O ex-primeiro-ministro George Papandreu, primeiro a pedir ajuda financeira em 2010, e depois integrando o lucrativo circuito internacional de discursos, em 2013.

Três anos de falhanço coletivo

Em 23 de abril de 2010, o então primeiro-ministro, George Papandreu, lançou um apelo à ajuda financeira internacional, para evitar a derrocada do país. Vários estudos indicam que os três anos que se seguiram foram uma sucessão de erros cometidos tanto pela troika como pelo Estado grego.

Publicado em 25 Abril 2013 às 12:12
O ex-primeiro-ministro George Papandreu, primeiro a pedir ajuda financeira em 2010, e depois integrando o lucrativo circuito internacional de discursos, em 2013.

Há três anos, o então primeiro-ministro George Papandreu fez um discurso no porto de Kastelorizo, tendo como pano de fundo o Mar Egeu e os gritos de alegria de crianças que brincavam. O período que se seguiu foi tudo menos uma brincadeira de crianças para a Grécia. O apelo feito, nesse dia, por Papandreu à zona euro e ao Fundo Monetário Internacional definiu o tom para quase tudo o que aconteceu na Grécia ao longo dos três últimos anos. Qual será o resultado final, está longe de ser claro.

Embora a troika de credores – que concedeu à Grécia um resgate de €200 mil milhões, ao longo dos últimos 36 meses – seja integrada pela Comissão Europeia, pelo Banco Central Europeu e pelo FMI, foi o papel da organização com sede em Washington que chamou a atenção da maior parte dos gregos. Ainda hoje, o dia 23 de abril de 2010 é referido como o dia em que Papandreu “mandou a Grécia para o FMI”. Apesar de o FMI ter contribuído com apenas uma parte dos empréstimos desembolsados até agora, são quase sempre as suas ações que são objeto do escrutínio mais atento.

Ainda que esteja a haver um entendimento crescente de que alguns dos parceiros da Grécia na zona euro e o BCE estiveram por trás de algumas das exigências mais duras da troika, o FMI continua, de um modo geral, a ser o alvo preferido dos críticos.

FMI, o Cavalo de Tróia do neoliberalismo

O problema é que esses ataques em muitos casos indiscriminados, que apontam o FMI como sendo o Cavalo de Tróia do neoliberalismo, significam que a análise correta dos três elementos da troika é deixada de lado. Com esta cortina de fumo, tornou-se difícil concluir quais os ângulos em que os motivos de crítica ao FMI são genuínos. Neste aspeto, é oportuno e extremamente útil ler um artigo de Mohamed El-Erian, diretor executivo da empresa de investimento PIMCO, sobre as deficiências do FMI.

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El-Erian sublinha que o principal ponto fraco do FMI tem sido a sua vulnerabilidade à manipulação política. O dirigente da PIMCO também critica o papel do Fundo no resgate de Chipre. A empresa de El-Erian foi responsável pela auditoria aos bancos cipriotas, antes de o pacote de empréstimos ter sido acordado entre Nicósia e a troika. Segundo El-Erian, a solução inicial posta de lado e o plano revisto indicam “um entendimento e uma análise insuficientes das especificidades dos problemas do país”.

“Parece-me que, nos dois casos, e noutras situações semelhantes noutras zonas da Europa (incluindo a Grécia), o FMI sentiu que a única alternativa era ceder às pressões dos políticos europeus”, acrescenta El-Erian. “Ao fazê-lo, o FMI pôs em risco mais do que a sua credibilidade e reputação.”

Todos estes temas – e em especial o da credibilidade – são abordados por Gabriel Sterne, economista principal da Exotix. Sterne, antigo funcionário do FMI, publicou na semana passada um trabalho, que talvez seja a avaliação mais completa das questões em que o Fundo errou ao longo dos três últimos anos. O documento de debate de Sterne contém alguns pontos extremamente importantes para a Grécia.

Terrível erro de cálculo

Sterne começa por sublinhar que a análise do FMI, que El-Erian corretamente elogiou, foi de certo modo desajustada no caso da Grécia.

“A Grécia enfrentou o maior dos erros de previsão, que não foi de modo algum o único; erros que podem ser explicados pela desanimadora aritmética crise do crédito + austeridade = colapso da produção”, escreve Sterne, que destaca o facto de o programa para a Grécia ter fracassado não apenas por causa do que aconteceu ou não aconteceu em Atenas ao longo dos três últimos anos.

A troika argumenta sem cessar que a lentidão do ritmo das reformas ficou a dever-se a uma recessão mais profunda do que a prevista, ao mesmo tempo que se esquiva repetidamente a questões sobre se o rápido ritmo do ajustamento orçamental terá puxado o tapete à economia grega.

Sterne defende que o insucesso na resposta inicial ao problema da enorme dívida pública da Grécia viria a revelar-se como sendo um terrível erro de cálculo que não se coaduna com os princípios do FMI. Pouco depois do discurso de Papandreou em Kastelorizo, o FMI anunciou que a dívida grega deveria atingir os 139% em finais de 2011, mas, por alturas da quinta avaliação trimestral da troika, a dívida grega tinha atingido os 160% do PIB, apesar de terem sido desembolsados mais de €100 mil milhões de empréstimos.

“Poderá alegar-se com fundamento que, ao prolongar a crise sem tomar medidas firmes, o resgate foi uma cura pior do que o mal, mas também pode alegar-se com fundamento que isso seria de esperar”, escreve Sterne. E acrescenta que o FMI “quebrou uma das suas regras mais básicas ao apoiar, em maio de 2010, um programa para a Grécia que não era adequado para garantir a sustentabilidade”.

Reformas necessárias ainda por fazer

O mesmo analista considera que a Grécia e a troika se teriam saído muito melhor se, logo à partida, tivessem utilizado a arma da reestruturação da dívida, em vez de enfrentarem essa questão em 2012. Significativamente, Sterne sublinha que houve quem tivesse lucrado com a decisão de não resolver, logo de início, o problema da dívida grega, boa parte da qual se encontrava nas mãos de bancos europeus.

O veredicto deste economista quanto à estratégia de “fingir e prolongar” que se seguiu ao discurso de Papandreou é negativo. “Em última análise, o adiamento do problema da Grécia foi infrutífero. Os credores privados da Grécia foram depenados, a Grécia não encontra, desde meados de 2011, um banco que lhe conceda empréstimos, o desemprego entre os jovens atingiu os 60% e o BCE teve de intervir em força, para manter à tona o sistema bancário europeu.”

Tal como El-Erian, Sterne diz que o FMI cedeu às pressões políticas dos países da zona euro e cometeu uma série de erros de diagnóstico.

Três anos depois de Kastelorizo, a Grécia tem ainda pela frente muitas tarefas. Levou a cabo o ajustamento orçamental mais drástico da história da OCDE, mas algumas reformas absolutamente necessárias ainda estão por fazer. No entanto, isso não invalida o facto de o programa para a Grécia ter sido mal concebido e deficientemente posto em prática por todas as partes.

Neste aspeto, é essencial compreender-se o papel desempenhado por cada um dos três elementos da troika e onde poderão residir as respetivas fraquezas e teimosias. Lançar ataques indiscriminados contra o FMI ou outros serve apenas para permitir que a troika se esconda por trás da crença generalizada de que as deficiências do programa têm somente a ver com a lentidão da sua aplicação pela Grécia.

Se quisermos aceitar a herança do discurso de Kastelorizo, precisaremos de uma abordagem mais flexível.

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