Por que está a Ucrânia a eleger a Europa

A sete semanas da cimeira de Vilnius, Kiev dá múltiplos sinais de boa vontade em assinar um acordo de associação com a UE. Ironia da história: o artesão dessa política é o Presidente Ianoukovitch, frequentemente apresentado como pró-russo.

Publicado em 7 Outubro 2013 às 16:08

Perante a pressão política e económica russa, o poder ucraniano procura com firmeza uma aproximação estratégica à UE. O Governo confirmou, por unanimidade, o acordo de associação e de comércio livre negociado com a UE. No início de setembro, o Presidente ucraniano, Viktor Ianoukovitch, dirigiu-se aos deputados, pedindo a aprovação da legislação necessária para a assinatura e ratificação do acordo de associação com a UE. A Rada Suprema [Parlamento da Ucrânia] meteu mãos à obra de imediato.

Há dez anos, no período da Revolução Laranja, quem poderia imaginar que Ianoukovitch e o seu principal apoiante financeiro, Rinat Achmetov, o homem mais rico da Ucrânia, iriam ser os principais impulsionadores de uma aproximação à UE? Poucos o terão feito. O motivo que terá levado estas personalidades a assumir esse papel não é por certo a adesão aos valores da civilização europeia, e menos ainda um sinal de patriotismo ucraniano, mas sim interesses pragmáticos associados a um sábio equilíbrio entre custos e benefícios.

Consta até que, hoje, os grupos de empresas de Rinat Achmetov trabalham intensamente com as grandes empresas europeias influentes para que, por seu turno, estas pressionem os governos dos respetivos países no sentido de estes não bloquearem a assinatura do acordo de associação com a Ucrânia.

Neste momento, Viktor Fedorovitch Ianoukovitch tem uma nova alcunha: Vetor Fedorovitch, numa alusão aos discursos nos quais afirma repetidamente que a Ucrânia já optou pelo vetor da integração na Europa. Como se explica, contudo, a atitude atual do poder ucraniano e dos grandes grupos económicos?

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Os empresários cazaques e bielorrussos falam cada vez mais abertamente do assunto. [[No interior da União Aduaneira Euro-asiática, as empresas russas, que não têm capacidade para competir com as modernas empresas europeias e norte-americanas no mercado mundial, optam pela prática do protecionismo interno]] e afastam do mercado as empresas de cada setor com sedes em países que não sejam membros da União Aduaneira.

Concessão bilateral

Esta questão é importante para a Ucrânia, porque as empresas do país são concorrentes diretas da Rússia, em especial nos setores agroalimentar, químico, da construção automóvel e da metalurgia.

Outro fator que impede a atual elite política e económica de integrar a União Aduaneira Euro-asiática é a ausência de garantias jurídicas e políticas de que a adesão àquele bloco comercial tenha por efeito a descida do preço do gás russo. Apesar de a indústria ucraniana estar muito dependente do preço do gás e de, teoricamente, esse facto poder ser um instrumento importante utilizável pela Rússia nas suas relações com a Ucrânia, é evidente que os documentos de adesão à União Aduaneira não garantem de modo algum o fornecimento de recursos energéticos aos preços do mercado interno russo. Isso só pode verificar-se através de uma concessão bilateral da Rússia e não como consequência direta da adesão à União Euro-asiática.

O que se passa, entretanto, em matéria de possíveis concessões bilaterais russas relativamente à Ucrânia? A questão da confiança mútua é importante. Por várias vezes, Ianoukovitch sentiu-se traído pela Rússia. O chamado acordo de Cracóvia, de 2010, causou um grande ressentimento. Em troca do prolongamento do aluguer das bases militares [russas] de Sebastopol, o então recentemente eleito Presidente ucraniano, Viktor Ianoukovitch, terá conseguido negociar uma alegada redução significativa do preço do gás. Mas a fórmula de cálculo do preço apresentada pela Gazprom transformou esse acordo num fracasso total para o Presidente ucraniano. Hoje, a Ucrânia paga o preço mais elevado da Europa.
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Nesta situação, as questões do respeito pelos princípios e do amor-próprio são importantes. Traído por várias vezes, ou mesmo humilhado (este verão, o Presidente ucraniano esperou por Vladimir Putin durante três horas e o encontro entre ambos durou apenas 15 minutos), Ianoukovitch quer provar ao dirigente russo que é capaz de tomar decisões independentes que não correspondem necessariamente aos interesses russos. E, sobretudo, que a Ucrânia não e uma nova Arménia.

É preciso ainda acrescentar que a atitude pró-europeia do Presidente reforça a sua popularidade nas zonas ocidental e central da Ucrânia, regiões que, de um modo geral, lhe são pouco favoráveis. Esse facto conta muito para Ianoukovitch, tendo em conta as eleições presidenciais de 2015.

Por conseguinte, a situação é paradoxal. Um político que, ainda recentemente, prometia conferir ao russo o estatuto de segunda língua oficial, sem ideologia nem valores declarados, que não promove a identidade ucraniana nem a memória histórica, reforçando a soberania ucraniana, pode, por um enorme acaso, vir a ser o homem que os livros de História irão apresentar como o dirigente que consumou a política “multivetorial” iniciada há 20 anos e que apontou o caminho para a integração do país na Europa.

UE-Ucrânia

Acordo de associação suspenso até à libertação de Iulia Timochenko

Só há um obstáculo no caminho da assinatura de um tratado “histórico” de associação entre a União Europeia e a Ucrânia, considera o EUobserver: o indulto presidencial à ex-primeira-ministra Iulia Timochenko, condenada em 2011 por “abuso de poder” após um processo qualificado de político, que levou a UE a reclamar desde então a sua libertação. No início do mês de outubro, alguns representantes do Parlamento Europeu deslocaram-se até Kiev para entregar ao Presidente Viktor Ianukovitch uma carta onde a antiga opositora concordava em abandonar a Ucrânia para obter cuidados de saúde na Alemanha. Se Ianukovitch decidir conceder o indulto presidencial a Timochenko, já nada se oporia à assinatura do acordo. Este ato deverá acontecer na cimeira da Parceria Oriental, o processo de aproximação entre a UE e as antigas repúblicas soviéticas, em Vilnius, no final do mês de novembro.

Este processo irrita consideravelmente Moscovo, que interrompeu no dia 7 de outubro as suas importações de produtos lácteos provenientes da Lituânia, mencionando “uma diminuição dos controlos” sanitários neste país.

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