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Caurel-Saint Mayeux, Bretanha (França), AFP

Ventos de intrujice

As energias verdes têm ocupado um lugar crucial na agenda da Cimeira de Copenhaga sobre o Clima. Mas na Europa, onde a UE tem seis mil milhões de subsídios para distribuir, a indústria das eólicas, muito ecológica, está a atrair charlatães de todos os tipos. Reportagem do International Herald Tribune.

Publicado em 16 Dezembro 2009 às 15:10
Caurel-Saint Mayeux, Bretanha (França), AFP

Os ventos que sopram do norte sobre as Ilhas Canárias há muito que vêm tentando surfistas temerários. Hoje, porém, os vendavais que se levantam a 60 quilómetros à hora estão a atrair turbinas eólicas gigantes e, com elas, milhões de euros. De pás a girar ao vento, as 55 turbinas por trás da praia de calhaus cinzentos de Pozo Izquierdo são austeros símbolos brancos de uma indústria crescente e um abundante potencial de energia limpa - e de corrupção.

A cidade de Santa Lucía Tirajana levou, este ano, com um duro vendaval. Uma investigação da Guarda Civil espanhola descobriu irregularidades num plano para construir um novo parque eólico. Agora, o presidente da Câmara, cinco funcionários da edilidade e dois empresários ligados à iniciativa enfrentam acusações penais que incluem tráfico de influências, abuso de poder, apropriação indevida de solos e corrupção. Motivo? Cerca de 40 milhões de euros em subsídios da União Europeia.

Esta e outras investigações que decorrem na Europa trouxeram a lume abordagens, por vezes desgovernadas, do sector eólico, em rápido desenvolvimento. Com mais de seis mil milhões de subsídios estruturais e agrícolas reservados para energias renováveis, por um período de 13 anos que termina em 2013, esta relativamente nova área de actividade a que os peritos dão o benefício da dúvida, porque tem uma imagem amiga do ambiente aparentemente acima de qualquer crítica, dispõe, pois de um pecúlio atraente.

As autoridades dizem que é impossível determinar o nível de fraude na despesa pública passível de ser relacionada com a energia eólica, porque as investigações estão distribuídas, nos diferentes países, entre polícia fiscal e regional. Os críticos dizem que os controlos de fundos dispersos são um incentivo para que uma multidão de políticos e empresários corruptos extraia dinheiro fácil… ao sabor do vento.

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Os investigadores têm estado bastante ocupados nos últimos meses. Cinco nacionalistas corsos foram detidos e obrigados a repor 1,54 milhões de euros de subsídios europeus para parques eólicos. Em Itália, decorrem três investigações e foram detidas 15 pessoas no mês passado, numa operação a que a polícia chamou "E tudo o vento levou". É descrito como um esquema complicado, do tipo Dona Branca, e que desviou 30 milhões de euros de apoios da UE.

O esquema é elementar: uma turbina normal de dois megawatts custa cerca de 2,75 milhões a construir e produz cerca de 275 mil euros por ano em venda de electricidade a preços de mercado. Mas esse rendimento pode quase duplicar, com os incentivos estatais especiais como prémio às energias renováveis. Em muitos países, os produtores de energia eólica estão a receber tarifas da alimentação – prémios especiais acima do valor de mercado como bónus para a energia renovável – ou taxas especiais por contratos de 15 a 25 anos.

Richard Robb, investidor em parques eólicos em França e na Alemanha, diz que, mesmo sem ventos muito enérgicos, essas tarifas representam um rendimento confortável para os accionistas. Na Alemanha, o seu parque eólico recebe cerca de 83,6 euros por megawatt/hora, quando o preço no mercado livre varia entre 30 e 70 euros – um retorno de 15%.

Nas Ilhas Canárias, onde há 44 parques, os dois casos que conduziram à detenção dos funcionários públicos e empresários, com acusações de tráfico de influências e corrupção, foram apanhados graças a milhares de escutas telefónicas. Os investigadores da Guardia Civil escutaram conversas que envolvem os empresários de Santa Lucía e os funcionários municipais, acusados de urdir um negócio secreto para transformar terrenos privados perto da praia de Pozo Izquierdo em terreno municipal – porque era maior a probabilidade de os subsídios serem concedidos para parques eólicos em terrenos públicos. Estavam em jogo quase 40 milhões de euros de um fundo de apoio da UE aos territórios periféricos de Espanha.

Investigações similares estão a decorrer na Sicília, berço do aproveitamento público da energia eólica em Itália. A operação "E tudo o vento levou" fez com que as autoridades descobrissem um elaborado esquema para receber fundos da UE, diz o coronel Mario Imparato, da Guardia Financeira. O esquema envolveu uma elaborada rede de empresas do ramo; uma conseguia obter fundos da UE, usava uma parte para a construção e punha o resto fora de Itália. As empresas no estrangeiro mudavam o dinheiro para outra empresa que se candidatava a um novo fluxo de subsídios da UE.

Uma investigação separada, com o nome de código "Aeolus", na zona ocidental da Sicília, conduziu à detenção de sete pessoas, com julgamento marcado para Janeiro. Neste caso, o Ministério Público alega que o crime organizado limitou-se a adaptar técnicas antiquadas, como subornos, para fazer dinheiro com a nova fonte de energia. Isso incluiu 75 mil euros e um Mercedes dados a um vereador para votar a favor de um parque eólico.

O dinheiro é rei”, dizia Andrew Campanelli, investigador do forense da Deloitte Financial Advisory Services. “Numa economia deprimida, há quem precise de mais dinheiro. E viram na energia verde um mecanismo para obter fundos fraudulentos.

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