Festival de cantos e danças tradicionais em Tallinn. Foto de Egon Tintse.

Solidariedade à moda da Estónia

Os estónios são comunicativos se estiverem em causa problemas nacionais, como o são durante as festas locais. Já no quotidiano comunicam pouco entre si e é provavelmente por isso que fazem parte dos europeusa menos felizes, explica o diário Postimees

Publicado em 29 Julho 2009 às 15:48
Festival de cantos e danças tradicionais em Tallinn. Foto de Egon Tintse.

O índice mundial de felicidade, o Happy Planet Índex [HPI, Índice Planeta Feliz], coloca a Estónia no fim da tabela na Europa. Que poderemos concluir daí? Os responsáveis pelo HPI explicam este resultado através da ausência de coesão social e do carácter muito difuso do sentimento de pertença comum. É verdade: regra geral, um estónio só se sente à vontade entre os seus amigos. O resto do mundo não lhe interessa e fá-lo franzir o sobrolho, com uma expressão desconfiada.

Quando visita as grandes cidades do mundo, o estónio pode ficar surpreendido com as regras da sociedade. Bastante directo por natureza, a boa educação e o formalismo das relações podem parecer-lhe estranhos e distantes. Não tardará a descobrir que essa boa educação também é válida na rua. No metro, quando alguém pisa outra pessoa, as duas pedem desculpa uma à outra – a primeira por ter pisado o pé da segunda e esta por não ter desviado o pé. Existe uma solidariedade entre seres humanos, uma solidariedade entre estranhos – algo que um estónio ainda não conhece.

O sentimento de sermos estranhos uns aos outros acompanha o nosso quotidiano. Um dia, por exemplo, diante da porta de entrada do prédio dos meus pais, revolvia desajeitadamente o meu saco, à procura das chaves. Atrás de mim, estava à espera um homem, que agitava impacientemente o seu molho de chaves. Quando, por fim, encontrei as chaves, segurei a porta para deixar entrar aquele brutamontes e ele abriu a porta do apartamento em frente do dos meus pais, sem um obrigado nem pelo menos um aceno!

Talvez isto não tenha muita importância. Mas cada um destes prédios representa uma pequena parte da nossa sociedade e cada acto grosseiro deste género pode ferir-nos e estragar-nos o dia.

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Lembro-me de, na universidade, ouvir falar da sabedoria dos antigos romanos. Estávamos então mesmo em meados dos anos 1990, a época da glória capitalista, durante a qual a expressão "Homo homini lupus" chamava especialmente a atenção. Tal como os romanos consideravam que "o homem é um lobo para o homem", temos tendência para dizer que o melhor alimento para um estónio é outro estónio.

Uma vez que a entreajuda e a compreensão mútua não são naturais no homem, procuramos esses bons sentimentos nas comemorações. É nessas ocasiões únicas ou quando a Nação parece estar ameaçada, que nos oferecemos para estar e agir juntos. Os exemplos de acções comuns ou de concentração para as festas nacionais não têm sido raros nos últimos tempos [além da festa anual do canto, no princípio de Julho, houve a inauguração da estátua de independência, no fim de Junho, e também a grande limpeza das florestas do país, em 2008, e workshops de iniciação à cidadania] e demonstram frequentemente uma tendência para o nacionalismo, embora despojado de essência.

A quem se destinam estas numerosas comemorações nacionais? Uma nova geração de jovens, nascidos há 20 anos, cresceu apesar das dificuldades diárias e das incertezas quanto ao futuro. Lembram-se muito menos de todos aqueles grandes discursos nacionalistas, da cadeia humana do Báltico [em Agosto de 1989] do que seu primeiro telemóvel ou das viagens ao estrangeiro…

Quanto a mim, que nasci no fim dos anos 1970, não me lembro de o sentimento de ser estónio, a imagem da nossa independência e a bandeira estónia terem sido mais queridos do que hoje. É como se a capacidade de comunicar dos estónios estivesse ligada à bandeira nacional – quando a bandeira está içada, comunica-se, caso contrário não. Existe algures um vazio emocional.

Em vez de sentirmos exaltação, começamos a ter medo, como se vivêssemos na América do Sul, onde os chefes de Estado têm tendência a dizer coisas que nada têm a ver com vida real e onde o povo agita solenemente a bandeira, ao mesmo tempo que puxa o tapete de debaixo dos pés do vizinho.

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