Destroço de barco em Cruit Island, County Donegal. As duas circunscrições de Donegal foram as únicas que recusaram o Tratado de lisboa pela segunda vez (Karenwithak)

Que fazer com os partidários do Não?

Irlanda votou pela segunda vez no Tratado de Lisboa com uma vitória esmagadora (67,2%) do ‘SIM’. Porém, ignorar o voto dos que o rejeitaram em 2008 é um acto de ‘desemancipação’, diz o jornalista veterano James Downey, e cria um ‘vazio’ na cultura política da Irlanda.

Publicado em 5 Outubro 2009
Destroço de barco em Cruit Island, County Donegal. As duas circunscrições de Donegal foram as únicas que recusaram o Tratado de lisboa pela segunda vez (Karenwithak)

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A votação no segundo referendo ao Tratado de Lisboa irá ter um significado político duradouro. Mais de 800 mil pessoas, quase um terço do eleitorado que votou ‘NÃO’ em 2008, ‘desemancipou-se’. O acto que esteve na sua origem ocorreu há mais de um ano, quando o Governo – sem quaisquer garantias pela sua actuação – quebrou a confiança com uma decisão democrática nacional totalmente consagrada na nossa Constituição e que deveria ter valor absoluto, à semelhança dos anteriores referendos.

As três principais forças políticas – Fianna Fail, Fine Gael e Partido Trabalhista –, que nas últimas eleições gerais representaram a esmagadora maioria do eleitorado, optaram por ignorar os eleitores que venceram no referendo. Nem a vitória dos partidários do ‘NÃO’, nem a sua crescente preocupação com a legalidade, justiça e conformidade constitucional dos acontecimentos posteriores tiverem qualquer peso democrático. Tratou-se de uma ‘desemancipação’ a um nível mais elevado.

O termo enfranchise (emancipar) significa 'libertar’ e está geralmente relacionado com as conquistas do povo, numa democracia representativa, nos respectivos parlamentos nacionais. A decisão de violar a vontade da maioria representa a eliminação deliberada deste direito. A União Europeia foi conivente e envolveu-se em tudo isto através da campanha directa, do financiamento da campanha do ‘SIM’ e da manipulação deliberada de factos sobre o Tratado de Lisboa.

Tratado divide Europa

O resultado ficou irreversivelmente ‘manchado’. O pior, no entanto, para o Governo e a oposição é o facto incontornável de se ter criado um ‘vazio’ à volta dos que votaram ‘NÃO’, não por uma, mas por duas vezes.

Por causa disso, o eleitorado que voltou a dizer ‘NÃO’ representa hoje aquilo que eu descreveria como uma 'Quarta Força’ na política irlandesa. Este grupo de opinião, irritado, enganado, negligenciado e em geral destituído, provavelmente não tem uma representatividade tão grande como os três principais partidos – e daí o nome que lhe atribuí –, mas, se se organizarem e decidirem intervir politicamente, as pessoas envolvidas são em número suficiente para provocar um forte impacto. Há muita gente no país, partidários do ‘SIM’ e do ‘NÃO’, que veriam isto com bons olhos. O Sinn Féin, porém, que tornou a fazer campanha contra o Tratado de Lisboa, não irá preencher este vazio.

Quanto à União Europeia, os aborrecimentos com o Tratado estão longe de ter terminado. Como mecanismo, este tratado não uniu a Europa. Dividiu 500 milhões de cidadãos e esta divisão agravou-se com a conjuntura de crise económica. O olhar que a Europa votou à Irlanda é multifacetado. O taoiseach (primeiro-ministro) Brian Cowen e a sua campanha do ‘SIM’ tentaram representá-lo de uma forma muito negativa.

A Irlanda ficou profundamente dividida por esta campanha eleitoral e os estragos causados não serão reparados tão cedo.

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