Por que não precisamos de um exército europeu

Proposto pelo presidente da Comissão, este exército responde mais a imperativos orçamentais do que a uma verdadeira necessidade política. Além disso, as divisões persistentes entre países-membros não iriam contribuir para a sua eficácia, estima o Politika.

Publicado em 31 Março 2015 às 09:20

No que diz respeito à política de defesa, os europeus dividem-se, sobretudo, entre atlantistas e gaulistas. Os primeiros consideram que o Velho Continente não se pode defender sem os Estados Unidos, a construção, portanto, de um exército europeu autónomo comprometeria paradoxalmente a nossa segurança porque iria colocar em causa a OTAN. Os gaulistas (cujo nome se inspira diretamente no antigo presidente francês Charles de Gaulle), por sua vez, acham que a hegemonia americana, no seio da OTAN, tem efeitos nefastos na Europa por impor uma perspetiva geopolítica norte-americana. Foi por causa disso que a França se afastou do comando integrado da OTAN durante 40 anos.
Apesar de os tratados comunitários mencionarem um exército europeu, este nunca chegou a ver o dia porque os atlantistas dominaram o debate sobre a segurança europeia. Prevaleceu a ideia de que a aliança com os Estados Unidos era mais importante, o que permitiu a Washington implementar o seu “guarda-chuva nuclear” (uma garantia de um Estado com armas nucleares defender um estado não-nuclear aliado) na Europa. Por consequência, o Velho Continente ficou afetado por uma letargia militar, sobretudo após a queda da União Soviética.

Rumo à integração

De um ponto de vista militar, a integração parece ser a via mais sensata para a Europa. Os países-membros da OTAN gastam todos os anos cerca de 200 mil milhões de euros nos seus respetivos exércitos, isto é, três vezes mais do que a Rússia, que duplicou as suas despesas militares nos últimos anos. No entanto, este valor astronómico não se traduz em equipamento de boa qualidade. Façamos uma simples constatação: a Europa utiliza nove modelos de aviões de combate e de caças, enquanto os Estados Unidos possuem apenas quatro; as forças navais europeias são constituídas por 16 modelos de frotas diferentes enquanto a marinha norte-americana só tem um.
Este tipo de diversidade de equipamento militar é sinónimo de custos mais importantes em termos de elaboração, desenvolvimento de projetos e manutenção, sem mencionar os potenciais problemas de coordenação em caso de guerra.
Christian Mölling, do Instituto dos Assuntos Internacionais e de Segurança (SWP) alemão, acha que os europeus não querem encarar a verdade. Por um lado, querem acreditar que são militarmente independentes e, por outro, são incapazes de se defenderem sozinhos por falta de meios.
Recusam aprofundar a sua cooperação por quererem a todo o custo manter-se independentes, quer seja no quadro da OTAN ou através de iniciativas europeias. Resultado: a Europa vê a sua relevância a nível militar diminuir, o que aumenta ainda mais a interdependência. Segundo os partidários deste ponto de vista, a proposta de Juncker serve, portanto, para encorajar os europeus a agir.
Os opositores desta visão falam de uma nova tentativa de “aceleração” da integração europeia, que perdeu a sua dinâmica durante a crise económica. Segundo Charles Grant do Centro de Reforma Europeia (Centre for European Reform), trata-se de um método, já várias vezes utilizado, para quebrar a apatia através de uma saída para a frente.
A história do exército europeu começa a fazer lembrar a do euro. Antes de ser introduzida em 1999, vários detratores alertaram que a moeda única só iria funcionar se a UE adotasse uma só política económica. Ao que os partidários do euro responderam que era precisamente esta iniciativa que iria conduzir à emergência de tal gigante económico. Tendo em conta o que se passou ao longo dos últimos anos, e a situação económica nos países do sul da União, não podemos senão dar razão aos céticos: o euro não permitiu qualquer “fuga para a frente”, bem pelo contrário, comprometeu a união da Europa. Poderá deparar-se com um cenário similar caso decida optar por uma integração militar.

Será necessário morrer por Gibraltar?

Levantam-se cada vez mais dúvidas. Que posição tomará um exército europeu se os espanhóis decidirem entrar em conflito com os britânicos por causa de Gibraltar? O que acontecerá se a Argentina invadir as ilhas Falkland? Terá a Europa a obrigação de ajudar a França quando esta for resolver os seus problemas no Mali? E a Turquia, que faz parte da OTAN mas não da União Europeia? O que acontecerá aos Estados oficialmente neutros, tal como a Áustria ou a Suécia? Quais serão as relações entre a Europa militar e os Estados Unidos ou a OTAN?
Jonathan Eyal do Royal United Service Institute considera que a proposta de Juncker também é perigosa para a Europa, uma vez que transmite a Moscovo a sensação de que existe uma certa tensão entre o Velho Continente e a América. Isto permite ao Kremlin estabelecer uma fratura entre os aliados ocidentais.
As principais questões são: como é que Juncker imagina o comando deste exército sem uma política estrangeira comum? Serão as decisões táticas do exército europeu debatidas no Parlamento Europeu, como proposto pelos Verdes alemães? Estas questões tornam-se ainda mais relevantes ao tratar-se de decisões fundamentais para a existência de certos Estados. No caso do euro, os Governos chegaram a acordo para transferir uma parte da sua soberania em troca de vantagens concretas, como o acesso ao mercado comum.
A maior diferença é, no entanto, que as decisões económicas comunitárias não são tão urgentes e as que são consideradas erradas podem ser contestadas. O comando de um exército europeu não garante tais possibilidades, sobretudo em caso de conflito armado. O comando do exército europeu seria, portanto, de alguma forma o líder do continente.
No entanto, todas estas interrogações estratégicas têm uma dimensão académica, se consideramos que o propósito da criação do exército europeu de Juncker não é de modo algum assegurar a segurança da União, mas consolidar as finanças públicas dos Estados-membros. O seu porta-voz explicou, depois da entrevista já histórica do seu chefe, que esta força militar permitiria economizar cerca de 120 mil milhões de euros por ano. A proposta do presidente da Comissão é de tal forma pouco realista em termos políticos que as motivações orçamentais ganham automaticamente mais credibilidade. É, no entanto, difícil dizer qual das duas opções é pior para a Europa.

Newsletter em português
Tags

É uma organização jornalística, uma empresa, uma associação ou uma fundação? Consulte os nossos serviços editoriais e de tradução por medida.

Apoie o jornalismo europeu independente.

A democracia europeia precisa de meios de comunicação social independentes. O Voxeurop precisa de si. Junte-se à nossa comunidade!

Sobre o mesmo tópico