" não gostaram dela e ridicularizaram-na, porque insinuava que a Europa se encontrava mais dividida do que realmente estava quanto à invasão do Iraque. Mas não podiam negar que continha uma pontinha de verdade. Havia, na verdade, uma ruptura entre os que apoiavam a cruzada de Bush pela democracia - muito pela sua história recente - e aqueles que olhavam para essa campanha como um desperdício de recursos militares.

No entanto, isso foi naquela época. Agora que a Polónia e a Rússia estão a fazer as pazes, que a Europa Central e de Leste perdeu o gosto por travar as guerras dos EUA e que a Administração Obama está a pôr de lado a ideia das relações especiais, pode ter chegado a altura de enterrar de vez este conceito irritante. Seis anos depois de a União Europeia ter completado o seu maior alargamento simultâneo, as divisões não são tão acentuadas nem tão amargas como eram.

Será possível que, no momento em que a "nova" Europa se funde com a velha, uma nova casta de "novos" europeus, bastante diferentes, esteja a emergir no mais improvável dos sítios, aqui no Reino Unido? Há razões para duvidar mas, inesperadamente, também há razões para – nós, dinossauros pró-europeus – termos esperança.

Interesses consoante as gerações

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Não há muito tempo, queixava-me daquilo que parecia uma imutável estratificação etária dos interesses de política externa britânica. Havia aqueles que se lembravam da Segunda Guerra Mundial e consideravam como principal ameaça o fascismo, sob as suas várias capas. Havia aqueles que cresceram na sombra mais negra dessa guerra – que se tornaram guerreiros audaciosos e frios, que olhavam para o outro lado do Atlântico e que se agarravam à protecção da NATO.

Depois, vinham aqueles a quem se pode chamar os primeiros europeus – nós, que vimos desfilar diante de dos nossos olhos a liberdade de pelo menos metade do continente, que atravessámos cada vez mais audaciosamente as fronteiras que se desvaneciam.

O fracasso miserável da minha geração – europeia –, na minha opinião, era termos sido incapazes de transmitir o nosso entusiasmo àqueles que vieram depois. Claro que houve a queda do Muro de Berlim e uma grande excitação, quando as duas metades da Europa voltaram a unir-se. E havia os voos baratos, que fizeram das férias de bebedeira em Ibiza e em Creta um rito de passagem, e as hordas apressadas dos "vinte e tais" [anos] que iam passar fins-de-semana a Tallin.

Mas esses prazeres pareciam coexistir com a indiferença, a suspeita e até a xenofobia em relação à Europa e à UE. Esta geração parecia não ter consciência de que tais experiências só estavam ao seu alcance graças ao idealismo daqueles que quiseram banir a guerra do continente europeu e criaram as instituições para que isso fosse possível.

Piadas destinadas aos pró-europeus

Até este mês, a hipótese predominante era que a marca de eurocepticismo de David Cameron era uma mais-valia eleitoral e que a tendência do eleitorado britânico ia no mesmo sentido. A posição pró-europeia tradicionalmente descomplexada dos liberais democratas era vista como um risco para o partido e para Nick Clegg.

Até se diziam piadas – não sem um toque de seriedade – sobre o facto de Clegg dominar várias línguas, a sua permanência em Bruxelas, o seu estilo um tanto continental, a mãe neerlandesa, o pai meio russo, a mulher espanhola e os nomes espanhóis dos filhos poderem ser considerados negativos pelos eleitores britânicos mais provincianos.

Falta ver como se vai ele sair. Mas penso que o estilo descontraído e sem marca de classe de Clegg está em sintonia com um Reino Unido – pelo menos com um Reino Unido urbano – que se tornou mais informal e internacional, identificável como europeu até, ao longo dos últimos 20 anos.

Namoro com o estilo americano

Primeiro, houve a oposição à guerra do Iraque, com base em que esta correspondia às prioridades dos EUA e não aos interesses nacionais dos países europeus a cujos líderes foi pedida ajuda. A França e a Alemanha disseram Não. Um grande número de britânicos também disseram Não mas foram ignorados pelo Governo e pela oposição, que agiram em sintonia.

A seguir, foi o "Estado social", que dava preferência à protecção do emprego, menos horas de trabalho e mais igualdade do que os Governos britânicos recentes tinham achado ser do nosso interesse. E, mais recentemente ainda, ao longo do debate sobre maior regulação do sector bancário o público britânico assumiu uma posição mais punitiva do que o Governo e a Oposição – ou seja, um ponto de vista mais continental, segundo o qual não é apenas o crescimento do PIB que define o bom desempenho.

O Reino Unido ficou marcado pelo seu namoro de 20 anos com o estilo americano, a um ponto tal que pode estar a orientar as atitudes sociais e económicas numa direcção mais europeia. E talvez a política esteja também a assumir outra direcção. Foi notável o facto de, sem que nada o fizesse prever, o recente Livro Verde da Defesa do Governo propor relações mais estreitas com a França. Se vier a concluir-se que o eurocepticismo tem um poder de atracção menos forte do que tinha, talvez a minha geração possa reivindicar algum crédito por isso. Afinal, teremos conseguido transformar os nossos conterrâneos ilhéus em europeus.

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