Vilnius (Lituânia), 23 de Agosto de 1989: "Caminho do Báltico", a cadeia humana que ligou as três repúblicas bálticas assinalou o 50º aniversário do pacto Nazi-Soviético (Arquivo Estatal da Lituânia)

Vítimas do totalitarismo político não têm cor

O dia 23 de Agosto é "Dia Europeu de Recordação das Vítimas do Nazismo e do Estalinismo". Condenar o totalitarismo – talvez uma causa nobre, mas provocou controvérsia na Rússia, onde Estaline continua a ser um herói nacional. Os seus defensores recordam que a Rússia salvou muitas vidas ameaçadas pelo nazismo. Contudo, os russos continuam sem acesso aos seus ficheiros do tempo da União Soviética, um grande impedimento a que os Estados ex-soviéticos compreendam realmente o seu passado totalitário.

Publicado em 21 Agosto 2009 às 20:47
Vilnius (Lituânia), 23 de Agosto de 1989: "Caminho do Báltico", a cadeia humana que ligou as três repúblicas bálticas assinalou o 50º aniversário do pacto Nazi-Soviético (Arquivo Estatal da Lituânia)

A assembleia parlamentar da Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa (OSCE) aprovou, em Julho passado, em Vilnius, uma resolução denominada A Reunificação da Europa Dividida. Esta resolução, que a imprensa quase deixou passar, assinala os 20 anos da queda dos regimes comunistas europeus e foi aprovada por uma larga maioria dos delegados – 202 dos 214 presentes – apesar da feroz oposição da Rússia.

Reconhecendo "o carácter único do Holocausto", o documento da OSCE declara "que, no século XX, os países europeus conheceram dois regimes totalitários principais, o nazi e o estalinista, que levaram ao genocídio, a violações dos direitos e das liberdades do Homem, aos crimes de guerra e aos crimes contra a Humanidade". E recomenda que os Estados membros "condenem clara e inequivocamente o totalitarismo" (promessa contida no Documento de Copenhaga de 1990), porque "conhecer a História leva a impedir esses crimes no futuro".

A resolução surge alguns dias apenas antes do dia 23 de Agosto. Esta data, que o Parlamento Europeu proclamou "Dia da Memória das Vítimas do Nazismo e do Estalinismo", em homenagem às vítimas das deportações e da exterminação em massa, é na realidade o aniversário do pacto Molotov-Ribbentrop, assinado em 1930.

Colocar o comunismo ao mesmo nível que o nazismo é um importante passo em frente no apoio à Resolução do Parlamento Europeu sobre a consciência da Europa e o totalitarismo (esta Primavera), que pediu também a abertura dos arquivos históricos secretos e a adopção de amplas medidas de reavaliação do passado.

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Rússia recusa abrir arquivos

A reacção da Rússia foi veemente. O Ministério dos Negócios Estrangeiros russo qualificou essa decisão de "tentativa inaceitável de distorção da História com fins políticos". Por seu turno, o Parlamento russo considerou a Resolução como "um insulto directo à memória dos milhões de soldados russos", que "deram a vida pela libertação da Europa do jugo nazi". Para os russos, Estaline continua a ser um verdadeiro herói. Aos olhos da Europa de Leste, ele é responsável pelo apoio a regimes comunistas sangrentos. Além disso, a Rússia retomou a organização de grandes paradas militares, que recordam as da União Soviética. Não é portanto de espantar que, de entre os Governos pós-comunistas, o da Rússia seja aquele que menos esforços fez para assumir os crimes do comunismo (incluindo os do comunismo estalinista), tendo até procurado reforçar as estruturas do ex-KGB e do controlo deste último sobre o processo político.

Por outro lado, na sequência do Decreto que instituiu a "Comissão de luta contra a falsificação da História que afecta os interesses da Rússia", de Maio de 2009, a Academia das Ciências da Rússia pediu aos directores dos institutos de História que identificassem as falsificações históricas e culturais em que as suas instituições tivessem participado e preparassem uma refutação para cada uma delas.

O apelo à abertura dos arquivos contido na resolução da OSCE dirige-se precisamente e em especial à Rússia, onde os arquivos se encontram ainda selados. Essa situação afecta não apenas os historiadores russos mas também os das antigas repúblicas soviéticas. Antes de regressarem a Moscovo, em 1991, os funcionários do KGB levaram consigo os documentos mais importantes, recolhidos nas repúblicas soviéticas, recusando assim a estes países o direito de compreender o seu próprio passado recente.

Desde a independência, a Estónia pós-comunista possui apenas as fichas de catalogação e não os ficheiros secretos a que estas se referem. E, como as fichas não revelam o papel dos indivíduos mencionados nas suas relações com a polícia secreta, vários políticos proclamaram a sua inocência, afirmando ter sido vítimas, quando eram informadores. Na Lituânia, os arquivos de Vilnius foram quase totalmente esvaziados mas o mesmo não aconteceu com os da província, onde colecções importantes deixadas pelo KGB permitiram a reconstituição da verdade histórica. Mas todos os países bálticos beneficiariam de uma leitura mais justa da História, se tivessem acesso aos arquivos soviéticos de Moscovo.

PÁISES BÁLTICOS

Cadeia humana recorda Pacto Germano-Soviético

Na véspera do vigésimo aniversário da Via Báltica, o Governo da Estónia lançou um apelo para se recriar a cadeia humana que ligou Vilnius a Tallinn, ao longo de 560 km, a 23 de Agosto de 1989, para exigir a independência dos países bálticos da antiga União Soviética, conta o Postimees. A manifestação contou com a participação de cerca de dois milhões de pessoas, numa data que coincidia com o 50º aniversário do pacto Ribbentrop-Molotov, que os tinha lançado sob o jugo soviético. O diário estoniano acrescenta que as autoridades gostariam que as pessoas que participaram então na Via Báltica se colocassem no mesmo sítio onde se encontravam há vinte anos, ao som dos sinos. Uns deputados lituanos, mais velhos, pediram também que, no mesmo dia, todas as embaixadas dos países bálticos comemorassem os 70 anos do Pacto Germano-Soviético.

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