No cais histórico, com o olhar sobrevoando o Mar do Norte, o jovem bronzeado sorve um gole de cerveja e faz uma pausa. "Queremos ser donos de nós próprios", diz por fim, "e não deixar que Bruxelas nos diga o que devemos fazer. Por que havíamos de estar na União Europeia e pagar pelos erros de outros países?" Com um encolher de ombros, acrescenta o frequentemente repetido refrão britânico: "Estamos melhor fora da UE."
Mas não se trata de uma praia britânica e as familiares frases não saem dos lábios de um súbdito do Reino Unido. Em Bergen, a segunda maior cidade da Noruega, estes pontos de vista são quase universalmente aceites, e Hans-Erik Almas, de 23 anos, conta-se entre os 80% de noruegueses que pensam que o seu país faz bem em não participar da União Europeia.
É uma opinião cada vez mais partilhada do outro lado do mar, na Grã-Bretanha. Em 1 de julho, no Sunday Telegraph, David Cameron levantou a possibilidade de um referendo sobre a adesão britânica. E a Noruega é frequentemente citada como um exemplo perfeito de como prosperar fora da UE.
"As pessoas temem que, se a Grã-Bretanha sair, se perca acesso ao Mercado Único e não se possa viajar sem fronteiras", explica Robert Oulds, diretor do grupo de reflexão Bruges Group. "Mas isso não tem fundamento. A Grã-Bretanha pode cancelar a sua adesão à UE e manter os benefícios comerciais, seguindo o exemplo da Noruega. A única coisa que perde é a burocracia e as despesas."
Sistema de previdência social generoso
Os cinco milhões de habitantes da Noruega foram consultados por duas vezes – com referendos em 1972 e 1994 – sobre se queriam aderir; de ambas as vezes, após debates apaixonados, o “Não” ganhou por curta margem. Ao contrário da Noruega, juntamente com a Islândia e o Liechtenstein, juntou-se ao Espaço Económico Europeu (EEE) – uma associação dos 27 Estados-membros da UE, mais os três não-membros da UE, ficando todos regidos pelas “quatro liberdades”: livre circulação de bens, serviços, pessoas e capitais.
A Noruega está sujeita a apenas um terço dos regulamentos dos membros de pleno direito da UE, embora o EEE não tenha voz sobre assuntos de pesca, agricultura, justiça e assuntos internos. O modelo parece estar a funcionar bem. A Noruega é uma das nações mais ricas e mais satisfeitas do planeta, com um PIB per capita de 50 mil euros – em comparação com os 29 mil euros do Reino Unido e uma média comunitária de 26 700 euros. O desemprego é de 3,25% e o PIB está a crescer a 2,75% ao ano – de acordo com a sua média nos últimos 40 anos.
Também encabeça regularmente os relatórios da ONU em matéria de qualidade de vida, com um sistema de previdência social generoso – as mulheres têm 46 semanas de licença de maternidade com salário integral e a educação é gratuita para todos. O país financia-o através das suas enormes reservas de petróleo, madeira e peixe, que gere de forma prudente, pondo de lado grandes percentagens das suas receitas de petróleo para financiar as necessidades futuras com a saúde de uma população em envelhecimento.
Comércio desde o tempo dos viquingues
"A Noruega é um país próspero e queremos continuar assim", comenta Gunnar Bakke, comissário dos assuntos regionais para Bergen. "Assumimos uma visão de longo prazo e gerimos os nossos recursos com cuidado, daí não vermos porque havíamos de aderir à UE e, em seguida, ter que pagar pelo despesismo dos outros."
Alguns noruegueses são ainda mais acutilantes nas suas opiniões. "A Noruega devia sair completamente do EEE", defende Heming Olaussen, da campanha “Não à Europa”. "Ainda somos obrigados a aceitar muitas decisões de Bruxelas, e a UE está a entrar cá pela porta dos fundos. Seria muito melhor cortar com o EEE e só manter tratados bilaterais. A Noruega é suficientemente forte para se aguentar sozinha e é um importante polo de negócios, pelo que a UE não pode ignorá-la."
Bergen é uma cidade de comércio desde o tempo dos viquingues, rendibilizando as suas águas e encostas florestadas para se tornar parte essencial da Liga Hanseática – uma organização comercial que ligava os portos do Norte da Europa, entre 1300 até à década de 1660. E esse espírito comerciante prevalece. Com uma população de 260 mil habitantes, a cidade alberga imensas empresas petrolíferas, além do maior produtor do mundo de salmão de viveiro.
