O naufrágio de Berlusconi

A súbita quebra da Itália nos mercados financeiros desacreditou um Silvio Berlusconi que garantia que o país estava bem. Hoje, o Cavaleiro eclipsou-se e o seu Governo é obrigado a apresentar a toda a pressa um plano de austeridade cuja eficácia está longe de ser evidente.

Publicado em 15 Julho 2011

Agora alguém vai ter que explicar aos italianos como foi possível passar, da noite para o dia, do "está tudo bem" da versão de Silvio Berlusconi [primeiro-ministro] para o "Titanic" da versão de Giulio Tremonti [ministro das Finanças]. Alguém terá que explicar a uma opinião pública desorientada como foi possível passar, em algumas horas, da mentira de Berlusconi sobre a Itália – "já saiu da crise e superou-a muito melhor do que os outros" – para a retórica de Giulio Tremonti de um país cuja dívida pública "pode devorar o nosso futuro e o dos nossos filhos."

Por trás desse abismo de contradições políticas e de falsificações mediáticas, esconde-se o fiasco de um Governo culpado de negar o óbvio durante três anos e que agora se vê ultrapassado pelos acontecimentos. Ninguém explicou nem explicará aos cidadãos, atordoados pela pancada que os espera, esta queda retumbante e dolorosa. E se há alguém que evitará especialmente fazê-lo, é o próprio arquiteto desta colossal intrujice, ou seja, o presidente do Conselho.

Um segundo "i" nos PIIGS

Esse Cavaliere inesistente, que parece saído direitinho do romance de Italo Calvino, há uma semana que deixou de ser visto e que deixou de se ouvir. O país está sob a mira dos especuladores, a quem ele dá todos os motivos para o fazerem: um primeiro-ministro com uma imagem de "corruptor", uma maioria dilacerada por guerras internas, ministros atolados em processos associados com a Máfia ou em escândalos financeiros, e “vendettas” dentro do próprio aparelho de Estado. Nestas condições deploráveis, a Itália torna-se o segundo "i" da sigla utilizada para descrever os países coxos da Zona Euro: somos parte da "PIIGS", juntamente com Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha. Berlusconi remete-se ao silêncio. Parece que está ocupado na organização das férias em Antigua. De matador da aldeia global a animador de estância de férias, como vem acontecendo desde o verão tórrido de 2006.

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O silêncio ensurdecedor é preenchido por intervenções explícitas. No plano internacional, Merkel e Ben Bernanke [presidente da Reserva Federal dos EUA] exortam a Itália a não abdicar do rigor. No plano doméstico, o Presidente da República e o governador do Banco de Itália reúnem um fragmento de "unidade nacional" para alcançarem, pelo menos, uma operação de salvamento. O ministro da Economia vai ao Senado associar o seu nome ao decreto de última oportunidade, que deve ser aprovado o mais rapidamente possível sob pena de um ataque final dos mercados [no dia 14 de julho, o Senado aprovou um plano de austeridade de 47 mil milhões de euros, para conseguir chegar a um orçamento equilibrado em 2014.

Oposição forçada a fechar os olhos

A Assembleia, por sua vez, terá de aprovar esse orçamento de rigor, o mais tardar, no sábado, 16 de julho]. Tremonti fez um discurso grave. Falou "do momento para uma escolha irrevogável". Evocou a imagem apocalíptica de uma Europa que tem "encontro marcado com o destino", consciente de que "a salvação não virá das finanças, mas da política" e que "a política não pode permitir-se cometer erros". Mas evitou sempre pronunciar uma palavra de explicação ou de desculpa por todos os monumentais erros cometidos por este Governo desde o triunfo eleitoral de 2008. Não há cá mea culpa. Apenas um apelo desesperado para a união de forças, porque: "O país está com os olhos postos em nós, no Governo, na maioria e na oposição".

O apelo foi ouvido. Ninguém quer que a Itália siga o destino da Grécia e que seja lançada num abismo com toda a Zona Euro. Ninguém quer a queda de Berlusconi "a qualquer preço", especialmente se o preço for a falência do país. É, pois, necessário que a manobra-relâmpago seja bem-sucedida. Mas tem um custo social exorbitante, mais uma vez à custa dos mais fracos. Uma classe média cada vez mais numerosa e menos apetrechada, forçada a pagar taxas suplementares, o congelamento de contratações no setor público, a redução das vagas para professores e, provavelmente para breve, o golpe da abolição das reduções fiscais nos impostos de casais e crianças. Ou seja, a perda de mais de 500 euros por família.

Mesmo o centro-esquerda é forçado a fechar os olhos e deixar passar o plano de austeridade. Apesar de todas as suas iniquidades, que pesam não só sobre as bolsas dos contribuintes, mas também sobre a opinião dos mercados. O plano de 40, 49 ou, verdadeiramente, 65 mil milhões de euros pode não ser suficiente para parar a crescente onda de especulação atual. A aparente calma dos últimos dois dias já está a acabar. A Bolsa voltou a cair, os títulos dos bancos vieram novamente por aí abaixo, a diferença entre os títulos italianos e os títulos alemães ultrapassa os 300 pontos, e o "prémio de risco" exigido para investir em títulos do Estado Italiano atingiu picos nunca vistos desde a introdução do euro. É um sinal de que a "cura" não é suficiente, porque nem as políticas de austeridade nem as políticas de crescimento parecem credíveis. Não basta prostrar-se diante do totem do "equilíbrio orçamental": as palavras têm de ser seguidas de efeitos. E este plano não dá garantias suficientes.

Eis o que o Cavaliere inesistente deixa atrás de si sobre a mesa. Sem pestanejar e sem castigo. Os italianos vão lembrar-se dele quando estiverem nas bichas, de porta-moedas aberto para conseguirem um médico, ou a pagar o imposto de selo em títulos da dívida. Acima de tudo, vão lembrar-se nas urnas, no dia em que voltarão a ser chamados a votar. Esperemos que esse dia esteja para breve. Talvez ainda venha a tempo de sairmos deste Titanic.

Análise

A tempestade está longe de acabar

“Não nos iludamos”, avisa o Corriere della Sera, “os mercados ainda não recuperaram de uma dor de cabeça política e de um custo que os cidadãos italianos deverão pagar”, apesar do plano adotado na quinta-feira do dia 14 de julho com urgência. Os senadores italianos aprovaram um plano de austeridade de 47 mil milhões de euros para chegar a um equilíbrio orçamental em 2014. Associadas a uma medida fiscal que deveria ser debatida nas próximas semanas, as verbas libertadas poderão ultrapassar os 60 mil milhões de euros. O plano prevê nomeadamente um processo de privatização, a introdução de uma taxa moderadora nas consultas médicas, o congelamento dos salários e da contratação de funcionários. As reformas estão igualmente incluídas, uma vez que o plano prevê a partir 2013, a entrada em vigor de uma reforma que adie a idade da entrada para a reforma. Estas medidas estendem-se até 2014 “quando expirar o mandato do governo atual”, sublinha o diário que estima que as privatizações adotadas para levar ao crescimento parecem mais improvisadas do que refletidas.

“A experiência de outras crises financeiras indica que o momento ideal para os ataques especulativos será em meados de agosto. O governo tem portanto pouco tempo para os impedir, e a única forma de o fazer, é anunciar reformas credíveis”, conclui, inquieto, o diário Corriere.

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