Até agora, este fenómeno era desconhecido no nosso país. Mas, com a crise económica, vemos cada vez mais pessoas à procura de comida nos caixotes do lixo. Antigamente, só os ciganos e os sem-abrigo o faziam. Depois, chegaram os imigrantes da Ásia e da África que tiravam tudo o que podiam dos caixotes dos supermercados. Hoje, são os gregos que andam aos caixotes de lixo. Muitos deles procuram coisas para revender. Outros, tudo o que é comestível.
Samat Eftehar é iraniano. Há 25 anos que é dono de um restaurante em Exarchia. “Ainda é um pequeno bairro cheio de vida. Conheço a maior parte dos habitantes há muitos anos. Vi pessoas de baixos rendimentos ficarem com os seus salários reduzidos, pessoas dignas, que são obrigadas a revirarem o lixo para poderem comer”, conta.
De tempos a tempos, dá comida às pessoas necessitadas que conhece. “Acho que ainda não vimos o último ato desta tragédia. Se as coisas piorarem haverá mesmo fome”, afirma Samat Eftehar. “Fome não significa ‘não tenho absolutamente nada para comer’ como em África, a fome, na minha opinião, é também não poder comprar carne uma única vez por mês.”
Nestes tempos de recessão, é muita a comida que acaba no lixo. Todos os anos, são deitadas fora 89 milhões de toneladas de comida, o que representa 180 quilos por europeu. As famílias deitam fora 43% de toda esta comida, sobretudo por causa de enganosos prazos de validade.
Em busca do iogurte fora de prazo
Giorgos Arabatzoglou trabalha no serviço de limpeza do município de Penteli, no norte de Atenas: “Até mesmo neste subúrbio rico há pessoas que andam aos caixotes, sobretudo no fim dos mercados. Este fenómeno aumentou ultimamente”, diz ele. “Encontramos os sacos do lixo rasgados, por isso supomos que as pessoas andam ali à procura. Para além dos supermercados e dos caixotes de lixo, há ainda os vendedores de souvlakis [tradicionais carrinhos de rua que vendem espetadas de carne e legumes]. Há pouco tempo, vi uma cena inédita. Uma rapariga bem vestida, à porta de um supermercado, que escolhia de entre uma caixa de iogurtes fora de prazo aqueles que estavam menos fora de prazo.”
Giannis Apostolopoulos, assessor do município de Atenas, afirma que “o fenómeno agravou-se desde há um mês e meio, apesar de existir há 10 anos no nosso país. Reparamos mais nele porque nos toca mais diretamente. Há reformados com pensões pequenas com menos rendimentos, desempregados jovens”. Sublinha que o fenómeno ultrapassa os limites da cidade de Atenas. “É um facto. Mas, aqui, organizamos todos os dias uma sopa popular e as pessoas que vivem noutros bairros também vêm. No entanto, os contentores de Atenas estão cada vez mais cheios.”
Dimitri tem 40 anos. Há vários anos que guia os carros do lixo do município de Atenas. Tem quatro filhos e encontrou, no lixo dos outros, um móvel para a entrada da sua casa. “Não tinha sequer 10 euros no bolso para comprar cigarros. Há vários meses que o município não nos pagava e, no entanto, havia móveis deitados ao lixo no bairro de Aigaleo. Aproveitei a oportunidade. Um colega disse-me para os revender baratos e, pela primeira vez, ganhei 60 euros em duas tardes!”
Dimitri trocou de carro e comprou uma pequena camioneta. Quando a filha mais velha encontra móveis na rua, liga-lhe para que os vá recolher. A garagem da sua casa transformou-se numa oficina, onde extraía os materiais (principalmente ferro e cobre) dos objetos recuperados. “Com isto, ganho 300 ou 400 euros por mês e, sobretudo, consigo ter dinheiro no bolso”. Tal como ele, estão a surgir cada vez mais adeleiros.
Em manchete
Mais sacrifícios
Tal como a maioria dos diários gregos, To Ethnos anuncia “sangue e lágrimas” aos seus leitores, explicando que “o governo pondera despedimentos e uma nova redução de 20% nos salários da função pública”. Pois Atenas está sob pressão por parte da UE – BCE – FMI para anunciar um plano de redução do seu défice e de reforma do Estado, caso pretenda obter a sexta tranche do plano de ajuda, iniciado em 2010. Esta tranche de 8 mil milhões deveria ter sido atribuída neste mês de setembro.