Quanto mais a UE faz, menos se sabe

Apesar de se falar cada vez mais da UE, o corpo de imprensa de Bruxelas é cada vez mais reduzido. O fenómeno é particularmente visível entre os jornalistas das novas democracias da Europa de Leste.

Publicado em 2 Abril 2010 às 11:20

Fluente em três línguas e vencedora de um prestigioso prémio no seu país, Ina Strazdinaé a jornalista letã mais influente em Bruxelas, sede da União Europeia. Ela própria admite, no entanto, que a concorrência não é grande. Ao chegar a Bruxelas, em 2006, trabalhavam na capital belga outros três compatriotas — e entretanto veio mais um —, mas, actualmente, Ina Strazdina é agora a última jornalista da Letónia no corpo de imprensa europeu. Para ganhar o seu sustento, tem três empregos: trabalha para a rádio e a televisão letãs e ainda para o jornal diário Latvijas Avize. O que faz dela a única responsável por quase todas as notícias que chegam ao seu país vindas de Bruxelas.

Em todo o mundo, estão a desaparecer postos de trabalho de jornalistas, por acção conjunta da crise económica e da ameaça da Internet à viabilidade dos meios de comunicação tradicionais. Em Bruxelas, esta tendência é particularmente grave nos antigos países comunistas que entraram para a UE em 2004. A situação financeira é tão dura que nenhum órgão de comunicação da Lituânia, que também pertence à UE, tem um correspondente fixo em Bruxelas. Os cortes coincidiram com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, que preconiza um papel global para a União e atribui novos poderes a instituições como o Parlamento Europeu. Estas iniciativas precisam do apoio de todos os Estados-membros.

Cada vez mais informação institucional

De acordo com a International Press Association (API), o número de jornalistas credenciados a cobrir a União Europeia — onde vivem mais de 500 milhões de cidadãos — diminuiu em mais de um terço desde 2005. Pia Ahrenkilde Hansen, porta-voz da Comissão, afirma que o desaparecimento da cobertura mediática nos novos Estados-membros é preocupante. “É muito importante ter presença em Bruxelas", diz. "Quem poderia sonhar cobrir Westminster sem estar nos círculos parlamentares londrinos?". Lorenzo Consoli, presidente da API, com sede em Bruxelas e representante de cerca de 500 jornalistas, mostra-se preocupado. “Há novas democracias, novos Estados-Membros sem grande tradição democrática após a queda do regime comunista, e é nossa obrigação termos em Bruxelas o melhor sistema de ligação entre as instituições no poder e a imprensa”, afirmou. Os jornalistas antigos vão-se indo embora e o volume de informação produzido pelas instituições europeias, como a Europe by Satellite e a WebTV do Parlamento Europeu é cada vez maior, referiu.

Newsletter em português

A existência deste material online levou a que alguns novos media optassem por utilizar apenas estas fontes e as agências noticiosas para fazer a cobertura da UE. “A ideia da comunicação directa entre as instituições e os indivíduos é o sonho totalitário”, afirmou Lorenzo Consoli. Segundo a API, o número de jornalistas acreditados diminuiu de uns 1300, em 2005, para cerca de 1100, em 2008, 964, em 2009, e 752 este ano. No entanto, já depois desta contagem, foram emitidas 50 novas acreditações e estão por recolher 167 concedidas em Janeiro. Os órgãos de informação da UE reduziram despesas nos últimos anos. O diário espanhol El País só tem dois jornalistas em Bruxelas, cidade onde já teve quatro. E se é certo que a maioria dos jornais britânicos têm correspondentes em Bruxelas, vários recorrem a colaboradores, em vez de profissionais do quatro, e acabam por não substituir os correspondentes que partem. A delegação da Associated Press caiu de sete para quatro jornalistas, ao longo dos últimos anos.

Situação mais grave a Leste

A Europa de Leste lidera esta tendência. Ina Strazdina, 34 anos, recorda que, em 2008, os cortes orçamentais em quase todo o sector da comunicação social do país levaram à redução drástica do seu salário na rádio e ao cancelamento do subsídio de renda. Houve colegas — incluindo o correspondente do jornal diário Diena — que se foram embora. Nellija Locmele, então chefe de redacção do Diena, considera que a decisão foi exclusivamente financeira. “Tínhamos perdido cerca de 70 por cento das verbas da publicidade”, afirmou. “Não íamos continuar a ter o que sempre tínhamos tido.” O vencimento de Ina Strazdina passou de dois mil euros por mês, líquidos, para 700. Embora só a renda de casa fossem 660 euros mensais, aceitou a redução do salário, na condição de poder colaborar com outros meios de comunicação social. “Tive de escolher”, disse. “Pensei que era fácil destruir tudo, mas muito difícil construir tudo de novo.” Apesar de viver das suas economias, a escolha compensou e, aos poucos, Ina Strazdina conseguiu arranjar trabalho suficiente para sobreviver.

Em 2009, foi agraciada com o prémio europeu Personalidade do Ano da Letónia. Johana Grohova colaborou três anos com o Mlada fronta DNES, um dos três principais jornais diários da República Checa, em Bruxelas. Em 2008, cortes semelhantes obrigaram-na a mudar de emprego. Grohova, 36 anos, referiu que os cortes de pessoal aumentaram no final dos seis meses da presidência checa da UE, em Julho de 2009. “À recessão, que assolou os meios de comunicação, veio somar-se um notório desinteresse pelas questões europeias”, afirmou. Hoje, a República Checa já não tem qualquer repórter correspondente em Bruxelas. Na semana passada, a API fez um apelo à UE para que atribuísse alguns privilégios aos jornalistas sedeados em Bruxelas: por exemplo, informação prévia sobre as declarações, que poderia suscitar questões de falta de transparência. Nellija Locmele, editora que recordou o seu trabalho de correspondente em Bruxelas, está à frente de uma nova empresa de notícias na Internet, a Cita Diena. Questionada sobre o que tencionava fazer relativamente à cobertura de Bruxelas, a resposta foi contundente: “Nada. Temos muito poucos recursos.

Tags

É uma organização jornalística, uma empresa, uma associação ou uma fundação? Consulte os nossos serviços editoriais e de tradução por medida.

Apoie o jornalismo europeu independente.

A democracia europeia precisa de meios de comunicação social independentes. O Voxeurop precisa de si. Junte-se à nossa comunidade!

Sobre o mesmo tópico