Protestantes espanhóis em frente ao Parlamento, Madrid, 8 junho 2011

Os “indignado”, fogo de palha ou maremoto?

O movimento espontâneo de cidadãos que, desde meados de maio, enviou para a rua dezenas de milhares de pessoas vencerá e mudará os hábitos da democracia espanhola ou limitar-se-á a assumir a função de uma válvula que mostra a inquietação dos jovens?

Publicado em 29 Junho 2011 às 15:09
Protestantes espanhóis em frente ao Parlamento, Madrid, 8 junho 2011

São um fenómeno passageiro ou revolucionaram o sistema, ao ponto de obrigar a uma reflexão profunda sobre os pilares que sustentam esse mesmo sistema? Um mês e meio depois do seu início, numa tarde de domingo, em cidades de toda a Espanha, o movimento social começa a penetrar nas instituições. Maltrapilhos que se opõem ao sistema ou milhares de indignados que têm sólidos motivos para romper o silêncio do descontentamento? O Parlamento ouviu algumas das reivindicações apresentadas pelos "Acampados” da Puerta del Sol [em Madrid, ou "Movimento 15-M"] e repetidas por milhares de jovens, em acampamentos improvisados no centro das grandes cidades e em grandes manifestações de protesto.

A Lei da Transparência, um projeto adiado há várias legislaturas, parece ter saído finalmente do congelador. Na sexta-feira, dia 24, o vice-primeiro-ministro, Alfredo Pérez Rubalcaba, anunciou que o diploma irá ser enviado ao Parlamento. A falta de transparência na gestão pública, a escassa informação sobre as contas nacionais e das regiões e o obscuro funcionamento dos aparelhos dos partidos foram decisivos para o mal-estar dos indignados.

Estes também exigiam que se pusesse termo aos privilégios económicos dos políticos e aos seus vantajosos planos de reforma. E a classe política foi sensível à indignação. Na quarta-feira, dia 22, o Congresso aprovou uma proposta no sentido de as duas Câmaras divulgarem o património dos deputados e senadores e de que se torne mais rígido o regime de incompatibilidades.

15-M pode integrar-se no sistema

Os políticos escutaram igualmente a voz dos acampados no que se refere ao complicado mercado da habitação. Uma subcomissão do Congresso irá estudar medidas destinadas a melhorar o sistema de hipotecas, para controlar as situações abusivas. O Movimento 15-M não é alheio à proliferação das patrulhas de cidadãos que impedem o despejo de famílias e condenam a cláusula bancária que obriga quem não puder pagar as letras a devolver as chaves da habitação e a continuar a pagar a dívida por um andar que já não lhe pertence.

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Para José Félix Tezanos, professor de Sociologia da UNED, "o 15-M pode acabar por se integrar no sistema, através da criação de um partido próprio ou de qualquer outra forma de participação, que envolva uma alternativa real, ou resultar numa explosão de violência semelhante à da Grécia". Tezanos, ligado ao PSOE através da revista Temas, considera que só é possível sair do túnel, se a classe política preferir o consenso às diferenças e "alterar o modelo económico de alto a baixo", partindo da unidade. Com a autorização das autoridades comunitárias? "Ou sem ela", responde Tezanos.

A alteração das estruturas do sistema financeiro e os excessos da banca foram um dos eixos do manifesto do movimento. No entanto, a maioria dos peritos rejeita algumas "soluções radicais e impraticáveis", como a nacionalização do setor bancário e a tomada do controlo das empresas. É esta a principal crítica formulada por Isabel de la Torre, professora de Sociologia da Universidade Autónoma de Madrid, que estende uma tábua de salvação ao capitalismo, recordando que, nos últimos séculos, este tornou possível um bem-estar social que nunca antes tinha existido. Isabel de la Torre pensa que o movimento 15-M confirmou o poder das redes sociais e da Internet e, por outro lado, que podem existir movimentos de massas horizontais, sem hierarquia nem estrutura. "Denunciar o mau uso das instituições, como fizeram estes jovens, está muito bem, mas é preciso que apresentem alternativas viáveis", sublinha.

Não é uma crítica à democracia ou às instituições em geral

Contudo, o 15-M não dispõe de um catálogo de propostas. Ainda está em construção, sublinha Emmanuel Rodríguez, professor de Sociologia da Universidade Complutense de Madrid. Falta-lhe uma grelha de alternativas no que se refere aos partidos políticos, aos bancos, à habitação e ao sistema eleitoral. O que é claro para o M-15 é que "são os mais frágeis que pagam a crise" e que "os benefícios continuam nas mãos de um pequeno grupo de agentes financeiros". O desemprego é o rosto mais visível da crise (há 30 milhões de desempregados na UE) mas os Estados injetam grandes quantidades de dinheiros públicos nos bancos. "Tanto na UE como em Espanha, os interesses financeiros foram colocados à frente dos interesses das pessoas", lamenta Rodríguez.

As exigências do 15-M são heterogéneas e plurais. "Há muitos grupos em discussão. O ‘Democracia Real Ya’ é um deles mas não congrega todas as vontades", sublinha Germán Cano, professor de Filosofia da Universidade de Alcalá de Henares, que colabora com o subgrupo criado para analisar os meios de comunicação externos. "Aquilo que motiva os indignados é o sentimento de mal-estar e frustração. E o 15-M está numa situação que lhe permite canalizar essa indignação. Não propõe uma crítica à democracia ou às instituições num sentido geral e sim à lógica dos partidos." Chegarão os indignados a constituir-se em partido político? Cano mostra-se pessimista: "Não é uma iniciativa que agrade à maioria. Não tanto por ter uma natureza apolítica mas por ter uma resistência radical às mediações."

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