Novos radicais: corrente humana diante do Museu do Louvre, em Paris, no Dia Internacional do Darfur, a 28 de Abril de 2007

Revoluções pouco revolucionárias

Outrora detido pelos partidos, governos e parlamentos, o poder passa para as mãos de diferentes movimentos de cidadãos. Será que o sonho de Hannah Arendt, de uma participação de todos no debate público, está prestes a concretizar-se? É a dúvida do historiador Mark Beylin.

Publicado em 2 Abril 2010 às 17:46
Novos radicais: corrente humana diante do Museu do Louvre, em Paris, no Dia Internacional do Darfur, a 28 de Abril de 2007

As revoluções em curso na Europa têm um impacto enorme na vida de cada um. Contudo, apenas alguns observadores notam a sua influência. Isto porque, na nossa paisagem revolucionária, não há partidos revolucionários, nem dirigentes furiosos, nem barricadas, nem tomada da Bastilha. Ninguém quer acabar com o poder do Estado, nem substituí-lo. Estas revoluções não explodem, esgotam-se.

São visíveis, sobretudo, pela pressão crescente que os cidadãos exercem sobre os aparelhos de Estado, particularmente quando se sentem ameaçados ou menosprezados. É então que se organizam espontaneamente em torno de instituições políticas oficiais. Há milhares de exemplos de movimentos deste género na Europa, nomeadamente na Polónia, sendo os mais conhecidos os movimentos ecológicos e feministas.

Os ecologistas começaram o seu movimento em pequenos grupos dispersos, fora dos círculos políticos, há umas boas décadas. Nos anos de 1990, começaram a estabelecer alianças em diversos países europeus e, mais importante ainda, a criar uma enorme rede mundial de associações e de iniciativas de todo o tipo. Os movimentos e lutas feministas contra as discriminações também se reforçaram consideravelmente. Considerados, há umas décadas na Europa, e até há pouco na Polónia, marginais, quase ridículos, os movimentos das mulheres impuseram novos modelos de comportamento na vida política e social.

Acesso livre ao debate público

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Na Europa, todos os partidos se caracterizam por uma "estrutura autocrática e oligárquica, pela ausência de uma democracia interna e de liberdade, pela pretensão de infalibilidade", escreveu Hannah Arendt, em 1963, no seu ensaio Sobre a Revolução. Este sistema não favorece a participação dos cidadãos na vida pública: é uma simples representação que contempla os seus interesses, ou o seu bem-estar, e que descura as suas acções e opiniões.

Hannah Arendt fez uma apreciação severa da democracia do seu tempo, mas a sua opinião é igualmente válida para a democracia contemporânea, dependente dos estilos do momento, submetida aos aparelhos partidários. A solução preconizada por Arendt, para haver mais liberdade política, está ultrapassada, resultado da tradição perdida dos conselhos revolucionários, esses fóruns de discussão de onde emergiam as decisões mais importantes. Mas o acesso livre ao debate público, condição essencial de uma política, no sentido nobre do termo, segundo Hannah Arendt, renasce agora sob uma outra forma.

As bases de uma política mais nobre

Assistimos actualmente a uma revolução da participação na esfera pública e a uma mudança revolucionária na formação das elites. Esta revolução, que não é de esquerda, nem de direita, ultrapassa largamente as ideologias políticas clássicas que remontam ao século XIX e que, cada vez mais, se mostram inadequadas para a nossa época.

Hoje, os cidadãos escolhem livremente os seus compromissos públicos e privados, independentemente do Estado. Graças à facilidade de comunicação, criam redes e formam diferentes grupos de pressão. "Até os atletas conseguem organizações fortes. O mesmo se passa com os homossexuais, os comerciantes de armas, os motoristas, as pessoas deficientes, os pais, os divorciados, os ecologistas, os terroristas, etc.", comentava, há cerca de 20 anos, o intelectual alemão Hans Magnus Enzensberger. Hoje, este fenómeno intensificou-se.

Ideologia

Novas clivagens políticas

Falta de confiança nas instituições; manipulação da opinião pública; superficialidade dos programas políticos... há muitas razões para que os cidadãos se desinteressem da política. Não obstante, o politólogo Michael Zürm afirma ao diário Die Zeit que o compromisso político está em alta. O que acontece é que ele é exercido para lá ou fora das fronteiras, no âmbito das ONG e nas conferências e cimeiras internacionais em que essas organizações marcam presença. Assim, 55% dos alemães consideram as organizações internacionais aptas para resolverem os problemas ligados à globalização, contra 11% que atribuem esta tarefa ao Estado. Zürn defende que há uma nova linha divisória que vem substituir a antiga clivagem entre esquerda e direita: “Integração contra demarcação”, isto é, a divisão entre os que preferem a abertura das sociedades à comunidade internacional e os que lutam por um regresso ao plano exclusivamente nacional. Encarniçam-se tanto no debate sobre a imigração na Holanda como na polémica sobre a liberalização ou protecção da indústria francesa ou o futuro da integração europeia. “A ofensiva cosmopolita joga-se na cena internacional”, de que esta ofensiva conhece os códigos, sabe como mobilizar os media e de quem tira partido, consequentemente, tendo um tratamento favorável. Enquanto que “a defesa comunitarista actua ao nível nacional” com muito sucesso. Na opinião de Zürn, é esta divisão que enfraquece completamente a política, "por isso, política e media devem abandonar o mito do todo-poderoso Estado Nação e confrontar os cidadãos com a complexidade dos assuntos internacionais”.

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