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Uma das principais alternativas aos combustíveis fósseis.

Revolução verde tem custos

A visão da chanceler Angela Merkel para completar a conversão da Alemanha às energias renováveis até 2050 é arrojada e ambiciosa. Mas manteve-se silenciosa sobre os riscos e os enormes custos que a revolução verde implica – para a Alemanha e para toda a Europa.

Publicado em 24 Setembro 2010 às 14:26
Uma das principais alternativas aos combustíveis fósseis.

O sonho alemão de uma revolução energética já se tornou realidade na pequena cidade de Morbach, aninhada entre colinas arborizadas no sudoeste da região de Hunsrück. Morbach tem 14 turbinas eólicas, quatro mil metros quadrados de painéis solares e uma estação de biogás, tudo isto localizado numa antiga base militar que antes existia numa colina sobranceira à cidade. Em conjunto, produzem três vezes mais eletricidade do que a comunidade precisa.

A cidade tem sido visitada por políticos e administradores de empresas de todo o mundo. Morbach já tem o que Merkel quer, agora, para toda a Alemanha.

Em apenas quatro décadas, quer que toda a Alemanha atinja os níveis de Morbach, altura em que a maior economia da Europa deverá tirar do sol e do vento, da biomassa e da água a maior parte da energia que consumir. Este plano para recorrer à inesgotável energia fornecida pela terra e pelo mar ajuda a combater o aquecimento global. E poria um ponto final na dependência do petróleo árabe, nos medos de acidentes nucleares e nas mudanças de humor dos fornecedores de gás da Rússia.

No início do mês, o Governo traçou este plano de energia verde como uma das suas prioridades. Até 2050 quer que a quota de energia renovável passe dos 16% atuais para 80%.

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Silêncio sobre o verdadeiro custo do plano de energia

O plano marca o fim de um sistema de energia baseado quase exclusivamente nos combustíveis fósseis – carvão, petróleo e gás – e que vigorou durante os últimos dois séculos. Por isso Merkel continua a enfatizar o tamanho da revolução que a Alemanha enfrenta. Mas mantém-se calada quanto aos elevados custos que tal revolução implica.

Para começar, tem de ser construída uma nova rede que permita transportar as crescentes quantidades de energia eólica vinda da Europa do Norte e de energia solar vinda do sul. A indústria energética calcula que construir essas novas autoestradas da energia – as linhas, as estações de comutação e transformação – custará entre 40 a 53 mil milhões, nos próximos dez anos.

A era da energia barata acabou

Os estrategas da RWE, a maior empresa alemã de energia, calcularam, num estudo interno, que a Europa vai precisar de um escalonamento de três ou quatro biliões de euros de investimento para converter a energia atual em energia verde. Isto não inclui as necessárias despesas em redes e armazenamento. O preço da energia vai subir muito rapidamente nos próximos 25 anos para mais de 23,5 cêntimos o quilowatt/hora, num cenário mais pessimista, se a Alemanha conseguir tornar-se completamente autossuficiente na produção de energia, contra os 6,5 cêntimos atuais, diz a RWE.

É impossível calcular os custos exatos da revolução verde nos próximos 40 anos. Além disso, a maioria dos cenários não consideram os problemas que possam surgir no caso de os processos de aprovação se tornarem difíceis, de haver disputas judiciais e protestos públicos. Além disso, são seis os principais fatores que podem ajudar a determinar se um sistema de energia renovável pode ser implantado e quais os custos esperados.

1. Subsídios de energia solar

Esta nova indústria está a ter um crescimento incrível, mas atingiu um preço muito alto. Os operadores de painéis solares recebem uma taxa fixa por quilowatt/hora de energia produzida. Esta tarifa está muito acima do preço de mercado da eletricidade, garantido por mais de 20 anos. O pagamento deste subsídio, ao longo dos últimos dez anos, situa-se entre 60 e 80 mil milhões. Em comparação, o rendimento tem sido modesto. A energia solar cobre, apenas, 1,1% das necessidades de eletricidade da Alemanha.

2. 75 mil milhões de euros para parques eólicos de alto mar

A expansão da energia eólica tem sido bem sucedida, mas está a atingir os seus limites. Os locais mais favoráveis, em terra, não podem ser aumentados. Está a haver problemas para conseguir autorização para a colocação de turbinas que, em muitos casos, têm o dobro da altura das antigas.

Assim sendo, as empresas estão a desviar essas localizações para alto mar, onde os ventos são mais constantes, mas os custos de construção são muito mais caros. O plano de energia do Governo estima que a expansão para alto mar dos parques eólicos custará entre 75 e 100 mil milhões até 2030, mas acrescenta que os riscos de investimento são “difíceis de calcular”.

