A presidência rotativa da União Europeia é, felizmente, uma questão muito menos importante, graças ao Tratado de Lisboa. Longe vão os tempos em que os países que presidiam às reuniões da UE durante seis meses tentavam ultrapassar-se uns aos outros, recorrendo a uma profusão de acontecimentos e comunicados que promoviam as suas obsessões de estimação. Agora, as cimeiras são mais monótonas, realizam-se em Bruxelas e são presididas por um presidente permanente, atualmente Herman Van Rompuy.
Mas a presidência húngara, que começou a 1 de janeiro, não está destinada a ser assim tão modesta. Na pista de rodagem do aeroporto de Budapeste, um grande cartaz assinala a feliz ocasião. A presidência representa uma oportunidade de promoção deste pequeno Estado ex-comunista. O agressivo primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, está ansioso por aproveitar o seu momento de glória.
Mal sabia Orbán que iria ser tão fortemente apupado, quando subisse ao palco. Ninguém quis saber dos seus objetivos europeus, como a reforma do euro e um programa de âmbito europeu para a integração dos ciganos. As atenções estão centradas nos obscuros problemas nacionais que Orbán enfrenta. Em 21 de dezembro, o seu partido, o Fidesz (centro direita), aprovou uma lei que coloca a rádio, a imprensa escrita e os órgãos de informação na rede sob a supervisão de uma nova autoridade, com poderes para aplicar grandes multas por crimes mal definidos como a violação da "dignidade humana". Todos os membros deste organismo foram nomeados pelo Fidesz.
Alemanha, França e Reino Unido apreensivos
O Fidesz afirma não querer restringir a liberdade de imprensa. No entanto, alguns jornais da oposição saíram à rua com as primeiras páginas em branco, como protesto. A Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa manifestou grande preocupação. A Alemanha, a França e o Reino Unido declararam-se apreensivos. Um jornal alemão qualificou a Hungria como um Führerstaat.
Se os clamores dissessem apenas respeito à lei da informação, Orbán ainda poderia argumentar que as disposições dessa lei se inspiraram nas leis de outras democracias. Mas a sua ação assemelha-se preocupantemente com uma última etapa de uma campanha destinada a enfraquecer as instituições independentes e a centralizar o poder. Na sua tentativa de estabelecer uma política económica "patriótica", o Governo rejeitou as receitas do FMI, atacou as pensões privadas, tomou medidas para substituir o conselho orçamental que fiscaliza o orçamento, quis destituir o governador do banco central e limitou os poderes do Tribunal Constitucional. Os impostos únicos "de crise" assustaram os investidores estrangeiros. A propaganda exibida em edifícios públicos proclama que só agora a Hungria reconquistou a autodeterminação, apesar de o país ser livre há duas décadas.
Não se trata de um regresso ao totalitarismo. Mas o sequestro de poderes pelo Governo húngaro coloca uma questão difícil. Seria permitida a adesão à UE de um país que seguisse uma tal via? Provavelmente não. Contudo, no que se refere a promover a democracia, a UE tem menos influência sobre os seus membros do que sobre os candidatos. Como diz um diplomata, "quem quiser aderir à UE tem de cheirar a rosas. Mas, quando os que já são membros começam a cheirar mal, ninguém pode obrigá-los a tomar banho".
O sentido do olfato de Van Rompuy não estava por certo apurado, no dia em que visitou Budapeste para celebrar a presidência da Hungria, o mesmo dia em que a lei da informação foi aprovada. Van Rompuy disse, então, que Orbán causara uma "excelente impressão". A Comissão Europeia torceu o nariz e pediu esclarecimentos à Hungria mas não está interessada numa luta.
Violações dos valores fundamentais da UE
Os eurocratas dizem que é improvável que a Hungria seja levada perante o Tribunal Europeu de Justiça, apesar de a carta dos direitos fundamentais da UE declarar que "a liberdade e o pluralismo dos órgãos de informação deve ser respeitada". A Comissão diz que isso se limita às ações das instituições da UE e dos Estados que cumprem a legislação da UE; não se aplica às políticas internas, ainda que, como acontece na Hungria, as leis que transpõem as diretivas da UE incluam disposições dúbias. Deputados europeus socialistas propuseram uma opção radical: a suspensão do direito de voto da Hungria, devido a "violações sérias e contínuas" dos valores fundamentais da UE. Para já, nenhum Estado tomará nenhuma decisão tão drástica.
As regras da UE são, portanto, estranhamente distorcidas. A crise do euro está a dar origem a um sistema mais rígido de acompanhamento das economias dos Estados-membros, que inclui sanções para controlar os défices orçamentais. No entanto, não existem mecanismos idênticos para travar os défices democráticos. É verdade que a democracia não pode ser quantificada do mesmo modo que a despesa pública. Mas a UE poderá vir a precisar de arranjar uma maneira de fazer cumprir regras políticas mínimas.
A pressão dos pares é a melhor resposta. Os dirigentes europeus precisam de ser mais firmes. Em público e em privado, em reuniões ministeriais e em receções à luz das velas, é preciso dizer a Orbán que mude de atitude. Sob as luzes da ribalta durante os próximos seis meses, Orbán está mais vulnerável. A presidência ainda poderá vir a revelar-se uma maldição para ele e uma bênção para a democracia húngara.