Na calçada de granito ao longo do cais, vendem-se postas gigantes de salmão, juntamente com lagostins, carne de baleia e santolas. Salsichas de rena e tapetes de pele de alce são apregoados a par de camisolões de lã de estilo nórdico e estatuetas de monstrinhos simpáticos.
Petróleo, gás e produtos manufaturados
Nem todos concordam que o modelo norueguês – parceiro comercial da UE, mas não membro – seja positivo. "Chamo à situação atual ‘A Insustentável Leveza do EEE’", declara Paal Frisvold, presidente da Bellona Europa [ramo da Fundação Bellona em Bruxelas, ONG especialmente interveniente nas áreas de mudança climática] e ativista norueguês a favor da adesão à UE. "Moro em Bruxelas e fico triste por ver tudo o que estamos a perder. A Noruega está a ser marginalizada, quando devia estar no coração da Europa.”
Torben Foss, antigo funcionário público encarregado de escrever o capítulo das pescas do EEE, também acredita que seria melhor para a Noruega aderir à UE: "Há um temor de que, ao fazê-lo, a UE viesse de repente buscar todo o nosso peixe. Mas isso não tem absolutamente lógica nenhuma. Os direitos de pesca são baseados em dados históricos, pelo que é absurdo sugerir que as águas da Noruega seriam invadidas dessa forma."
Petróleo, gás e produtos manufaturados podem ser negociados livremente com a UE, porque os membros do EEE estão sujeitos a todas as diretivas relacionadas com o Mercado Único. "Somos o mais obediente dos membros da UE, transpondo rapidamente as diretivas à letra, apesar de não termos direito de nos pronunciarmos sobre elas", salienta Marit Warncke, que lidera a câmara de comércio de Bergen. "Ficamos sentados nos corredores, em vez de estarmos à mesa das decisões."
Também não é verdade que ser membro do EEE não tenha custos, sublinha. A Noruega contribui com 340 milhões de euros por ano para a UE – apesar de não ser membro, nem ter direito de voto. Se o Reino Unido deixar a UE, a sua contribuição anual para o EEE pode descer para apenas 2 mil milhões de euros, em vez da presente contribuição líquida de 11,6 mil milhões de euros.
Nas ruas de Bergen uma mudança do estado de coisas provoca pouco entusiasmo, mas o debate prossegue. "As pessoas não percebem o que está realmente em causa", diz a sra. Warncke. "Acham que vivemos dentro de uma bolha e que nos vamos mantendo à tona, bastante felizes. Mas precisamos de nos empenhar mais na Europa, para nosso próprio bem. E a Grã-Bretanha não devia sequer pensar em sair. Ninguém pode apenas ficar sentado no seu cantinho e comer peixe."
Contraponto
Modelo norueguês não é solução
Os eurocéticos podem achar que a Grã-Bretanha deve adotar uma solução semelhante à da Noruega, em matéria de relacionamento com a UE. Mas na opinião de Mats Persson, do grupo de reflexão Open Europe, juntar-se ao Espaço Económico Europeu seria "muito pior do que a relação existente."
Num texto de opinião no Daily Telegraph, Persson escreve:
Em primeiro lugar, a Noruega é quase tão membro da UE como a Grã-Bretanha, aplicando cerca de 75% das leis da União, desde regulamentação do mercado de trabalho (nomeadamente a diretiva relativa ao horário de trabalho) até medidas de policiamento e contra o crime.
Em segundo lugar, apesar de ter sido forçada a aceitar essas leis, não tem representação nas instituições da UE e praticamente nenhuma forma de influenciar as tomadas de decisão, fazendo-as refletir os seus interesses nacionais. Se a Grã-Bretanha "passar a ser como a Noruega", será sede de 36% do mercado financeiro a retalho europeu, mas sem uma palavra a dizer sobre amplas faixas da regulamentação que rege esse mercado. [...]
Por último, as empresas norueguesas sofrem custos adicionais ao vender produtos manufaturados para a Europa, decorrentes das "Regras de Origem" da UE, que impõem uma taxa sobre importações que contenham componentes exteriores à UE, para além de montes de burocracia. A Noruega aceita isso, porque 62% das suas exportações de bens são produtos da pesca ou matérias-primas, que não são afetados por estas regras. Aplicadas ao Reino Unido – à sua produção de automóveis ou à indústria farmacêutica – isso implicaria custos adicionais súbitos e desvantagens competitivas.