3. Autoestrada de eletricidade em todo o Continente

Não basta construir parques eólicos. São precisas linhas de transporte que tragam a energia eólica do Mar do Norte para o sul. A expansão da rede, o terceiro fator de custos, terá um papel chave no futuro sistema de energia. A Comissão Europeia estima que o investimento necessário para a nova rede energética possa ultrapassar os 500 mil milhões de euros. Vão ter de ser instalados cerca de seis mil quilómetros de cabos submarinos de transporte de energia, num projeto chamado Seatec, com um custo estimado de 30 mil milhões de euros. E é preciso investir mais 50 mil milhões para trazer para a Europa a energia solar do sul do continente, no chamado projeto Desertec. O plano é cobrir a Europa com uma rede dinâmica capaz de uma distribuição inteligente de energia.

4. A Noruega é a bateria verde da Europa?

As companhias de energia já estão a ter dificuldades em reduzir a produção de energia de carvão e nuclear para evitarem a sobrecarga do sistema. Os engenheiros queixam-se de que estes problemas são cada vez mais frequentes. Instalações de armazenamento com bombagem são consideradas a melhor solução porque têm uma eficácia de 80%. O princípio é simples. Quando há excesso de eletricidade, é bombeada água para os reservatórios que estão colocados muitos metros acima. Quando a eletricidade é necessária, a água desce através de tubos e põe as turbinas em marcha.

A Alemanha tem espaço limitado para expandir a sua capacidade de armazenagem, por causa da sua topografia e da sua densidade populacional. Por isso, deposita grandes esperanças no norte da Europa, em particular na Noruega. O pior é que ainda não há linhas de energia na Europa central. Vão ter de ser investidos muitos milhares para tornar a Noruega na bateria verde da Europa.

5. Boom da biomassa faz os preços subirem

Porque os consumidores querem trigo e milho tanto para comer como para combustível, dois dos 12 milhões de hectares de terra de cultivo da Alemanha já estão destinados para sementeiras para energia – biogás a partir do milho, combustível a partir de centeio e diesel feito com colza. Até 2050, o governo planeia um gigantesco crescimento de uso de biomassa entre 13 a 17 vezes mais do que hoje. Com base na corrente tecnologia usada pelos agricultores, seria preciso converter muitos milhões de hectares de terra para produção de energia. O resultado seriam monoculturas de milho ou colza. Terá de ser importada mais biomassa da Ásia ou da América Latina, onde as plantações de óleo de palma invadem frequentemente a floresta tropical e é depois vendido a preços abaixo do custo. Isto roça o problema da sustentabilidade ecológica.

6. O alto preço de poupar dinheiro

Se os alemães querem mesmo acabar com os combustíveis fósseis e com a energia nuclear têm de enfrentar os altos custos dessa mudança. E têm de acabar com a resistência das grandes empresas de energia que tentam bloquear essa transição. A indústria, especialmente a que mais consome energia, como seja a indústria pesada nos setores do aço, do cimento e do alumínio, também tentam atrasar esta transição. A indústria consome um quarto dos gastos de eletricidade e gás da Alemanha.

A indústria pesada alemã é um lóbi muito poderoso porque emprega cerca de 875 mil trabalhadores. O presidente do conselho de administração do grupo químico BASF, Jürgen Hambrecht, teme uma “lenta desindustrialização da Alemanha”. As empresas começam a ameaçar deslocalizarem-se para países onde os preços da energia são mais baixos e os regulamentos ambientais menos apertados.

A revolução do poder local

Quem diz que não faz sentido sacrificar a indústria pesada tradicional em nome de negócios novos e modernos?

Todos os euros gastos em energia solar, eólica ou biomassa são um investimento que beneficia não só as grandes companhias como a Siemens, como também os pequenos negócios.

As autoridades locais querem afastar-se dos grandes fornecedores de energia e estão a investir nas energias renováveis e em pequenas estações de aquecimento que fornecem energia e aquecimento aos consumidores das redondezas, como sejam as escolas. As empresas regionais estão a ficar em alta com a revolução verde.

A mudança energética não se deve confinar às linhas de potência transcontinentais, às estações de armazenamento nas montanhas e aos parques eólicos ao longo da costa. O governo não teve em conta esta máxima ao elaborar o seu plano de energia.

É evidente que o custo da revolução verde será astronómico. O governo terá de tomar medidas para que não se torne incontrolável. O investimento necessário pode ser muito maior do que se imagina porque aumentará a dependência da Alemanha da importação de matérias-primas e agravará as alterações climáticas.

É duvidoso que o grande plano Merkel possa ser realizado na sua versão atual, até porque, hoje em dia, a política energética é desenhada sobretudo a nível da União Europeia, em Bruxelas. O comissário europeu da Energia, Günther Oettinger, conta apresentar, em fevereiro, um novo plano que demonstra como é que os mercados de energia europeus podem crescer em conjunto. Conterá propostas de localização das linhas de potência e sugestões para acabar com as grandes diferenças entre os subsídios nacionais às energias verdes.

É evidente que este plano de energia de Berlim não é último e definitivo. Será preciso elaborar um outro – não necessariamente por Merkel.

Texto de KIM BODE, FRANK DOHMEN, ALEXANDER JUNG, KIRSTEN KRUMREY UND CHRISTIAN SCHWÄGERL

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