"Mulheres muçulmanas, dispam-se", pedia Inna Shevchenko durante um protesto contra a atitude dos islamitas face às mulheres, no final de março de 2012, em Paris.

Peito à mostra e cabeça erguida

Manifestando-se seminuas, as ativistas do Femen tornaram-se as contestatárias mais conhecidas da Ucrânia. Mas para algumas, como Inna Chevchenko, as pressões são tão grandes que teve de sair do país. Instalada em Paris, abriu um centro de formação, para adeptas de todo o mundo.

Publicado em 20 Setembro 2012 às 15:46
Alexander JE Bradley  | "Mulheres muçulmanas, dispam-se", pedia Inna Shevchenko durante um protesto contra a atitude dos islamitas face às mulheres, no final de março de 2012, em Paris.

"Éramos jovens quando começámos." Inna Chevchenko tem 22 anos. Cruza as pernas e endireita-se na cadeira estreita. Sorri. "Agora, já não sou jovem." Militante do Femen, o movimento feminista ucraniano que se tornou famoso pelos protestos de peito à mostra, chegou a França no final de agosto, acossada, com um visto de turista. Alguns dias antes, em Kiev, esta loira grande e bonita serrou com uma motosserra uma cruz ortodoxa, em apoio às Pussy Riot [russas]. Escândalo, é claro, e ameaça de prisão.

"Homens" começaram a segui-la por toda a parte. "Certa manhã, começaram a forçar a minha porta, peguei no meu passaporte e fugi pela janela", conta. Primeiro foi para Varsóvia, depois para Paris, para o bairro de La Goutte-d'Or, onde fica o Lavoir Moderne Parisien (LMP), um teatro de bairro ameaçado de encerramento. Os gerentes, sensíveis à causa, decidiram emprestar-lhe o espaço gratuitamente, para o Femen montar um "centro de formação internacional", que abriu no dia 18 de setembro.

Vestidas de prostitutas

Exercícios psicológicos, teóricos, desportivos: o programa é muito denso. Inna Chevchenko entusiasma-se: "Queremos formar raparigas que se tornem soldados da causa feminista no mundo." Para ela, a militância resume-se numa palavra: "trabalho".

A primeira manifestação do Femen ocorreu em Kiev, em abril de 2008. Três jovens vestiram-se de prostitutas. Já sabiam que o seu ativismo contra o sexismo e a prostituição passaria por ações de rua. Na universidade, lideradas por Anna Hutsol, de 27 anos, o cérebro do grupo, fundaram uma associação exclusivamente para mulheres, a Nova Ética. Na altura, Inna Chevchenko era estudante de Jornalismo e trabalhava no gabinete de imprensa do presidente da Câmara de Kiev. "Tinha um bom emprego, pagava um apartamento sem dificuldades, era uma rapariga modelar." Oriunda de Kherson, um porto nas margens do Mar Negro, foi seduzida pelo "pop-feminismo" do Femen. O pai é militar, a mãe empregada numa escola secundária e tem uma irmã mais velha.

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Em todas as frentes

Em 2010, o movimento decidiu mudar de estratégia. Algumas passariam a manifestar-se de seios descobertos. A primeira manifestação foi marcada para 24 de agosto, Dia da Independência da Ucrânia. "Tivemos um debate muito longo”, recorda. “Eu não queria fazer aquilo, mas agora acho que foi a melhor das ideias.” Jovens ucranianas, esbeltas e bonitas, a protestarem seminuas? Inevitavelmente, a Comunicação Social acorreu em massa, mais interessada na plástica, considerada perfeita, do que nas reivindicações. "A imprensa é a nossa melhor proteção”, explica. “Quando nos pomos em topless, a nossa mensagem é muito mais divulgada e corremos menos perigo."

Assume: "Na Ucrânia, não há uma cultura de ativismo, tivemos de inventar tudo. Eu sou incapaz de me despir na praia; mas quando me manifesto, sinto que ponho aquele a que chamo o meu ‘uniforme especial’."

A manifestação contra a prostituição, a corrupção ou Dominique Strauss-Khan em França... O Femen surge em todas as frentes. As suas formas de agir são explosivas, mas ainda se mantêm num nível de reivindicações feministas bastante tradicionais. A situação geral das mulheres na Ucrânia, “bonitas, pobres e sem instrução", assim as vê a jovem ativista, é provavelmente a grande responsável. Na maior parte dos casos, são dispersas mais ou menos violentamente pela polícia, mas às vezes as coisas correm mal.

Encapuzadas e deixadas no meio do nada

Inna Chevchenko baixa a voz de repente, hesita um pouco, inclina a cabeça, aparenta menos segurança. No dia 21 de dezembro de 2011, em Minsk, na Bielorrússia, eram três a manifestar-se, em pleno inverno, contra o ditador Alexander Lukachenko. Foram detidas por uma dúzia de homens. Na prisão, interrogaram-nas durante muito tempo, insultaram-nas, ameaçaram-nas, espancaram-nas. À noite, encapuzaram-nas e passaram-nas a outro grupo. Andaram muito tempo de carro, até chegarem a uma floresta. Cala-se por instantes. Os homens aconselharam-nas a respirar fundo o ar fresco, porque era “pela última vez”. Aconselharam-nas a "fechar os olhos e a pensar no sorriso" das suas mães. Cortaram-lhes o cabelo. Mas afinal não as mataram. Abandonaram-nas apenas no meio do nada. Não estavam muito longe da fronteira com a Ucrânia. Chegaram a um pequeno povoado, convocaram os jornais. O embaixador ucraniano foi forçado a repatriá-las.

O êxito mediático levanta suspeitas sobre o Femen. “Disseram que somos financiadas pelo Obama, por Soros e até pelo Putin! Mas isso não é verdade. Temos uma loja online onde vendemos T-shirts. Temos pequenos doadores e tentamos ter todas as despesas pagas quando nos deslocamos ao estrangeiro."

Gostava de levar esta cultura de empenhamento para Paris, onde pensa permanecer enquanto o regresso a Kiev for demasiado arriscado.

Ao fim do dia, Inna Chevchenko diz ter dificuldade em descansar. Lê e relê “A mulher e o socialismo”, de August Bebel, o livro de referência do grupo. O político alemão escreveu o seguinte, em 1883: "A mulher, na nova sociedade, gozará de total independência, [...] será colocada em absoluto pé de igualdade e de liberdade com o homem."

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